Dossier — Aspects sémiotiques du changement

Turbulência : as lógicas
de uma forma imprevista
de mudança*

Franciscu Sedda
Universidade de Cagliari

 

Publié en ligne le 23 décembre 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n6.64711
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Introdução

Como ocorre a mudança ? O senso comum a imagina como uma alteração (mais ou menos radical) do mundo. A própria semiótica a concebe e relata predominantemente nesse sentido1. Nos termos da lógica narrativa desenvolvida por Greimas, o fazer transformador (F) permite a transição de S1 (o estado inicial das coisas) para S2 (o estado final das coisas). Trata-se do enunciado narrativo fundamental que nos leva de um primeiro a um segundo estado do ser por meio de um fazer, dando-nos a aparência de nos levar firmemente de um mundo antigo a um novo mundo. No entanto, o senso comum dominante nos leva a pensar que se age apenas para criar algo novo nos faz esquecer que o fazer pode visar restabelecer uma situação, um estado de coisas que se perdeu : como nos contos de fadas, quando a ordem é quebrada por algum evento diante do qual se faz necessário reconstituir o sistema de valores da comunidade, como quando se deseja reconstruir um relacionamento de confiança ou uma amizade que se perdeu, como quando se anseia por um retorno às magnificências de um qualquer passado individual ou coletivo. E o fato de que que nunca se retorne ao estado anterior tal qual como ele era parece, nesse caso, ter pouca importância. A lógica narrativa nos mostra como a ação de transformação do mundo não é apenas uma mera aspiração à afirmação do novo, mas também uma hipótese de restauração de uma ordem preexistente. Não apenas a emergência de uma nova linguagem, de novos valores, de um novo estado de coisas, mas a recuperação de uma linguagem, dos valores, de uma condição mundana que já existiram.

Aprofundando ainda mais as nuances da lógica que nos une, e que nos une ao mundo e ao sentido, devemos estar cientes de quantas ações realizamos para garantir que as coisas permaneçam “assim como estão”, de tudo o que fazemos para resistir à pressão do tempo, do agir dos outros, do acaso. Estamos aqui nos referindo a todo aquele trabalho cultural, muitas vezes imperceptível — tanto às massas ausentes, quanto àquelas onipresentes, e, porém, fugazes, do cosmo semiótico — que nos serve para realizar a transição de S1 para uma espécie de S1-bis. Seria demasiado fácil encontrar exemplos e distinções no âmbito político, onde (pelo menos em termos de autorrepresentação) é fácil opor forças que agem em prol da mudança a forças que agem a favor da conservação. Pensemos, ao contrário, em como no emaranhado cotidiano de nossas relações interpessoais passamos frequentemente do primeiro tipo de ação (quando, por exemplo, procuramos tecer pela primeira vez um relacionamento amoroso com alguém), para o segundo (quando, uma vez estabelecido o novo relacionamento, atuamos para conservá-lo, para mantê-lo vivo, para garantir que não se quebre ou desvaneça). Ou reflitamos, ainda, em todas as ações cotidianas mais ou menos radicais — a alimentação, a atividade física, o uso de cremes, os procedimentos estéticos — que se realizam para bloquear (ou pelo menos retardar) o envelhecimento, para atrasar o aparecimento das marcas do tempo. Ações realizadas para garantir que S1 não se torne S2, ou melhor, para que S1 permaneça sendo S1. Ou que se torne algo não muito diferente, que nos permita manter uma certa identidade ao longo de seu devir. O ponto, aqui, é que até mesmo a ação contra a mudança é uma ação de mudança, já que visa produzir um estado de coisas — um permanecer, uma continuidade — que não se produziria sem essa intervenção.

* Uma primeira versão do texto foi publicada, em italiano, na revista Versus. Cf. F. Sedda. “Logiche della turbolenza”, Versus. Quaderni di studi Semiotici. A que apresentamos aqui é uma versão atualizada, reescrita e revisada pelo autor. A tradução é de Paolo Demuru.


1 Em particular quando divulga seus conceitos fundamentais para um público de não-especialistas. Veja-se, a este propósito, o trabalho de M.P. Pozzato, Capire la semiotica, Roma, Carocci, 2012.

Essas reflexões iniciais não pretendem de forma alguma subestimar a amplitude e a centralidade da ideia de abertura para o novo, frequentemente associada à ideia de mudança e que muitas vezes se manifesta através da percepção de uma ruptura, de um corte, de um salto. Greimas demonstrou isso muito bem em Da imperfeição e Lotman o faz com igual força e precisão ao refletir sobre o conceito de explosão em seu livro A cultura e a explosão2. No entanto, conforme defendemos alhures3, são esses mesmos autores que, de forma explícita ou implícita, nos levam a explorar e debater novas formas de imprevisibilidade, criação e mudança mais complexas, sutis e fluidas.

O próprio processo de transição de um estado de coisas para outro estado de coisas, a transformação de um valor em outro valor, principalmente se oposto, não é exclusivamente concebível como um salto. O caminho em direção a um novo valor, ou até mesmo a uma nova categorização da experiência, deve passar por estados “complexos”. Como tentaremos mostrar, tais estados são locais de criação das condições da mudança ou, em casos extremos e não facilmente perceptíveis, podem ser eles mesmos a mudança4.

Iremos então nos aprofundar em um desses campos, em que as oposições de valores que parecem sustentar a mudança dão lugar a uma neutralização não trivial, não plana, não estática dos valores. Um campo que evoca uma outra lógica, outros processos, mecanismos e ritmos de transformação : aqueles relativos ao fenômeno da “turbulência”.

2 A.J. Greimas, De l’imperfection, Périgueux, Fanlac, 1987. J.M. Lotman, Kul’tura i Vzryv, Moskva, Gnosis, 1992 ; trad. it. La cultura e l’esplosione, Milano, Feltrinelli, 1993.


3 F. Sedda, “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, Acta Semiotica, II, 3, 2022 ; “Semiótica de lo imprevisible. Entre cuerpo y cultura”, in I. Merkoulova, M. Martín, F. Sedda (eds.) con la colaboración de P. Arán e J. Lozano (in memoriam), Semiótica de la cultura : de Yuri Lotman al futuro, De Signis, 2022.


4 Por uma análise dos processos semióticos de mudança a partir dos conceitos de “explosão” e “acidente”, cf. P. Demuru, “Entre acidentes e explosões : indeterminação e estesia no devir da história”, Bakhtiniana, 15, 1, 2019.

1. Turbulência e mudança : questões preliminares

Ao discutir os últimos trabalhos de Greimas e Lotman acima citados, Paolo Fabbri percebeu e começou a explorar a riqueza do conceito de “turbulência”5. Oriunda das artes, da filosofia e das ciências, a noção adentrava, assim, o espaço semiótico, contribuindo à melhor compreensão das dinâmicas explosivas de produção de significado6.

Partindo das considerações de Fabbri, bem como de nossas explorações prévias sobre o tema7, e continuando a dialogar com Greimas e Lotman, procuraremos mostrar, daqui em diante, as implicações e os possíveis desdobramentos semiótico-culturais da ideia de “turbulência”.

