Débat : Actualité sémiotique de l’actualité ?

Webjornalismo e escuta da atualidade :
da proximidade à bajulação no YouTube

Luiza Eltz
PUC-SP, Centro de Pesquisas Sociossemióticas

 

Publié en ligne le 31 décembre 2024
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2024n8.70092
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Introdução

O contato do dedo deslizando sobre o celular indica o caminho para amplas trajetórias de entretenimento nas redes sociais. Esse movimento, o scroll, é repetido constantemente pelo indivíduo que encara a tela como um convite para a imersão online. Em interlocução com o celular e, consequentemente, com as plataformas que percorre, o usuário utiliza o toque na tela luminosa para decidir quais conteúdos devem ser escolhidos, ou ignorados. Os conteúdos que não são clicados também importam pois eles envolvem o indivíduo em uma atmosfera de fluxo ininterrupto. Mesmo que o sujeito não vá adiante com o clique, ao estar percorrendo várias timelines, ele se sente seguindo a atualidade... ou seguido por ela. Estar circulando nesses ambientes digitais proporciona com que a pessoa se sinta conectada com o mundo. A ideia de que basta um clique para saber um pouco mais de algum conteúdo é o suficiente para marcar o celular como um objeto quase que mágico. Frases como “eu cheguei a ler algo sobre isso” ou “vi por cima essa matéria” são participantes dessa dinâmica. Para os outros, elas assinalam o indivíduo como alguém ciente do que o cerca e do que acontece no mundo, e, para si mesmo, como alguém que exerce seu direito de escolha de forma, supostamente, esclarecida.

Dado que, mediante a lógica algorítmica, o fluxo dos conteúdos é ordenado de maneira personalizada, quanto mais uma pessoa utiliza uma rede social, mais aquela plataforma se ajusta mecanicamente a ela por medio do que Landowski descreve como um “ajuste reativo”1. O que lhe será apresentado tende a ser congruente com a sua visão de mundo. Instaura-se um simulacro de intersubjetividade, o parecer de uma troca íntima, um suposto diálogo telepático. Um vislumbre de que essa tecnologia até mesmo possa conhecer mais aquele que a utiliza do que ele próprio. O “aqui-agora” característico dessa interface promete um gozar que faz o indivíduo se sentir em casa. Por esse motivo, o celular pode ser considerado um quase sujeito. O atuar na rede social é pautado, portanto, por uma simbologia social articulada para conduzir o sujeito a voltar a aquele fluxo e não perder nenhum conteúdo. Pois perder um ou outro seria, de certa forma, perder a si mesmo. Semioticamente, isso decorre de estratégias ancoradas entre programação, manipulação e ajustamento2.

1 Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014, p. 52.


2 Cf. op. cit.

Na disputa entre conteúdos de entretenimento e informativos estão aqueles provenientes de mídias jornalísticas que buscam desbravar as redes sociais. Seguir a atualidade confiando em uma mídia que porta a “melhor” narrativa dos eventos políticos é um vínculo poderoso capaz de ofuscar materiais concorrentes.

Como construir, então, esse elo com o destinatário ? Nossa proposta é focar no YouTube e descrever de que forma os jornais constroem suas dinâmicas interacionais com os destinatários. Analisaremos os três pontos seguintes : o parecer de reciprocidade, o desfrutar do estar junto, o efeito catártico do consumo de vídeos jornalísticos.

1. O parecer de reciprocidade

A navegação no YouTube é intuitiva : os cliques sucessivos conduzem a uma imersão na rede de modo que se torna por assim dizer natural. A interface tem como objetivo permitir que o usuário se sinta confortável. Não apenas ele decodifica rapidamente os arranjos que são expostos como, também, os opera de maneira quase que automática. A compreensão dos cliques e os caminhos a serem percorridos para a escolha de um vídeo, por exemplo, se apresentam de maneira simples para que o usuário se sinta empoderado3.

