Dossier — Aspects sémiotiques du changement

Mulheres indígenas,
agentes de mudança

Kati Caetano
Universidade Tuiuti do Paraná

 

Publié en ligne le 23 décembre 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n6.64713
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Introdução

Abordar o tema da mudança em uma perspectiva semiótica implica, entre outras possibilidades, considerar dinâmicas de alterações sistêmicas no interior da própria episteme, do que derivam reflexões autorreferenciais, ou mobilizar algumas de suas categorias analíticas para tentar compreender movimentos de ruptura ou modificações em distintas instâncias das formas de vida. Em ambos os casos, mudanças estão sempre ocorrendo, pela propulsão de avanços de ideias e propostas, ou pela gestão da vida e da sociedade em múltiplos aspectos.

Como exemplo da abordagem autorreferencial, dois domínios vêm se impondo ao pensamento semiótico, primeiro, pela injunção de mudanças tecnológicas e transformações consideráveis das relações comunicativas, segundo, por uma conscientização do estreito vínculo entre as formas de sentido e as formas de presença no mundo, condicionadas estas por processos históricos de exclusão, exploração e violência contra grupos sociais chamados de minoritários, mas que compõem a grande parcela da sociedade. Sobre a primeira, estudos de grandes produções discursivas, de armazenamento e geração em bases de dados, de interações homem-máquina e robôs-escritores na inteligência artificial revelam-se em significativas parcelas das pesquisas acadêmicas e produção intelectual; em relação ao segundo, uma disposição que tem seu lastro em estudos anteriores, normalmente vinculadores de investigações sobre discurso, história, ideologia e condições sociais (comuns nas décadas de 70 / 80 no Brasil), avoluma-se agora consolidando novas reflexões abarcadas pela designação de semiótica implicada1 ou engajada2. As análises abrangem situações como semiótica e política, para alguns compreendidas no âmbito do exercício do poder, para outros como semiótica, estética e política, voltada a clarificar os movimentos dissensuais e resistentes que se confrontam de forma individual ou coletiva a esse poder, em ambos os casos destrinchando percursos narrativos, estratégias discursivas e enunciativas, constituintes espaço-temporais e variantes aspectuais, tensivas, efeitos passionais, emotivos e manifestações sensíveis. A ideia de ação política, neste caso, não é a de um ativismo de massa. Deriva antes de dois tipos de lógicas coexistentes no seio das organizações sociais : a lógica policial, que é hierárquica, exclusiva e consensual e a lógica política que é igualitária, comum e dissensual3. Tais lógicas encontram seu lócus de manifestação também no corpo, tendo em vista que integram uma cartografia de distribuição sensível dos corpos e de suas interações, na dimensão intelectiva e afetiva (estética)4. Nesse sentido, o corpo configura-se como um sujeito-actante, é uma “assemblage heterogênea de discursos, gestos, rotinas, afetos, formas de racionalidade, e espacializações que experienciam em seu movimento e formas de percepção, mas também pode re-experienciar-se criando disjunções e novos arranjos naquelas assemblages”5. Na experienciação de si mesmo, o corpo participa de um fluxo, no qual se instala como elemento de inscrição do movimento social, ao mesmo tempo que se coloca como superfície de inscrição de danos ou de afirmações positivas. Entendemos, assim, que qualquer projeto de mudança é antecipada, e envolvida, por falas, ações, gestos e disposições corporais suscetíveis de romper com certa divisão de competências e direitos instituídas consensualmente6. Os corpos podem, ainda, se des-identificarem com respeito às funções e capacidades a eles atribuídas, como ressalta Quintana7.

1 M.N. Schwartzmann e L.H. da Silva, “Romper, desviar, desafiar : reflexões por uma semiótica implicada”, Estudos Semióticos, 18, 3, 2022.


2 A.C. de Oliveira, “Nos caminhos da (sócio) semiótica, a ação política e engajada”, in id. (org.), Por uma Semiótica engajada, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2022.


3 T. May e L. Quintana, “The Politics of Bodies : Philosophical Emancipation with and beyond Ranciére”, Revista de Estudios Sociales (http://journals.openedition.org/revestudsoc/51686).