Evocada de maneira fugaz por Greimas ao debater o conceito de “fratura”, e, por Lotman, ao abordar aquele de “explosão”, ela necessita, antes de tudo, de um enquadramento e um aprofundamento adequados. Para tanto, mostraremos como a turbulência se apresenta na poesia de Aleksandr Blok, O Artista, eligida por Lotman e, anos depois, por Fabbri, como uma manifestação emblemática deste fenômeno. Aqui, ela aparece como uma dinâmica de sentido que cria não gerando instantaneamente entropia (ou seja, uma abertura repentina para um mundo de significados possíveis e equiprováveis), mas disciplinando o potencial entrópico de um evento-singularidade, até fazer deste trabalho paradoxal — um trabalho que cria ao passo que parece matar a criatividade — o motor da própria criação.

A percepção de uma turbulência que se manifesta como uma dobra da criação sobre si mesma, isto é, como uma escavação no espaço da criação, faz emergir a questão central deste ensaio. Nosso objetivo é mostrar como a turbulência escapa às lógicas da ruptura, despontando como uma exploração das possibilidades internas e ainda inéditas de um dado sistema de restrições. Através da experiência do Köln Concert de Keith Jarrett, iremos observar como a turbulência se conecta ao conceito greimasiano de jogo, ou seja, à ideia de liberdade dentro de um conjunto de restrições, dentro do qual ela se torna suscetível de engendrar um processo de mudança.

5 P. Fabbri, “Turbolenze. Determinazione e impredicibilità”, in T. Migliore (a cura di), Incidenti ed esplosioni. A.J. Greimas, J.M. Lotman : Per una semiotica della cultura, Roma, Aracne, 2010.


6 De modo geral, nosso ensaio deseja experimentar uma arte da “transação regulada” de conceitos oriundos de outras áreas do saber, ou mesmo daqueles que encontramos às margens do campo semiótico, para testar sua utilidade, pertinência e eficácia em relação a uma teoria geral da significação com uma “vocação meta-científica”. Cf. P. Fabbri, Le comunicazioni di massa in Italia: sguardo semiotico e malocchio della sociologia (1973), a cura di G. Marrone, Roma, Sossella, 2017.


7 Em outras ocasiões situamos a turbulência dentro de uma matriz mais geral das formas de imprevisibilidade captadas em seu aspecto rítmico : a turbulência, originada do encontro entre não-continuidade e não-descontinuidade, foi associada, por nós, a um ritmo fractal. Cf. F. Sedda, “Maradona e l’esplosione. Dalla Mano di Dio al Poema di Gol”, in P. Cervelli, L. Romei, F. Sedda (a cura di), Mitologie dello Sport. 40 saggi brevi, Roma, Nuova Cultura ; “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, op. cit.

A referência à lógica das restrições semióticas será desenvolvida através de um último exemplo : uma releitura do conto Un drame bien parisien de Alphonse Allais (e, por sua vez, da releitura feita por Umberto Eco). Aqui podemos vislumbrar qual é o lugar da turbulência no organon semiótico8 : um momento de negação mútua do prescrito e do proibido, uma passagem criativa para uma zona de neutralização que se apresenta tanto como um local de efervescência estrutural quanto como uma oportunidade de exploração dos vazios próprios de um determinado universo semântico, e, por fim, como um caminho de fuga para novos universos semântico-valorativos.

8 P. Fabbri, La svolta semiotica, Roma-Bari, Laterza, 1998.

Este último aspecto — a turbulência como, por assim dizer, “efeito-túnel” — já estava presente, em estado embrionário, nos raciocínios de Greimas sobre o “belo gesto” e a constituição de novas formas de vida9. No entanto, argumentaremos que a turbulência, do ponto de vista teórico, não pode ser reduzida à eventual explosão-ruptura que a desencadeia e/ou que ela pode acabar por produzir. Ela pode claramente ser associada a rupturas que a colocam em movimento ou resolvem sua dinâmica, mas a sua peculiaridade está relacionada a um movimento paradoxal de exploração de um “fora” que está dentro do espaço do sistema em que ela age, à capacidade de criar novas regularidades sem necessariamente romper as regras do jogo.

Dessa forma, esperamos trazer uma contribuição inovadora ao pensamento sobre a mudança e, com isso, às formas de criação de significado.

9 A.J. Greimas e J. Fontanille, “Le beau geste”, RSSI, 13, 1-2, 1993.

2. A turbulência como explosão negativa : flutuações e dissipações

A “fratura”, com sua brusca mudança de isotopia, parece dominar o campo delineado por Greimas em Da imperfeição10, assim como a “explosão”, entendida como “a conjunção do inconjugável” aparenta impregnar o último livro de Lotman, A cultura e a explosão11. No entanto, ambas as obras deixam entrever a presença de outras formas de mudança, de surgimento do novo. Uma delas é exatamente aquela que Greimas define como “turbulência”, um conceito condensado de modo magistral na imagem do “turbilhão do mar” presente no poema O Artista, de Aleksandr Blok, que Lotman escolhe para exemplificar sua ideia de explosão12.

Para avançar em direção a uma definição mais precisa deste conceito, seguimos a indicação de Paolo Fabbri, que, ao abordar o tema da turbulência, partiu precisamente da análise da poesia de Blok13. Fabbri mostra como o raciocínio lotmaniano em torno da poesia de Blok realiza dois deslocamentos fundamentais. O primeiro é que, para elucidar a sua ideia de explosão, Lotman utiliza um exemplo poético que não descreve o fenômeno explosivo nos termos por ele inicialmente postulados, isto é, no qual o centro da cena não concerne exatamente “a conjunção do inconjugável”, cerne de toda explosão. O segundo é que o poema escolhido por Lotman subverte a lógica estética própria dos exemplos greimasianos : onde em Greimas havia uma irrupção instantânea da experiência estético-perceptiva que produzia um novo estado de coisas, em Lotman há, ao contrário, uma tensão durativa dessa nova experiência no limite do indizível.

10 A.J. Greimas, Da imperfeição, op. cit., p. 55.


11 J.M. Lotman, A cultura e a explosão, op. cit., p. 33.


12 A. Blok, “The Artist”, Selected Poems, Manchester, Carcanet, 2000, p. 87.


13 A tradução em italiano do poema de Blok, analisada por Paolo Fabbri em seu ensaio, pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico : https://www.paolofabbri.it/saggi/turbolenze/.