3 Cf. J. Burgess e J. Green, YouTube e a Revolução Digital, São Paulo, Aleph, 2009, p. 18.

Diante da homepage do site, essas escolhas — assistir um vídeo, pular para o próximo conteúdo, sair de uma transmissão ao vivo, comentar algum vídeo — são cíclicas e seguem um ritmo ininterrupto. Como a internet e, por consequência, as redes sociais nunca dormem, o sujeito sabe que toda a vez que abrir a homepage uma nova oferta ocorrerá. A sensação de que as novidades não têm fim impulsiona para que o usuário, consequentemente, exerça em sua rotina programática o ato de pegar o celular, abrir o aplicativo, clicar no botão para que a página se atualize. Não estar sempre conectado seria perder o que pode vir de interessante.

Diante de uma dinâmica estabelecida dessa forma, o sujeito abraça uma sensação de dever. Porém, há também a sensação de um poder fazer, de estar em reciprocidade perante a rede social. O navegar do YouTube concretiza, de fato, um parecer de reciprocidade. O usuário se sente em termos igualitários, mesmo que estejamos falando de um canal cujo poder econômico, social e cultural não é sequer possível de ser mensurado. Esse parecer de interlocução, mediado pela programação da página e pelo clique, confere um status inédito para o usuário e é peça fundamental para que ele continue voltando à plataforma.

Entretanto, qual a diferença com uma audiência na televisão, que acompanha um canal e pode apertar o controle remoto para ir para um próximo canal ? Por mais que haja similaridades nessa possibilidade de evasão, a diferença entre “zapear” de um canal para o outro na televisão e sair de uma transmissão ao vivo para assistir outro conteúdo no YouTube é que na rede social o próximo vídeo é articulado automaticamente. O sujeito sequer precisa clicar no mouse ou na tela do celular para continuar imergindo. Além disso, os vídeos ofertados quando o sujeito sai de um vídeo são conteúdos preparados com auxílio dos algoritmos para o capturar com a próxima novidade. São vídeos que abordam as supostas representações do seu ser e reiteram um viver que fortifica não apenas sua bolha social, mas também suas ideias pessoais. A potencialidade viciante desse simulacro é ainda tecnologicamente reforçada pela facilidade de apenas ter que relaxar o braço e aguardar a surpresa (normalmente positiva) preparada pelo YouTube. Isso é diferente do que ocorre em uma grade jornalística na televisão, em que, para mudar de canal, o sujeito deve fazer ao menos um clique no controle — e nada garante que a próxima estação seja de seu agrado. Em suma, em comparação com o YouTube, a ação delegada ao sujeito que assiste a televisão tem se tornado chata ou, ao menos, mais trabalhosa.

Ademais, na interface digital, há a vivência de uma troca íntima, próxima e, sobretudo, compartilhada com outros usuários que escolheram o mesmo vídeo. Isso ocorre pois o YouTube compartilha na tela os dados referentes a quantas pessoas estão assistindo uma transmissão, quantas curtidas ou descurtidas um conteúdo recebeu e, ainda, os comentários de um vídeo ou durante um bate-papo de uma live. A possibilidade de criar uma conversa com outras pessoas, a experiência instantânea de assistir algo e reagir no mesmo momento é fortificada pelos campos que são projetados ao usuário. Diferentemente da televisão, não se precisa recorrer ao X para tuitar (ou seria xuitar ?) a respeito do seu programa favorito : o YouTube fornece a tecnologia necessária. A companhia dos vídeos, dos canais, se torna convidativa. É “seguir a atualidade”, com, ademais, a proposta sedutora de que, enquanto faz isso, pode ainda se conectar com outros. É uma promessa e um simulacro de concretização de uma experiência.