4 J. Rancière, A partilha do sensível : estética e política, São Paulo, Editora 34, 2009.


5 L. Quintana, Política de los cuerpos : emancipaciones desde y más allá de Jacques Rancière, Barcelona, Herder, 2020.


6 L. Quintana, “Jacques Rancière and the emancipation of bodies”, Philosophy & Social Criticism, 45, 2, 2019.


7 L. Quintana, Política de los cuerpos, op. cit.

1. Movimento de indígenas mulheres

Nossa abordagem segue essa perspectiva, sendo no seu quadro de reflexão que buscaremos circunscrever aspectos semióticos envolvidos no conceito de mudança. Especificamente, analisamos o que os estudos históricos vêm designando como o Movimento Indígena Brasileiro, que, embora não sendo novo, recrudesce sob impulso, inclusive, de mudanças interacionais e de visibilidade outorgadas pela cultura digital.

Bicalho considera que cinco acontecimentos marcaram o Movimento Indígena no Brasil8. São as “Assembleias Indígenas9 ; o Decreto de Emancipação de 1978 ; a Constituição de 1988 ; as Comemorações dos 500 anos do Brasil e o Abril Indígena / Acampamento Terra Livre”, já no século XXI. Fatos que foram estruturados entre conjunções e disjunções relativas a procedimentos e leis, além de divergência no interior dos próprios grupos indígenas, como a polêmica decisão sobre a importância ou não da emancipação do indígena, tão equivocada no teor dos debates quanto hoje algumas interpretações do Marco Temporal. Sem desconsiderar a importância de investidas contra o exercício do poder10 e a demonstração de autoridade de várias sucessões do governo brasileiro11, ressaltando, sobretudo, o papel de atores indígenas de grande liderança como Mário Juruna (Xavante), Marçal de Souza (Guarani) e Raoni Metuktire (etnia Caiapó), além da resistência de grupos como Canoeiro, da Bacia do rio Tocantins e as aldeias Karajá e Javaé, destacados por seu processo de resiliência (Grupo de Araguaia), nosso foco volta-se para os modos como esse movimento vem sendo conduzido no presente contexto por forte protagonismo de indígenas mulheres.

2. Transformações cotidianas

Distinguimos de partida dois regimes para a discussão das iniciativas femininas : o das ações e o da mudança, entendendo que nosso raciocínio está mais centrado no complexo de ações levadas a cabo na situação atual da condição indígena com o intuito de conseguir mudanças futuras. O regime de ações consiste em programas de fazer que visam a transformações de estados passíveis de serem empreendidos por actantes individuais ou coletivos. Tais programas manifestam uma pluralidade de ações encadeadas, nem sempre compatíveis umas com as outras, mas capazes, em seu conjunto, de expressar uma vontade comum de fazer com vistas a alteração nas formas de vida. Consistem em microatos que podem vir a se constituírem significativos em determinado processo histórico e converterem-se, por razões distintas ou mediante gestos simbólicos, em acontecimentos de caráter mais amplo. Os regimes de ação implementam-se a partir de bricolagens, invenções, inovações, transposições, dentro de uma extensão contínua de tempo, em que práticas do passado convivem com criações do presente vislumbrando futuros possíveis, ou seja, são constitutivos dos cursos de vida. O problema consiste em saber como, em que momentos, por meio de que encadeamentos combinatórios, poderiam intervir sobre um regime de mudança.

8 P. Bicalho, “Resistir era preciso : O Decreto de Emancipação de 1978, os povos indígenas e a sociedade civil no Brasil”, Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 20, n. 40.


9 O primeiro Congresso Indigenista Americano (Convenção de Patzcuaro) aconteceu no México com o objetivo de criar e discutir políticas que pudessem zelar pelos índios na América (https://www.politize.com.br/movimento-indigena/#:~:text=Hist%C3%B3ria%20do%20movimento%20ind%C3%ADgena&text=O%20marco%20do%20movimento%20ind%C3%ADgena,zelar%20pelos%20%C3%ADndios%20na%20Am%C3%A9rica).


10 L. Altoé, “Resistência Indígena na História do Brasil”, MultiRio, 7 abr. 2021 (https://www.multirio.rj.gov.br/index.php/reportagens/17165-resist%C3%AAncia-ind%C3%ADgena-na-hist%C3%B3ria-do-brasil).