As observações de Fabbri, altamente pertinentes, nos convidam a explorações adicionais. Retomando ainda as considerações de Fabbri sobre a poesia e o discurso poético em geral14, poderíamos dizer que há, em Lotman, uma “a conjunção do inconjugável” negativa. A poesia de Blok nos mostra o nascimento do poético a partir do encontro-confronto entre uma novidade emergente, literalmente inaudita, e uma razão criativa que tenta se apropriar dela, transformando-a em palavra. A razão criativa suga a energia própria da novidade, se alimenta de sua aparição (e apercepção) enquanto luta com ela, negando-a, extinguindo-a em prol de uma criação obscura, de uma novidade de qualidade menor, incomensurável em relação à emergência do novo que a alimentou. De modo parecido com o que acontece com as “canções aprendidas de cor” que encerram a poesia de Blok, que se situam em um nível de informatividade incomparável com o “som leve nunca ouvido antes” que as inspirou e que nós, leitores, nunca ouviremos.

Pode-se dizer que o incidente-ruptura (Greimas) está para o Big Bang assim como essa explosão (Blok / Lotman) está para os buracos negros. Dois grandes modelos de criatividade confrontam-se aqui de forma extrema. O primeiro, por assim dizer, solar, onde o surgimento do novo causa uma criação felizmente nostálgica, de outra forma inimaginável; o segundo, noturno, no qual é a negação do novo, sua captura, seu aprisionamento, que se torna o motor de uma criação sofrida e, em muitos aspectos, cínica.

A partir dessas considerações é possível supor, portanto, que a turbulência seja, em uma primeira acepção, uma “explosão negativa” : uma criação que, ao fixar o próprio curso da turbulência, dissipa a energia do inesperado e do inédito, trazendo de volta o desequilíbrio introduzido pelo aparecimento da novidade dentro de uma nova dimensão de equilíbrio. Entretanto, para além da dimensão cínica que, como na poesia de Blok, esse mecanismo pode vir a encenar, permanece o fato de que parte dessa energia semântica não apenas se difunde dentro da nova ordem, mas vive na flutuação entre o novo, com sua estrutura aparentemente inatingível, e a ordem mesma da criação, que se procura reconduzir a uma “razão” compartilhável. No poema O Artista, essa flutuação é bem exemplificada pela repetição das perguntas e pela incomensurabilidade recíproca das respostas. É ao nos deixarmos envolver por essa flutuação que nos tornamos aptos a consumir a energia do novo, ao mesmo tempo em que captamos os ecos, mas apenas estes, do som inaudível do qual Blok fala no início de sua poesia.

14 P. Fabbri, “Turbolenze”, op. cit.

Coexistem, aqui, duas ideias de dissipação. A clássica, ligada à ideia de dispersão e degradação da energia própria das transformações irreversíveis. E aquela inspirada em Prigogine15 e sua ideia de estruturas dissipativas : em um sistema longe do equilíbrio, as flutuações de energia geram novas estruturas organizadas, que se tornam estáveis justamente graças à ação das trocas energéticas.

Portanto, a entropia do inesperado, sua carga informativa, não é completamente extinta : como ocorre nas explosões positivas mais clássicas, ela é traduzida. No entanto, enquanto a explosão positiva rompe um equilíbrio de um sistema que navega rumo ao esvaziamento de significado, gerando o efeito de sentido de uma entropia revitalizante, a explosão negativa parece regimentar o momento da imprevisibilidade pelo fato de traduzir sua altíssima virtualidade semântica dentro de uma ordem que só pode suscitar o efeito de sentido de uma redução de informatividade e energia. Em outras palavras, enquanto na explosão positiva uma extensão é seguida por uma intensidade, na explosão negativa uma intensidade é seguida por uma extensão.

Em ambos os casos, o que é criado é uma assimetria entre duas estruturas : passando do mais ordenado para o menos ordenado ou do menos ordenado para o mais ordenado, do extenso para o intenso ou do intenso para o extenso, o que permanece é a transição entre duas estruturas diferentes. No entanto, há uma diferença que deve ser observada, pois nos aproxima de uma das peculiaridades da turbulência, que explicaremos melhor por meio dos exemplos sucessivos : enquanto na explosão positiva essa assimetria assume a forma de uma transição necessariamente abrupta de um espaço de significado para outro radicalmente diferente (daí também a sua associação com a manifestação do “sagrado”, do “milagroso”, do “aleatório”, etc.), no caso da explosão negativa, essa diversidade de estruturas é produzia dentro de um espaço aparentemente uniforme, através de sua estratificação ou rearticulação, ou melhor, de uma exploração e reconfiguração inédita de sua própria estruturalidade. E aqui emerge uma forma de criatividade, por assim dizer, mundana, terrestre, mas nem por isso menos difícil de produzir.

15 I. Prigogine, La fin des certitudes. Temps, chaos et les lois de la nature, Paris, Odile Jacob,1996.

3. A turbulência como jogo, exploração, efervescência

Antes de prosseguir, vale notar que o tema da turbulência como explosão negativa atravessa todas as narrativas de origem, nas quais essa ideia é vista como uma transição de um momento caótico e rico em virtualidades para uma realização, uma produção de mundo que se apresenta como o fechamento semântico dessas mesmas virtualidades16. A poesia por meio da qual começamos a abordar este tema torna essa estrutura mais terrena, que vive do paradoxo de uma criação que não apenas se questiona sobre si mesma, mas também se alimenta de suas próprias condições de surgimento e existência.

16 G. Steiner, Grammars of Creation, London, Faber & Faber, 2003.

No entanto, essa dinâmica pode ainda parecer muito próxima de uma lógica explosiva clássica, distante das experiências culturais cotidianas. Pode, então, surgir o mesmo questionamento que se coloca Greimas em Da imperfeição, quando se interroga a respeito das relações entre as práticas de vida descritas na literatura e aquelas reais. Entretanto, na esteira de Marrone17, gostaríamos de pensar os textos artísticos (literários, mas também cinematográficos, televisivos etc.) como laboratórios tão válidos quanto aqueles onde são realizados experimentos nas ciências exatas, e que, portanto, merecem ser levados a sério quando se pretende analisar o funcionamento não apenas da significação social, mas também do pensamento e da criatividade18. Ao mesmo tempo, acreditamos que as experiências de vida são grandes laboratórios semiótico-narrativos e, por essa razão, não se deve temer convocá-las dentro da análise como testemunhas de dinâmicas de sentido mais amplas. É isso que iremos fazer agora, caminhando, aos poucos, rumo ao cerne da problemática semiótica da turbulência.

17 G. Marrone, La cura Ludovico, Torino, Einaudi, 2005.


18 J.M. Lotman, “Mozg – tekst – kul’tura – iskustvennyi intellekt”, Semiotika i informatika, 17, Moskva, 1981 ; trad. it. “Il cervello, il testo, la cultura, l’intelletto artificiale”, Intersezioni, 1, 1982.

No dia 24 de janeiro de 1975, Keith Jarrett deveria se apresentar na Ópera de Colônia. O concerto fazia parte de sua turnê europeia como solista, iniciada em 1973. Devido a um mal-entendido entre os organizadores e a equipe da Ópera, o piano colocado no palco, onde ele iria tocar às 23h30 para uma plateia de 1400 pessoas, era menor daqueles que ele costumava tocar, tinha um pedal quebrado, evidentes problemas de afinação e produzia sons metálicos e finos nas oitavas mais altas, além de ser fraco nos graves. Jarrett preferiria não tocar, mas diante das insistências da organização, e do fato deles já terem montado todos os equipamentos para gravar a performance, ele acaba aceitando. E o resultado desse equívoco é uma das obras-primas da improvisação pianística.