Uma consequência disso é a suposta veracidade dos conteúdos : se os algoritmos reforçam a entrega de materiais que reproduzem as visões de mundo do sujeito e utilizam a interface digital para criar uma esfera íntima, o que será transmitido será considerado uma “verdade” absoluta. Diana Barros aponta o pertencimento como âncora para que os discursos na internet sejam considerados “verdadeiros” :

Os discursos na internet são, em geral, considerados verdadeiros (ou seja, que parecem e são verdadeiros), tendo em vista a grande quantidade de saber que a internet armazena. Mais do que isso, eles são discursos que desmascaram a mentira (que parece, mas não é verdadeira), ou revelam o segredo (que não parece, mas é verdadeiro). O destinador desses discursos é colocado na posição do sujeito do saber e seu destinatário, devido à interatividade imensa já mencionada, deles se considera, em boa parte, também como “autor-destinador”. Esse destinatário, assim construído, acredita e confia nos discursos que também são seus.4

4 D.L.P. Barros, “Estudos discursivos da intolerância : o ator da enunciação excessivo”, Cadernos de estudos linguísticos, 58, 1, 2016, p. 12.

Para veículos jornalísticos, esse cenário se torna atraente. Como criador de conteúdo, o jornalista terá a suas mãos todas as métricas necessárias para vislumbrar os ideais do destinatário. Todavia, se, no que diz respeito a um webjornal, o objetivo estaria unicamente fazer o sujeito se sentir bem consigo mesmo o problema estaria em abrir mão de certos conteúdos considerados relevantes para o interesse público — o interesse da coletividade em geral, das esferas públicas que permeiam e notificam as seriedades do mundo que vivemos —, e se tornar um jornalismo, talvez, bajulatório. De fato, para obter sucesso, os conteúdos tendem a ser estrategicamente focados em um destinatário em específico, podendo atropelar certas éticas jornalísticas. E há ainda o risco de uma criação que visa mais a viralização do que o informar tradicionalmente focado no valor da informação, na conscientização e no estímulo do senso crítico.

A produção jornalística, portanto, se depara com uma série de desafios : como crescer na rede social e ao mesmo tempo informar ? O que faz com que um usuário volte a frequentar um mesmo canal e não decidir se aventurar em outros canais que também poderiam ser do seu agrado ? Para responder essas perguntas devemos considerar o vínculo que os destinadores da rede estabelecem com seus destinatários.

2. O desfrutar do estar junto

No YouTube o discurso jornalístico se torna, por assim dizer, o próprio discurso daquele que o assiste : há uma sintonia entre o produtor de conteúdo e seu destinatário. Eles ambos constroem, supostamente, e desfrutam juntos a narrativa mediada na tela. Assim como o usuário procura se sentir um ser no mundo, pertencente a uma comunidade no YouTube, o veículo jornalístico se empenha para criar uma ligação com seu destinatário e criar reportagens baseadas em uma determinada ótica. Essa ligação prévia entre ambos tem como potencialidade criar um elo de fidelização. Como exposto por Landowski : “Para que dois atores entrem em relação, é preciso que por antecedência eles estejam de algum modo predispostos a interagir, ou seja, de antemão virtualmente conectados um com outro, ou ainda, já potencialmente interligados”5.

5 Antes da interação, a ligação, São Paulo, CPS, 2019, p. 19.

Essa ligação permite entender o porquê de um destinatário optar por um determinado veículo jornalístico em detrimento de outro. Ele busca ser englobado por um mundo que faça sentido para ele, que não o questione e que o localize em um segmento que seja dotado de um valor simbólico e social. Mas um tal laço é construído e mantido apenas por reiteradas interações. O jornalista, tendo acesso às métricas dispostas pelo YouTube para a condução de um determinado público-alvo, passa a utilizar da reiteração de determinadas abordagens consideradas assertivas para a captura da atenção. Esse jogo se apoia na bajulação que comentamos anteriormente. Entretanto, se houvesse fórmula mágica, todos os canais teriam números estrondosos de visualizações. Não basta o destinatário se sentir legitimado e representado por um canal jornalístico. A interpretação e vivência solitária não faz sentido na rede social, ainda mais com a programação da homepage que faz questão de alertar ao usuário quem está com ele, a quantidade de pessoas e o que elas dizem. Navegar pela rede social é valorizar uma trajetória que encarne a coletividade como um espaço primordial.

