IV, 8, 2024

Editorial

em forma de “Point sémiotique”

 

Publié en ligne le 31 décembre 2024
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2024n8.70083
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Conjugar o conhecer (o saber) e o sabor — o rigor conceitual e o gosto de viver —, tal foi a ambição desta revista na época da sua fundação no final dos anos 1970 : Greimas, seu fundador, concebia efetivamente a semiótica como um gai savoir. Nada podia ser mais estimulante do que construir, como foi o caso então, algo inteiramente novo — uma teoria semiótica sui generis — e isto em um contexto social dos mais acolhedores à pesquisa (mesmo nas ciências sociais !), estando ademais rodeado de uma equipe de colaboradores entusiastas. Tudo isso agora é coisa do passado : no lugar do clube semiótico de antigamente, equipes espalhadas ; en vez da total liberdade de investigação que temos conhecido, um enquadramento acadêmico rígido e paralisante ; e mais grave ainda, em contraste com a euforia econômica e intelectual dos “trinta gloriosos” (os anos 1945-1975), um mundo culturalmente desorientado, política e geopoliticamente ameaçado pelo pior, e ecologicamente em desastre. O ideal de um gai savoir semiótico é ainda sustentável em tais condições ?

A presente edição, composta de duas partes quantitativamente mais ou menos iguais — um debate para começar, uma série de secções regulares em seguida —, sugere uma resposta matizada. Por um lado, constata-se que, apesar de tudo, o estilo de pesquisa conquistador à maneira da Belle Époque, que procede da invenção conceptual, da inovação metodológica ou da audácia epistemológica, da descoberta ou da criação, permance vivo. Isto é o que atesta sobretudo a segunda parte (rubrica “Aberturas teóricas” e as quatro seguintes). Mas veremos, principalmente na parte Debate, que há também lugar para um tipo de abordagem complementar, talvez mais alinhada às expectativas do tempo presente na medida em que conduz a um tipo de conhecimento menos modelizante, mas mais descritivo e explicativo, mais crítico e mais imediatamente operacional.

Para entrar um pouco mais nos detalhes, deixemos momentaneamente de lado o Debate inicial e comecemos pelas secções da segunda parte. A julgar pelo seu conteúdo e pelo seu tom, parece que os tempos felizes do “gai savoir” não acabaram, pelo menos para alguns semioticistas ! Assim, quanta confiança nas promessas da teoria era necessária a Manar Hammad para explorar um problema tão complexo e tão novo (para nós nas ciências sociais) como o da matéria no seu espaço (Aberturas teóricas) ; a Roberto Pellerey para nos oferecer uma verdadeira lição de audácia metodológica, em contraste com a prudência algorítmica atual, ao salientar o valor heurístico das apostas interpretativas de Champollion e de outros decifradores de escritos esquecidos (Análises e descrições) ; a Roberto Flores para repensar semio-linguisticamente conceitos fundamentais como os de presente e de presença (debate Actualidade) ; a Giulia Ceriani para ter ousado encarar o desafio, tão contemporâneo, do insensato (Bonnes feuilles) ; a Franciscu Sedda e a Alain Perusset para darem, cada um à sua maneira, um novo impulso à problemática da interação (Leituras críticas) ; a Renata Fabbris e Ana C. de Oliveira para explorarem “sob o pavimento a praia” (In vivo) ; e a Paolo Demuru para dedicir transformar a semiótica em um instrumento de combate contra o obscurantismo político (Bonnes feuilles).

 

No Debate que precede essas iniciativas, o tom é diferente. Uma dezena de pesquisadores refletem sobre uma questão que nos pareceu de atualidade, embora não se trate da atualidade mesma1, mas do sentido (ou da insignificância) da prática que consiste, como se diz, em “seguir a atualidade” pelas mídias interpostas. Giogio Gringnaffini, Roberto Pellerey, Ahmed Kharbouch e Ruggero Eugeni investigam as motivações desta prática que se tornou obsessiva para uma grande parte do público. Érik Bertin, João Ciaco, Olivier Chantraine e Luiza Eltz analisam as estratégias midiáticas que enquadram, estimulam e exploram a disponibilidade dos receptores. Finalmente, Roberto Flores, por um lado, e Jean-Paul Petitimbert, por outro, descrevem os mecanismos linguísticos e semióticos fundamentais que tudo isso põe em jogo.

Aí também se coloca (entre outras) a questão das relações entre sabor e saber, mas num outro plano e em outros termos que precedentemente. Para muitos entre nossos contemporâneos, à medida que o reinado da tecnologia digital se estende, o sabor do cotidiano vivido no dia a dia (forma primeira do presente) encontra-se cada vez mais contaminado por um saber da “atualidade” (forma paralela do mesmo presente) tal como relatada, filtrada ou, mais exatamente, construída pela mídia sob suas múltiplas formas atuais. Esse saber, pouco animador na maioria dos casos (as boas notícias são raras, quase por definição), falsificado por vezes (ou muitas vezes), parece, no entanto, sempre esperado. É a respeito deste gênero de contradições que os participantes no presente debate tentam construir um meta-saber descritivo, analítico e, em última instância, crítico.

Neste nível, para o analista, só a satisfação de compreender, até mesmo de conseguir, por vezes, explicar, pode compensar o mal gosto do objeto a analisar. O sabor deste saber é, portanto, de outra ordem, e geralmente mais amargo que aquele que a invenção conceitual ou metodológica permite provar, como exemplificado na segunda parte desta edição. Mas a construção de um tal saber crítico, necessário no contexto social e político atual, não justifica menos o ardor da pesquisa. Mais do que a ciência pela ciência, trata-se de engajamento semiopolítico.

 

Talvez convenha enfatizar um último ponto : seria um equívoco de interpretação assimilar nossa distinção entre “gai savoir” e “saber crítico” à oposição simplista, cara aos burocratas programadores de teses, entre “Parte teórica” e “Parte aplicada” de uma pesquisa. Na prática real da pesquisa semiótica, por pouco que ela pretenda ser intelectualmente produtiva, as duas vias que, por mais clareza, acabamos de apresentar separadamente, não se excluem uma a outra por princípio. Pelo contrário, muitas vezes, é uma atenção crítica aguçada que leva à descoberta. E, inversamente, a imaginação conceptual só pode ser benéfica para a eficácia de uma abordagem descritiva e crítica. Como nos bons velhos tempos, saber e sabor devem sempre se conjugar !


Eric Landowski

1 A saber, por hora, de Mayotte a Los Angeles passando por Valência, em Catalunha, uma série de catástrofes pontuais, embora climaticamente semi-programadas ; por todos os lados, o populismo em rápida expansão — uma atualidade recorrente ; e — atualidade quanto a ela durativa — genocídio perpetrado metodicamente na Palestina com o apoio decisivo das principais potências ocidentais, acompanhado, é verdade, de algumas reservas, cujo carácter farisáico mereceria semioticamente uma análise.



1 A saber, por hora, de Mayotte a Los Angeles passando por Valência, em Catalunha, uma série de catástrofes pontuais, embora climaticamente semi-programadas ; por todos os lados, o populismo em rápida expansão — uma atualidade recorrente ; e — atualidade quanto a ela durativa — genocídio perpetrado metodicamente na Palestina com o apoio decisivo das principais potências ocidentais, acompanhado, é verdade, de algumas reservas, cujo carácter farisáico mereceria semioticamente uma análise.

 

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