Ora, o ponto é que essa obra-prima é tal porque se desenvolve em resposta a uma mistura de condições imprevistas e restrições impostas pelo instrumento. Diante de um piano inesperado, que limita suas possibilidades de execução, Jarrett explora profundamente o campo de jogo em que é chamado a atuar, tocando tudo aquilo que lhe resta e é possível tocar : com os registros agudos e graves pouco convincentes, ele se concentra nos médios. Sem impulso nos graves, ele procurar recriar a profundidade que resultaria do aperto dessas teclas ausentes por meio de uma nova forma de ostinato que se torna uma marca de toda a improvisação, tensionando, assim, a sua criatividade.

Jarrett passa 12 minutos tocando apenas dois acordes, um vamp nos Lá Menor 7 e Sol Maior ; em outros três blocos, de aproximadamente 7 minutos cada, improvisa em um único acorde (uma vez em Lá Maior, outra em Ré Maior e outra ainda em Fá Sustenido), aprofundando sua abordagem por meio do jogo entre repetição e variação. Como escreveu John Fordham, celebrando o disco anos depois, “a improvisação de Jarrett foi (...) hipnoticamente rítmica, beirando o estado de mantra. Ele não teve medo de encontrar uma ideia cativante e permanecer com ela, aumentando a intensidade em uma única noção rítmica de maneira que ainda soa urgentemente contemporânea”19.

19 https://www.theguardian.com/music/musicblog/2011/jan/31/50-great-moments-jazz-keith-jarrett

Esta história nos leva a especificar o tema da turbulência — e da mudança imprevista que ela gera — em termos de exploração do jogo, experimentação de possibilidades dentro de um campo de restrições impostas ; de criação que se revela inesperada (para quem a realiza e para quem a experimenta) mesmo acontecendo dentro de um sistema de limitações ; de um dobramento iterativo de um sistema sobre si mesmo.

Vamos então focar no tema do jogo. Greimas aborda essa problemática em um pequeno ensaio no qual argumenta como, a partir de uma situação de jogo — caracterizada, portanto, por limites e restrições — pode-se passar, através de um movimento circular, para um estado de agio20, ou seja, de alegria e liberdade. Essa dinâmica ocorre porque o sujeito da ação pode vir a ocupar, dentro da estrutura, as posições “vazias” do não-proibido e do não-prescrito21. Ao explorá-las, percebendo, aos poucos, uma ação mais livre, o sujeito transforma-se : muda não apenas o seu fazer, mas também o seu estado passional, o qual, por sua vez, retroage, redirecionando-a, sobre sua atuação. Emerge, assim, uma espiral de experimentação e intensificação potencialmente infinita22, mas que, segundo Greimas, deveria ser interrompida no momento em que o sujeito alcança um estado de agiatezza23.

Se seguirmos essa linha de raciocínio, a turbulência pode ser caracterizada como uma forma de criar (e também de se sentir livre) que não se realiza derrubando o proibido em nome de outras prescrições — abater um sistema para afirmar outro sistema —, mas sim como uma exploração iterativa daquela zona sistêmica na qual tanto o proibido quanto o prescrito são negados ou neutralizados. Trata-se, aqui, de explorar o sistema para fazer emergir sua íntima alteridade. Sobre a atuação de Jarret antes descrita, Manfred Eicher, produtor do Köln Concert, afirmou : “Provavelmente [Jarrett] tocou assim porque não era um bom piano. Pelo fato de não poder se apaixonar pelo som do instrumento, ele encontrou outra maneira de tirar, dele, o seu melhor”. O que, no fundo, seria uma outra maneira de dizer que, ao ter que encontrar um ágio nas e através das restrições impostas pelo instrumento do qual dispunha naquele momento, o músico foi obrigado a explorar e aproveitar as capacidades específicas daquele piano e daquela situação, ao ponto de criar de uma maneira diferente, excelente, inteiramente dentro daquele jogo que estava jogando. Assim definida, a turbulência mostra seus vínculos com o tema do ajustamento sensível, intercorpóreo, estudado por Landowski24, mas ainda mais profundamente evoca o limiar tênue entre o ajustamento e a adaptação.

20 NdT. Escolhemos não traduzir o termo italiano “ágio” devido a sua complexidade semântica, que ressoa nas palavras do autor e resulta pertinente para a plena compreensão do seu raciocínio. O significado do termo envolve, pois, aqui, ao menos duas acepções : a primeira, de ordem mecânica, diz respeito ao espaço livre entre duas peças de um engrenagens, deixado livre para que elas tenham um bom funcionamento conjunto (a peça não roda bem porque não tem “ágio”) ; a segunda refere-se à facilidade ou ao conforto que alguém experimenta em uma dada situação ou prática de vida (essere a próprio ágio significa, por exemplo, “estar à vontade”).


21 A.J. Greimas, “A propos du jeu”, Actes Sémiotiques-Documents, 13, 1980.


22 Em outros trabalhos, mostramos como a ideia greimasiana de jogo, quando pensada em sua abstração, pode ajudar a explicar formas de criatividade e mudança presentes no fazer ritual. No caso da dança sarda, que analisamos, a dinâmica do ritual se associa, no entanto, mais ao ritmo em espiral, vertiginoso, do que ao ritmo fractal e turbulento. Cf. F. Sedda, Tradurre la tradizione. Sardegna: su ballu, i corpi, la cultura, Milano, Mimesis, 2019, pp. 206-226 ; “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, art. cit.


23 NdT. Refere-se à condição do ágio.


24 E. Landowski, Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

Quanto vimos remete à observação, feita por Greimas em seu último ensaio dedicado ao “belo gesto” (revisado e complementado por Jacques Fontanille), sobre a necessidade de reavaliar o papel criativo da contradição : “a negação de S1 é uma abertura, emergência de novas possibilidades, invenção ou criação de outros mundos”25. No entanto, é preciso lembrar que o raciocínio de Greimas está aqui voltado para a criação de um novo estado (S2) no qual os mundos abertos pela negação “se estabilizam sob a forma de um novo universo semântico”26. Bem entendido : Greimas não ignora ou subestima o fato de que os subcontrários, justamente por serem aparentemente transitórios e difíceis de serem semanticamente investidos, se revelam como o local de uma “instabilidade que determina sua importância”27. Contudo, não explora ulteriormente o assunto.

25 “Le beau geste”, art. cit., p. 69.


26 Ibid.


27 Ibid.

Na nossa opinião, a qualidade própria da turbulência se revela indo além da concepção dos subcontrários como pura suspensão das determinações e restrições próprias da situação inicial, como um simples ponto de passagem de um mundo (S1) para outro (S2). É neste ponto que a turbulência encontra seu lugar no organon semiótico, exaltando o papel criativo da transição para os subcontrários. De fato, ela é essa instabilidade criativa que se abre graças à dupla negação do prescrito e do proibido, na permanência em uma zona de efervescência semântica facilitada pelo extensivo desdobramento do sistema em seus próprios vazios, pela exploração dessa zona de jogo que todo sistema abriga.