 

Em estudos anteriores classificamos essa dinâmica como o maior atrativo da rede social : a possibilidade do desfrutar do estar junto6. Barreiras físicas são derrubadas pela capacidade do meio digital em aproximar no mesmo espaço sujeitos que procuram se ver como uma maioria na sociedade, que buscam o conforto do consenso e fogem do divergente. Por meio da interlocução, o usuário se sente construindo junto dos jornalistas a narrativa que melhor interpreta os fatos políticos. Esses momentos de suposta lucidez em desvendar os segredos do mundo ocorrem apenas por outros receptores estarem experienciando o mesmo evento ao lado de si mesmo. A presença dos outros confere legitimidade ao que se está sendo assistido.

Essa conduta não é estimulada apenas pelo YouTube. Os webjornais, assim como quaisquer outros criadores de conteúdo, utilizam a interface para estimular a ligação que os une. Já que há o desejo de estabelecer uma comunicação, que os usuários utilizem sempre mais o bate-papo e os espaços de comentários ! Isso indica uma sofisticação ainda maior das estratégias aplicadas. A fidelização nada mais é do que criar fãs e relembrá-los do porquê priorizam o clique diante das outras ofertas. Ora e para criar fãs é necessário relembrar do compartilhamento do mundo, ou seja, propor narrativas que legitimem o sentido que uma dada micro-comunidade desprende do mundo. Mediante a programação algorítmica, o conjunto dos participantes se “ajustam” uns aos outros. É a exigência do consumo de um produto. É o jornalismo se concretizando cada vez mais seguindo um modelo de comércio, enquanto uma mercadoria que deve se provar constantemente do porquê é importante.

A isso acrescenta-se o fato que o elo entre o jornal e seu destinatário possibilita que a narrativa transmitida progrida de um fazer interpretativo dos fatos em um fazer prescritivo. Há na interação no YouTube uma troca sensível que possibilita com que a mídia jornalística assuma uma posição de autoridade, estimulando os sujeitos a pensar de certa forma e a agir em uma determinada direção. Eis aqui o aspecto “manipulatório” do dispositivo. O fazer do destinador desse canal de notícia tem a potencialidade de mover massas, de reiterar um ideal ao ponto dele se tornar uma prática, uma conduta, uma cartilha para que o usuário se comporte, pense e aja de uma determinada maneira para se encaixar perante a sua comunidade. E parte dessa dinâmica ocorre devido ao potencial efeito catártico dos webjornais.

3. O efeito catártico do consumo de vídeos jornalísticos

6 L. Eltz, Enunciação nas transmissões ao vivo do UOL News no YouTube e os simulacros de reciprocidade, Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica), PUC-São Paulo, 2024.

Em “Uma mão, uma face”, Greimas descreve a interação de uma pessoa com seu ambiente ao ler um livro7. Ocorre uma imersão do sujeito que se conecta com a narrativa de modo a ser totalmente absorvido por ela. Algumas posturas como o modo de sentar ao ler a história, a diminuição sensorial do que cerca o sujeito para que o foco seja deslocado para o enredo, são questões elencadas para indicar o transe do destinatário capturado pela narrativa e de que forma a interação com o objeto proporciona um mundo de vivências, entre sensível e inteligível.

Na lógica da navegação do YouTube, o mesmo ocorre. Isso pode ser justificado, em primeiro lugar, pelo contato físico que o sujeito tem com o celular ao pegá-lo, aproximá-lo do rosto e se ajeitar em uma posição confortável. São como etapas em uma sessão de hipnose, com a diferença que ao invés de ter um profissional com um relógio a ser balançado na frente dos olhos do sujeito, esse carrega o celular como um espelho da realidade e de si mesmo. É uma imersão que promete que o próximo clique será melhor que o outro. É um livro, de certa forma, em que os melhores capítulos ainda estão por vir e prometem superar em termos de atualidade, ineditismo e paixões o que já foi passado. A construção dessa atmosfera de expectativa é fundamental.

Quer dizer que a narrativa mediada pelo webjornal se torna tão fantasiosa quanto ler um livro ? Não necessariamente. Percorrer as redes sociais não tem um objetivo igual para todos. Há pessoas que utilizam as redes para se informar tanto quanto outras que optam em conferir as plataformas como uma forma de dar um respiro no meio de uma rotina de trabalho por meio do entretenimento : vídeos de memes, gatinhos, gols do time favorito e, ainda, sim, noticiários jornalísticos. Há a possibilidade de que o celular represente uma porta para a fuga da realidade.

E, também, o YouTube permite que o usuário viva uma história baseada em “fatos reais”, apresentados como se fossem filmes, com um enredo sedutor e com uma construção de narrativa que, como vimos, esteja de acordo com o ponto de vista daquele que o assiste. É um webjornal que se pauta no noticiário, na vida, mas que ao construir seu enunciado utiliza recursos enunciativos sedutores. Assistir um jornal no YouTube seria ver uma realidade que não apenas faz sentido como, também, pelo modo de narrar, reforça o parecer do “verdadeiro” e dá uma impressão de cumplicidade com o narrador. O destinatário se sente importante, reconhecido, entendido, o que só pode reforçar o laço de fidelidade. Mais uma vez, trata-se, obviamente, de um simulacro.

A transmissão da notícia, portanto, surge como uma narrativa que parece protagonizada pelo próprio destinatário e utiliza da figura dos jornalistas para vivenciar as notícias de uma maneira que brinca entre o imaginário e o real. Tal como um livro que envolve e nos faz refletir sobre o mundo que nos cerca, em um show jornalístico a narrativa pode provocar sensações. O sentimento de angústia, por exemplo, a repulsa ou a admiração são representados por aqueles que estão na frente das câmeras e que sinalizam para o destinatário metonímias de si mesmo. A representação, então, alcança seu grau máximo. A conexão próxima, face a face e vívida possibilita que uma notícia interpretada e experimentada de uma determinada maneira se torne uma conduta acertada para o que deve ser feito. Dada a autoridade da mídia, há a possibilidade de uma condução dos sujeitos que assistem o jornal, até fazê-los pensar de uma forma “conveniente”, ou seja, conforme à perspectiva do destinador. Esse estratagema é mascarado pelo simulacro de reciprocidade.

Mas assim como um livro que termina, um vídeo é previsto para acabar. Aquilo que era tão familiar, íntimo, informal e que entretinha a atenção, dura apenas minutos exatos. Essa limitação temporal cria o risco de configurar uma dinâmica interacional efémera, uma vivência presa no celular, sem levar o usuário a muitas reflexões diante do mundo e da vida que o cerca. Tudo o que o jornal provoca no sentir e no compreender do evento arrisca ser deixado de lado quando há a quebra da conexão. Isso ainda reforça a dinâmica que provoca com que o usuário esteja sempre se atualizando para não perder a movimentação do canal e sua respectiva comunidade. Em outras palavras, não há espaço para indagação e construção e, sim, para um consumo desenfreado e uma forma de catarse.

7 A.J. Greimas, Da imperfeição, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2017, pp. 55-65.

De fato, o dispositivo favorece o expurgo “catártico” de quaisquer sentimentos que o sujeito vivencie consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Há, portanto, a possibilidade de que tudo acabe numa posição passiva e inerte em vez de um construir sentido. Assistir um webjornal pode ser o suficiente para que o sujeito se informe minimamente a respeito do noticiário local e consiga tecer críticas ao pegar o elevador na manhã seguinte, para fazer ver que sabe tanto quanto os especialistas, ou seja que pode participar na “conversation générale8. O sujeito tem a serviço um jornal que o represente, que o fortifique como um membro da comunidade e, ainda, lhe proporcione a resolução de suas questões.