No entanto, a exploração pode surgir de um incidente e levar a um novo mundo, assim como uma improvisação musical radical pode surgir de uma série de casualidades que subvertem qualquer programação e, com o tempo, pode levar à criação de novos padrões ou gêneros mais ou menos definidos e sedimentados. Não se pode negar que a transição para o neutro muitas vezes se configura como uma fuga para outras isotopias, outros campos semânticos, outras categorizações : o garoto chileno que lava a bandeira dos Estados Unidos em vez de queimá-la, um dos aspectos mais relevantes do ensaio de Greimas sonre o “belo gesto”, neutraliza a oposição entre bem e mal para abrir espaço para uma reconfiguração do sentido baseada na oposição sujo vs limpo. A abertura dessa passagem representa exatamente um movimento de natureza turbulenta. No entanto, a turbulência não pode ser reduzida a um simples instrumento, nem tampouco à sua causa ou resultado : ela deve ser percebida na efervescência criativa que surge quando a exploração do jogo revela um campo de indeterminação que já estava presente e, ao mesmo tempo, repleto de potencialidades. Do mesmo modo como Jarrett que improvisa dentro de um sistema mais limitado do que o habitual ou Maradona que marca o gol mais bonito da história (o segundo gol contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986), repetindo um “simples” drible em uma situação na qual todos se aproximam dele28. Quanto mais a criação escava nesse paradoxo, tornando visível (e significativo) o que está fora do sistema, mais emergem as potencialidades transformadoras próprias do sistema, tornando a criação e o próprio processo de mudança mais turbulentos.

28 F. Sedda, “Maradona e l’esplosione”, art. cit.

4. A turbulência entre vazios e dobras

Para concluir esta reflexão em formato de espiral, parecida com o conceito-fenômeno que estamos procurando investigar, iremos nos deter agora em uma obra que tematiza explicitamente o problema do vazio interno ao sistema : o conto Un drame bien parisien de Alphonse Allais, analisada por Eco em Lector in fabula29, que abordaremos aqui sob a ótica da turbulência.

29 U. Eco, Lector in fabula, Milano, Bompiani, 1975.

Contudo, antes de começarmos, é preciso voltar à tipologia das regras inerentes à lógica das restrições semânticas assim como desenvolvida inicialmente por Greimas em colaboração com Rastier30. No trabalho seminal de Greimas, as relações permitidas e proibidas dentro de um certo sistema, ou de uma certa forma de vida, são confrontadas como injunções opostas e explícitas, sistematicamente inconjugáveis, semanticamente incompatíveis e, por isso, potencialmente explosivas. Pense-se na aplicação dessa tipologia ao sistema de relações sexuais na “sociedade tradicional francesa” : as relações conjugais entre marido e esposa, prescritas, se opõem às relações incestuosas e homossexuais, proibidas. É claro que a sua conjunção é esteticamente (além de juridicamente) explosiva. Não é difícil imaginar, nesse contexto, a reserva de informatividade, mas também de esteticidade, suscetível de se desenvolver, por exemplo, em torno do conflito trágico entre os “deveres” da vida conjugal e a homossexualidade “proibida” de um dos protagonistas do casal.

O espaço da criatividade turbulenta se abre no espaço do implícito, onde se realiza o enredo entre comportamentos nem proibidos nem permitidos, como o adultério masculino e feminino na sociedade tradicional francesa.

Essa capacidade de explorar os vazios a partir dos automatismos e dos estereótipos sociais mais consumados é representada por Alphonse Allais em Un drame bien Parisien (1890), cujo tema é justamente o adultério. Embora seja, como aponta o próprio título da obra, “muito parisiense”, remetendo, portanto, a uma ideologia democrática-burguesa e não a uma visão de mundo abertamente tradicionalista, essa narrativa possui dois componentes importantes para o nosso discurso : por um lado, utiliza intencionalmente os vazios e, por outro, é um dispositivo narrativo que opera em um nível “meta”. Esse duplo mecanismo, na análise de Eco, se concentra na capacidade de captar o papel do “capítulo vazio” que Allais coloca no centro de sua narrativa.

30 A.J. Greimas e F. Rastier, “The Interaction of semiotic constraints”, Yale French Studies, 41, 1968.

O conto de Allais começa reiterando um imaginário consolidado, uma narrativa padrão e, com ela, expectativas de consumo altamente codificadas : “O texto projeta seu leitor ingênuo como um típico consumidor de histórias de adultério burguês do final do século, educado na comédia de boulevard e nas piadas da Vie parisienne31. No entanto, o que a história faz no nível das estruturas discursivas difere do que ocorre no nível das estruturas narrativas e daquele no qual se situam, segundo a terminologia utilizada por Eco naquela época, as “estruturas de mundos”32. Ao ativar mais ou menos abertamente formas de ambivalência, ambiguidade, confusão, incoerência e contradição, o conto leva o leitor a “escrever” alguns verdadeiros capítulos fantasmas : ele o instiga a brincar com e nos vazios que ele próprio dissemina por aí.

31 Lector in fabula, op. cit., p. 197.


32 Ibid., p. 200.

Esses vazios na história não se referem apenas à ativação de um implícito enciclopédico, ao conjunto de preconceitos culturais e expectativas incessantes do leitor, mas sim a uma série de possibilidades criativas que se abrem nas interligações estruturais que o texto guarda em si mesmo : o Leitor Modelo, diz Eco, é convidado a “extrapolar”, a aproveitar os vazios até assumir uma liberdade excessiva que Drame se encarregará de punir. Drame, portanto, começa como um jogo repetitivo, uma exploração rasa de uma regra já conhecida, e continua instigando o leitor a ocupar criativamente os vazios que ele mesmo deixa, revelando, às custas de seu Leitor Modelo, a sua complexidade interna, o seu meta-jogo : não é à toa que Eco defende que Drame é “um jogo dentro do jogo” no qual, no entanto, os dois jogos não são igualmente acessíveis e aparentam não dialogar entre si33.

33 Ibid., p. 206.

Quando finalmente o inesperado se manifesta — “Ele não era Raoul. Ela não era Marguerite” — e revela os limites que o próprio conto impõe ao jogo que havia sugerido, surge a necessidade de um recuo, de uma “segunda leitura”, que venha a ocupar de forma diferente os mesmos vazios que o conto contém e nos quais viveu.

Se a turbulência da primeira leitura era uma extrapolação habitual, um preenchimento ingênuo do vazio dos segmentos narrativos que o texto insinua, mas não valida, a segunda leitura, por sua vez, cria turbulência ao fazer da reflexão sobre o vazio o local para compreender a capacidade das máquinas narrativas de esconder suas próprias contradições, oferecendo, em troca, uma liberdade aparente.