8 Cf. E Landowski, “Suivre l’actualité, pourquoi ?”, Acta Semiotica, IV, 8, 2024 (§2.3).

Essa dinâmica, portanto, implica que o sujeito se torne cada vez menos seu próprio destinador. Em contrapartida, consumir no YouTube um vídeo que o situa em uma determinada comunidade em sintonia com suas opiniões, isso — mesmo que não seja, propriamente falando, “seguir a atualidade” — pelo menos satisfaz o desejo de não se sentir só diante da vida. Ligar em uma transmissão, reparar em quantas pessoas estão acompanhando um dado conteúdo, em quais comentários são reverberados, isso faz se sentir em uma roda de conversa.

Conclusão

Em um mundo predominantemente digital em que as pessoas não necessitam sair da casa para estar “virtualmente” face a face, estar no YouTube é participar numa rede capaz de aproximar mundos e criar, supostamente, junto ao usuário, uma narrativa que não apenas o represente, mas também tem a proposta de o acalentar. É uma companhia marcada tanto pelo fluxo ininterrupto de vídeos a serem compartilhados, quanto pela comunidade que anseia em desfrutar aquela expectativa da próxima narrativa. Nunca um veículo jornalístico ofereceu a possibilidade de estar tão próximo na vivência dos outros. Com a televisão, o rádio, até mesmo o impresso, os veículos chegavam à casa. Agora, eles chegam até a vida das pessoas, as fazendo companhia, obliterando a realidade que as cerca, as ajudando a dar uma risada após um dia difícil e compartilhando visões de mundo que antes pareciam tão individuais para cada um. Ademais, a informalidade, regra da plataforma digital, possibilita com que o jornalista não apenas se sente na mesa durante um jantar para contar as principais notícias como, também, fique ao lado do destinatário enquanto compartilham notícias políticas que assolaram o país naquele dia. O YouTube permite que essa troca seja íntima e intersubjetiva.

 

A propagabilidade, noção desenvolvida por Henry Jenkins9, é um fator que apenas surge com a fidelidade na rede social. Ela tem condições de florescer desde que ela seja estimulada de maneira livre e com mais riscos o possível, como é de regra em qualquer forma de “ajustamento”. Isso quer dizer que um veículo jornalístico tem de estar sujeito ao flop, ou seja, à eventualidade de que o que planejou agradar seu destinatário produza o efeito oposto. Focado apenas na viralização, o jornal pode perder o que tem de mais rico na potencialidade interacional.

Nada indica a priori como cada canal deve tecer seu conteúdo jornalístico, mas tudo aponta para uma série de regras a serem obedecidas. É preciso, no mínimo, entender o ambiente em que está inserido. Esse é o desafio que um webjornal enfrenta em uma práxis que se propõe em dizer o que é notícia e analisar a mesma. Corre o risco, ainda, se tornar um jornalismo bajulatório com quem o assiste. Essa dinâmica que talvez possa fazer sucesso, poderia também ferir os pilares da profissão. Mas quem disse que não se pode fazer jornalismo sério e ético no YouTube ?

9 O autor exalta a circulação de algum tipo de conteúdo por meio de estruturas que motivam que a comunidade compartilhe o material e crie novas conexões. Cf. H. Jenkins, J. Green e S. Ford, Cultura da conexão : criando valor e significado por meio da mídia propagável, São Paulo, Aleph, 2015, p. 275.


Obras citadas

Barros, Diana L.P., “Estudos discursivos da intolerância : o ator da enunciação excessivo”, Cadernos de estudos linguísticos, 58, 1, 2016.

Burgess, Jean, e Joshua Green, YouTube e a revolução digital, São Paulo, Aleph, 2009.

Eltz, Luiza, Enunciação nas transmissões ao vivo do UOL News no YouTube e os simulacros de reciprocidade, Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica), PUC, São Paulo, 2024.

Greimas, Algirdas J., Da imperfeição, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2017.