Nessa perspectiva, o conto em si não aparece como uma forma de abdução criativa : na verdade, ele não inventa uma nova regra (Drame não inventa, por exemplo, o recurso do plot twist, embora o utilize de forma engenhosa). Entretanto, ao negar uma regularidade esperada, Allais mostra os limites das regras da criação literária, visa fazer perceber as artimanhas de uma regularidade, de uma praxe sedimentada muito confortável e consumida. Se quisermos identificar uma nova regra textual-cultural no final do percurso traçado pela obra, esta corresponderia a um costume muito específico : praticar constantemente uma suspensão da regra da suspensão da incredulidade. A mudança operada corresponderia então, neste caso, a uma neutralização de uma neutralização, a uma negação de uma negação, que nos colocaria diante de uma meta-turbulência, deixando borbulhar as possibilidades de emergência do novo, de um além imaginável e potencialmente concretizável.

Assim concebido, Drame representa magnificamente o ponto em que o vazio e a dobra se tornam instrumentos para compreender as suas respectivas funções. É um lugar onde uma turbulência se abre sobre outra turbulência, que ela contém ou dentro da qual ela é contida. Seguindo a leitura de Mandelbrot fornecida por Deleuze poderíamos falar de uma “inflexão” do sistema :

Uma turbulência nunca surge por si só, e sua espiral obedece a um módulo de constituição fractal pelo qual novas turbulências se interpõem sempre entre as primeiras. A turbulência alimenta-se de turbulências e, ao se desfazer de qualquer contorno, se transforma em espuma ou crista. É a própria inflexão que se torna um vórtice no exato momento em que sua variação se abre para a flutuação, torna-se, ela mesma, flutuação.34

34 G. Deleuze, Le pli. Leibniz et le Baroque, Paris, Minuit, 1988 ; trad. it. La piega. Leibniz e il Barocco, Torino, Einaudi, 2004, p. 28. (NdT : tradução nossa para o português).

A efervescência que vimos anteriormente assume aqui os contornos de uma abertura do sistema para sua multiplicidade inesperada e implícita, ou seja, literalmente, para suas muitas dobras35. Estas dobras potencialmente infinitas e infinitesimais estão na ordem do contínuo. Elas não representam uma fragmentação do sistema, uma saída clara e pontual dele. Pelo contrário, são um movimento interno do próprio sistema, como aquelas flutuações entre o explícito e o implícito, entre as primeiras e as segundas leituras que Un drame bien parisien provoca a cada vez.

A dialética entre vazio e dobra, portanto, acaba dando vida a um quiasma : os vazios causam um recuo do sistema sobre si mesmo, enquanto as dobras escavam vazios que abrem o sistema de dentro para fora.

Conclusão. As turbulências e suas consequências

Ao chegarmos às conclusões, esperamos que nosso jogo em torno do conceito de turbulência tenha demonstrado tanto sua relevância teórica quanto sua significância em relação a um pensamento sobre a mudança que não se limite à sua forma mais evidente, ou seja, a de uma transição, de um salto, de um estado de coisas para o seu oposto ou algo radicalmente diferente.

No entanto, estamos certos de que também cavamos, neste ensaio, ulteriores vazios a serem futuramente explorados. Ficam algumas perguntas : a transição da explosão positiva para a negativa, a passagem do espaço dos contrários para o espaço dos subcontrários é comparável a um colapso do sistema ? Não estaríamos, nesse caso, diante de uma implosão ? Como definir os espaços complexos nos quais o proibido e o prescrito coexistem ? Não seria esse também o espaço de uma provável turbulência ? E o que dizer do momento em que um discurso encena um traço marcado ao lado de sua própria negação ? Não seria a contradição uma dobra por excelência ? Deixemos para outras ocasiões a necessária exploração desses vazios. O que nos interessa enfrentar, agora, à guisa de conclusão, são as possíveis consequências da ideia de turbulência até agora delineada.

A primeira está relacionada à imagem do caos do qual surgem a criação e a transformação turbulentas. Se muitas vezes ele parece ser um lugar sem forma, mas cheio de virtualidades, como um evento impensado ou inaudito que provoca uma tensão criativa muito forte, aqui o caos se revela de maneira mais prosaica como um enxame de restrições inescrutáveis ou inesperadas que forçam soluções que, embora formalmente corretas, resultam em novidades. Da mesma forma que acontece com qualquer sujeito que é chamado a tomar uma qualquer decisão (a começar pelos funcionários públicos de uma prefeitura, por exemplo que, diante do caos burocrático-legislativo, precisa inventar soluções viáveis e adequadas).

35 Ibid., pp. 5-23

A segunda está relacionada à imagem do universo semântico (de qualquer universo semântico) : mesmo sem sair de si mesmo, ele aparece, na ótica da turbulência, formado por muitos sistemas. A questão tem uma profunda conexão com a teoria da tradução : resumidamente, fortalece a ideia de que as paráfrases, dobramentos de uma língua sobre si mesma, sejam traduções propriamente ditas. E ainda mais precisamente, que as traduções intrassemióticas não sejam nada além dos princípios de exploração desse campo de traduções interdiscursivas que Paolo Fabbri constantemente nos convidou a considerar como fundamental e constitutivo de toda cultura36.

36 Cf. F. Sedda, “Traduzioni invisibili. Concatenamenti, correlazioni e ontologie semiotiche”, Versus, 126, 1, 2018.

A terceira está ligada à processualidade iterativa própria da turbulência. Vimos como isso se revela tanto na encenação da tensão entre a criação e aquilo que a originou, quanto na execução de uma variação (a de um pianista em torno de um acorde, de um artista em torno de um rosto, uma paisagem, uma cor etc.) que torna perceptível o próprio mecanismo da criação interna ao sistema. De forma mais ou menos explícita, a iteratividade abre assim para uma reflexão geral sobre os próprios mecanismos da criação.

A quarta consideração nos leva a enfatizar a diferença estrutural entre a fratura e a turbulência: enquanto a fratura remete à ideia do novo, da mudança que surge pela destruição do antigo, pelo embate que gera substituição de um mundo por outro, a turbulência lida com todas as formas de mudança, todos os fenômenos criativos, cuja possibilidade está fora do sistema, de suas “regularidades” — do que se espera que “normalmente” aconteça — embora estejam absolutamente dentro do que pode ser feito “de acordo com as regras” estabelecidas pelo próprio sistema.

A quinta consideração trata das interligações processuais entre a fratura e a turbulência. A neutralização das oposições iniciais, isto é, a transição para os subcontrários, pode emergir de uma fratura e se delinear como uma linha de fuga rumo a um novo sistema. Nesse sentido, mais do que uma chegada a uma posição S2, conforme indicado por Greimas, parece-nos que estamos diante da insurgência de um processo de constituição de uma nova forma de vida que se dá pela transição rumo a uma categorização inesperada que (re)estrutura todo o universo semântico37. Dito isso, acreditamos ter mostrado que a turbulência pode e deve ser apreendida além dessa dimensão instrumental : trata-se, portanto, de reconhecer a transição para os subcontrários como uma possibilidade existencial, um recuo e um desdobramento do sistema sobre seus vazios, um recuo que configura, ao mesmo tempo, uma oportunidade de esvaziamento. A cifra da turbulência, assim como a delineamos, reside, portanto, na instabilidade, na flutuação, na efervescência que está inerente à exploração iterativa do jogo, do espaço de liberdade contido no sistema, mas que ainda assim precisa ser constantemente descoberto.

37 Pense-se, a este propósito, na mudança que ocorre quando não alteramos radicalmente a categoria semântica (por exemplo, de “bem vs mal” para “limpo vs sujo”), mas deslocamos um dos termos categoriais, dobrando o espaço da uma dada categoria: como quando mudamos de “humano vs animal” para “humano vs alienígena” ou “humano vs divino”, e assim por diante.

Por fim, gostaríamos de observar uma dinâmica semiótico-cultural relevante. Oliver Sacks nos fez descobrir as maneiras incríveis como as pessoas respondem a um trauma reconfigurando seu sistema cognitivo-experiencial, experimentando potencialidades inativas e impensadas38. Ora, parece que a cultura age e se comporta de modo parecido : quando as limitações — as restrições a partir das quais redefinir criativamente seu próprio sistema — não vêm de fora, o ser humano se traumatiza voluntariamente. Lotman observou isso dessa forma : o ser humano complica as regras através das quais faz coisas que poderiam ser feitas de forma mais simples, “mais livremente”39. Da métrica poética aos caracteres limitados do Twitter, dos movimentos codificados de uma dança aos sofisticados rituais que acompanham o amor : tudo isso não se refere apenas a uma espécie de busca metafísica de ordens diversas, à necessidade de regular um espaço, uma prática, uma interação, quem sabe para promover a constituição e a sustentabilidade do universo social. O que está em jogo aqui é algo maior do que um dispositivo de desafio autoimposto : ser criativo apesar das regras que nos limitam, ser criativo a partir de regras escolhidas, até o ponto de poder ir além das regras permanecendo dentro delas, mas também abrindo sutilmente o caminho para uma mudança que um dia será percebida como radicalmente nova (pense-se, a título de exemplo, na proliferação de novas funções ou aplicativos a partir das inovações comunicativas implementadas para extrair o máximo das linguagens que manipulamos).

Entre jogar um jogo e jogar o jogo, entre o estrito cumprimento das regras e a imersão criativa em suas dobras, há, portanto, um abismo. Porque a mudança, o novo, a criação, não acontecem apenas negando abertamente um sistema, mas também explorando seus vazios até torcer, retecer e desdobrar seu conjunto. Como no filme Interstellar, mergulhar no buraco negro leva a outro lugar que já estava dentro do universo que está sendo recriado.

38 O. Sacks, The Mind’s Eye, New York, Alfred A. Knopf, 2010.


39 J.M. Lotman, Struktura judozhestvennogo teksta, Moskva, 1970; trad. it. La struttura del testo poetico, a cura di Eridano Bazzarelli, Milano, Mursia, 1972, p. 35.


Referências

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* Uma primeira versão do texto foi publicada, em italiano, na revista Versus. Cf. F. Sedda. “Logiche della turbolenza”, Versus. Quaderni di studi Semiotici. A que apresentamos aqui é uma versão atualizada, reescrita e revisada pelo autor. A tradução é de Paolo Demuru.

1 Em particular quando divulga seus conceitos fundamentais para um público de não-especialistas. Veja-se, a este propósito, o trabalho de M.P. Pozzato, Capire la semiotica, Roma, Carocci, 2012.

2 A.J. Greimas, De l’imperfection, Périgueux, Fanlac, 1987. J.M. Lotman, Kul’tura i Vzryv, Moskva, Gnosis, 1992 ; trad. it. La cultura e l’esplosione, Milano, Feltrinelli, 1993.

3 F. Sedda, “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, Acta Semiotica, II, 3, 2022 ; “Semiótica de lo imprevisible. Entre cuerpo y cultura”, in I. Merkoulova, M. Martín, F. Sedda (eds.) con la colaboración de P. Arán e J. Lozano (in memoriam), Semiótica de la cultura : de Yuri Lotman al futuro, De Signis, 2022.

4 Por uma análise dos processos semióticos de mudança a partir dos conceitos de “explosão” e “acidente”, cf. P. Demuru, “Entre acidentes e explosões : indeterminação e estesia no devir da história”, Bakhtiniana, 15, 1, 2019.

5 P. Fabbri, “Turbolenze. Determinazione e impredicibilità”, in T. Migliore (a cura di), Incidenti ed esplosioni. A.J. Greimas, J.M. Lotman : Per una semiotica della cultura, Roma, Aracne, 2010.

6 De modo geral, nosso ensaio deseja experimentar uma arte da “transação regulada” de conceitos oriundos de outras áreas do saber, ou mesmo daqueles que encontramos às margens do campo semiótico, para testar sua utilidade, pertinência e eficácia em relação a uma teoria geral da significação com uma “vocação meta-científica”. Cf. P. Fabbri, Le comunicazioni di massa in Italia: sguardo semiotico e malocchio della sociologia (1973), a cura di G. Marrone, Roma, Sossella, 2017.

7 Em outras ocasiões situamos a turbulência dentro de uma matriz mais geral das formas de imprevisibilidade captadas em seu aspecto rítmico : a turbulência, originada do encontro entre não-continuidade e não-descontinuidade, foi associada, por nós, a um ritmo fractal. Cf. F. Sedda, “Maradona e l’esplosione. Dalla Mano di Dio al Poema di Gol”, in P. Cervelli, L. Romei, F. Sedda (a cura di), Mitologie dello Sport. 40 saggi brevi, Roma, Nuova Cultura ; “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, op. cit.

8 P. Fabbri, La svolta semiotica, Roma-Bari, Laterza, 1998.

9 A.J. Greimas e J. Fontanille, “Le beau geste”, RSSI, 13, 1-2, 1993.

10 A.J. Greimas, Da imperfeição, op. cit., p. 55.

11 J.M. Lotman, A cultura e a explosão, op. cit., p. 33.

12 A. Blok, “The Artist”, Selected Poems, Manchester, Carcanet, 2000, p. 87.

13 A tradução em italiano do poema de Blok, analisada por Paolo Fabbri em seu ensaio, pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico : https://www.paolofabbri.it/saggi/turbolenze/.

14 P. Fabbri, “Turbolenze”, op. cit.

15 I. Prigogine, La fin des certitudes. Temps, chaos et les lois de la nature, Paris, Odile Jacob,1996.

16 G. Steiner, Grammars of Creation, London, Faber & Faber, 2003.

17 G. Marrone, La cura Ludovico, Torino, Einaudi, 2005.

18 J.M. Lotman, “Mozg – tekst – kul’tura – iskustvennyi intellekt”, Semiotika i informatika, 17, Moskva, 1981 ; trad. it. “Il cervello, il testo, la cultura, l’intelletto artificiale”, Intersezioni, 1, 1982.