Jenkins, Henry, Joshua Green, Sam Ford, Cultura da conexão : criando valor e significado por meio da mídia propagável, São Paulo, Aleph, 2015.

Landowski, Eric, Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

Antes da interação, a ligação, São Paulo, CPS, 2019.

— “Suivre l’actualité, pourquoi ?”, Acta Semiotica, IV, 8, 2024.

 

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1 Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014, p. 52.

2 Cf. op. cit.

3 Cf. J. Burgess e J. Green, YouTube e a Revolução Digital, São Paulo, Aleph, 2009, p. 18.

4 D.L.P. Barros, “Estudos discursivos da intolerância : o ator da enunciação excessivo”, Cadernos de estudos linguísticos, 58, 1, 2016, p. 12.

5 Antes da interação, a ligação, São Paulo, CPS, 2019, p. 19.

6 L. Eltz, Enunciação nas transmissões ao vivo do UOL News no YouTube e os simulacros de reciprocidade, Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica), PUC-São Paulo, 2024.

7 A.J. Greimas, Da imperfeição, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2017, pp. 55-65.

8 Cf. E Landowski, “Suivre l’actualité, pourquoi ?”, Acta Semiotica, IV, 8, 2024 (§2.3).

9 O autor exalta a circulação de algum tipo de conteúdo por meio de estruturas que motivam que a comunidade compartilhe o material e crie novas conexões. Cf. H. Jenkins, J. Green e S. Ford, Cultura da conexão : criando valor e significado por meio da mídia propagável, São Paulo, Aleph, 2015, p. 275.


Résumé : Le téléphone portable ouvre non seulement de larges perspectives de divertissement sur les réseaux sociaux mais aussi des moyens efficaces de se situer dans le monde. L’article se concentre sur YouTube. Grâce au raffinement de la logique algorithmique, ce réseau offre, sous la forme d’informations ininterrompues diffusées à un rythme effréné, une manière très particulière de « suivre l’actualité » en se sentant partie intégrante d’une communauté. Son immense succès repose sur une combinaison d’artifices relevant de trois régimes interactionnels (programmation, manipulation, ajustement). L’article évoque les principales stratégies en œuvre : apparence de réciprocité, plaisir d’être ensemble, effet cathartique de la consommation de vidéos d’actualité.


Resumo : O celular não apenas abre amplas perspectivas de entretenimento nas redes sociais como também oferece meios eficazes para se situar no mundo. O artigo examina o caso do YouTube. Graças ao refinamento da lógica algorítmica, o dispositivo propõe, sob a forma de informações ininterruptas, difundidas num ritmo desenfreado, um modo muito particular de “seguir a atualidade” sentindo-se parte integrante de uma comunidade. Seu imenso sucesso se deve a uma combinação de artifícios ancorados entre três regimes de interação : programação, manipulação, ajustamento. O artigo descreve as principais estratégias em pauta: um parecer de reciprocidade, o desfrutar do estar junto, o efeito catártico do consumo de vídeos jornalísticos.


Abstract : Mobile phones do not only open up broad pathways of entertainment on social media. They also offer efficient means to locate oneself in society. The article deals with the case of YouTube. Thanks to the refinement of algorithmic logic, it proposes a very specific way of feeling oneself part of a community while “following the news” viewed as uninterrupted information released at a frantic pace. Its huge success is due to a combination of devices anchored in three semiotic regimes of interaction : programming, manipulation and adjustment. The article evokes the main strategies at play within this framework : the appearance of reciprocity, the pleasure of being together, the cathartic effect of consuming news videos.


Mots clefs : information, réseaux sociaux, webjournalisme, YouTube.


Auteurs cités : Diana Barros, Algirdas J. Greimas, Henry Jenkins, Eric Landowski.


Plan :

Introdução

1. O parecer de reciprocidade

2. O desfrutar do estar junto como âncora para a fidelidade

3. O efeito catártico do consumo de vídeos jornalísticos

Conclusão

 

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Recebido em 03/10/2024. / Aceito em 10/12/2024.