19 https://www.theguardian.com/music/musicblog/2011/jan/31/50-great-moments-jazz-keith-jarrett

20 NdT. Escolhemos não traduzir o termo italiano “ágio” devido a sua complexidade semântica, que ressoa nas palavras do autor e resulta pertinente para a plena compreensão do seu raciocínio. O significado do termo envolve, pois, aqui, ao menos duas acepções : a primeira, de ordem mecânica, diz respeito ao espaço livre entre duas peças de um engrenagens, deixado livre para que elas tenham um bom funcionamento conjunto (a peça não roda bem porque não tem “ágio”) ; a segunda refere-se à facilidade ou ao conforto que alguém experimenta em uma dada situação ou prática de vida (essere a próprio ágio significa, por exemplo, “estar à vontade”).

21 A.J. Greimas, “A propos du jeu”, Actes Sémiotiques-Documents, 13, 1980.

22 Em outros trabalhos, mostramos como a ideia greimasiana de jogo, quando pensada em sua abstração, pode ajudar a explicar formas de criatividade e mudança presentes no fazer ritual. No caso da dança sarda, que analisamos, a dinâmica do ritual se associa, no entanto, mais ao ritmo em espiral, vertiginoso, do que ao ritmo fractal e turbulento. Cf. F. Sedda, Tradurre la tradizione. Sardegna: su ballu, i corpi, la cultura, Milano, Mimesis, 2019, pp. 206-226 ; “Forme e ritmi dell’imprevedibile”, art. cit.

23 NdT. Refere-se à condição do ágio.

24 E. Landowski, Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

25 “Le beau geste”, art. cit., p. 69.

26 Ibid.

27 Ibid.

28 F. Sedda, “Maradona e l’esplosione”, art. cit.

29 U. Eco, Lector in fabula, Milano, Bompiani, 1975,

30 A.J. Greimas e F. Rastier, “The Interaction of semiotic constraints”, Yale French Studies, 41, 1968.

31 Lector in fabula, op. cit., p. 197.

32 Ibid., p. 200.

33 Ibid., p. 206.

34 G. Deleuze, Le pli. Leibniz et le Baroque, Paris, Minuit, 1988 ; trad. it. La piega. Leibniz e il Barocco, Torino, Einaudi, 2004, p. 28. (NdT : tradução nossa para o português).

35 Ibid., pp. 5-23

36 Cf. F. Sedda, “Traduzioni invisibili. Concatenamenti, correlazioni e ontologie semiotiche”, Versus, 126, 1, 2018.

37 Pense-se, a este propósito, na mudança que ocorre quando não alteramos radicalmente a categoria semântica (por exemplo, de “bem vs mal” para “limpo vs sujo”), mas deslocamos um dos termos categoriais, dobrando o espaço da uma dada categoria: como quando mudamos de “humano vs animal” para “humano vs alienígena” ou “humano vs divino”, e assim por diante.

38 O. Sacks, The Mind’s Eye, New York, Alfred A. Knopf, 2010.

39 J.M. Lotman, Struktura judozhestvennogo teksta, Moskva, 1970; trad. it. La struttura del testo poetico, a cura di Eridano Bazzarelli, Milano, Mursia, 1972, p. 35.

 

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Résumé : Quelle place le concept de turbulence peut-il occuper dans une théorie structurale de la signification ? A quelles formes de création ce concept renvoie-t-il ? Quelles sont, du point de vue d’une théorie de la culture, les implications des formes particulières de dynamisme qu’il recouvre ? A partir d’une suggestion de Paolo Fabbri, l’article répond à ces questions moyennant l’analyse de créations musicales et littéraires. Distincte de la fracture-explosion, la turbulence apparaît comme l’exploration de possibilités internes mais inattendues d’un système de contraintes sémantiques. Avec ses logiques et ses contradictions, elle nous oblige à nous concentrer sur le rôle et la valeur des subcontraires du carré de Greimas et sur les idées sémiotiques de jeu, de vide, de réflexivité inhérentes à tout système sémantique.


Resumo : Qual é o lugar que o conceito de turbulência pode ocupar dentro de uma teoria estrutural da significação? Quais são as formas de criação às quais o conceito de turbulência se refere? Quais são as implicações das formas peculiares de dinamismo da turbulência para a culturologia? O ensaio, retomando uma solicitação de Paolo Fabbri, responde a essas perguntas por meio da análise de casos tirados do campo da arte. A turbulência, distinguindo-se da fratura-explosão, revela-se como uma exploração das possibilidades internas e ainda inesperadas de um sistema de restrições semânticas. A turbulência, com suas lógicas e paradoxos, nos força a focar no papel e no valor das subcontrariedades do quadrado Greimasiano e nas ideias semióticas de jogo, vazio, reflexividade inerentes a todo sistema semântico.


Abstract : What is the place that the concept of turbulence can occupy within a structural theory of signification? What are the forms of creation to which the concept of turbulence refers? What are the implications of the peculiar forms of dynamism of turbulence for culturology? The essay, taking up a solicitation from Paolo Fabbri, answers these questions through the analysis of cases taken from the field of art. Turbulence, distinguishing itself from the fracture-explosion, reveals itself as an exploration of the internal and yet unexpected possibilities of a system of semantic constraints. Turbulence, with its logics and paradoxes, forces us to focus on the role and value of the subcontraries of the Greimasian square and on the semiotic ideas of play, void, reflexivity inherent in every semantic system.


Riassunto : Quale ruolo può occupare il concetto di turbolenza all’interno di una teoria strutturale del significato ? Quali sono le forme di creazione a cui il concetto di turbolenza si riferisce ? Quali sono le implicazioni delle peculiari forme di dinamismo della turbolenza per la culturologia ? Rispondendo a una richiesta di Paolo Fabbri, il presente articolo affronta queste domande attraverso l’analisi di casi tratti dal campo dell’arte. La turbolenza, differenziandosi dalla frattura-esplosione, si rivela come un’esplorazione delle possibilità interne e ancora inaspettate di un sistema di restrizioni semantiche. La turbolenza, con le sue logiche e i suoi paradossi, ci costringe a concentrarci sul ruolo e sul valore dei subcontrari del quadrato greimasiano e sulle idee semiotiche di gioco, vuoto, riflessività intrinseche a ogni sistema semantico.


Mots clefs : création, dynamisme, jeu, structuralisme, système sémantique.


Auteurs cités : Gilles Deleuze, Umberto Eco, Paolo Fabbri, Algirdas J. Greimas, Juri M. Lotman, Ilya Prigogine, Oliver Sacks, George Steiner.


Plan :

Introdução

1. Turbulência e mudança : questões preliminares

2. A turbulência como explosão negativa : flutuações e dissipações

3. A turbulência como jogo, exploração, efervescência

4. A turbulência entre vazios e dobras

Conclusão. As turbulências e suas consequências

 

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Recebido em 01/10/2023. / Aceito em 11/11/2023.