11 V. Apresentação por Starling do site Brasil Doc. arquivo digital construído pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) “com o objetivo de tornar disponível, em transparência ativa, fontes históricas de natureza diversa abrigadas na instituição”. O Site está vinculado ao Projeto República : núcleo de pesquisa, documentação e memória, coordenado por Starling, e composto de 6 seções, sendo a 5ª sobre a Ditadura Militar e populações indígenas (https://www.ufmg.br/brasildoc/).

Greimas identifica duas dimensões da história, uma fundamental, “sobre a qual acham-se situadas as estruturas históricas profundas” e outra de superfície, que seria essa dos acontecimentos, entre as quais uma dimensão intermediária se inscreveria como sendo a dos fatos como séries de eventos “integráveis no discurso histórico”12. Adaptando essa perspectiva de duas dimensões ao tema de nossa reflexão, podemos inferir que passar da multiplicidade de ações cotidianas a mudanças, consideradas relevantes do ponto de vista histórico, implica compreender que estamos atuando em dimensões diferentes, uma mais fundamental e outra de superfície. Focalizamos prioritariamente a história fundamental, sem desconsiderar a importância que os registros levados em conta na história brasileira em distintos documentos e textos (de viajantes, missionários, textos didáticos, relatórios de políticas públicas e de exercício do poder, de leis) compõem um pano de fundo essencial para expressar alterações entre a situação vivida pelos indígenas até então e a situação atual, sobretudo pelos modos como se dão a ver e a reconhecer nos dias de hoje.

12 Semiótica e ciências sociais, São Paulo, Cultrix, 1976, pp. 146-147.

Não é possível, no entanto, afirmar a reconfiguração da condição inicial, quando assistimos à morte de indígenas Yanomamis por ação direta e indireta de garimpeiros, à violência e morte provocadas por estes e grandes proprietários de terras a mulheres e crianças da região Amazônica, à matança e o incêndio de casas de oração em Mato Grosso do Sul, além de crueldades outras que motivam um número assustador de suicídios de jovens indígenas ; à invasão e falta de demarcação de terras que originam disputas violentas entre indígenas, posseiros, empresas e não-indígenas na região sul ; e mais recentemente à falácia da interpretação equivocada de políticos sobre o teor semântico do Marco Temporal registrado na Constituição de 1988, justificando a exclusão de um grande contingente de povos originários do direito de demarcação de terras. Observam-se, no entanto, marcas dos passos que afetam “os arranjos vitais” da ocupação dos corpos, “que assim abrem caminhos para a emancipação política”13. Abordamos os regimes de ações dissidentes como pequenas desestabilizações de programas hegemônicos, que vão se multiplicando em reprogramações compatíveis de maior alcance no sentido de uma reafirmação e legitimação de mudanças operadas, a tal ponto que deixam de ser ações desestabilizadoras para se incluírem como próprias de certas formas de vida. Considera-se, assim, a situação anterior como aquela aspectualmente já definida por sua terminalidade e apreendida em retrospectiva, ainda que mantendo traços presentes na nova configuração em geral vistos como pertencentes à tradição. Apenas nesse intervalo entre o tradicional e o vigente é que se torna possível concretizar a ideia de passagem, figurativizada ou simbolizada por fatos / autores concretos convertidos nos acontecimentos a serem abordados na perspectiva de uma história acontecimental.

13 “The Politics of Bodies”, art. cit.

Ainda na esteira de Greimas, duas ressalvas devem ser feitas. A primeira é de ter clareza de que os referentes dos registros históricos não são fatos14, mas discursos construídos e reconhecidos oficialmente, o que lhe dá efeito de sentido de verdade, de institucionalidade, motivo pelo qual vêm sendo replicados ao longo de séculos a despeito de muitas objeções críticas. É o caso, por exemplo, de muitos discursos de manuais didáticos que ainda ressoam um imaginário anacrônico do “índio”15. A segunda é a de que um actante coletivo não deve ser visto como um aglomerado de sujeitos realizando o mesmo tipo de ação16. Suas integrações em certos percursos narrativos são circunscritas ao modo como estão vivendo atualmente, em isolamento, em aldeias, nas periferias das cidades, em trabalhos domésticos ou rurais. Os objetos de seus fazeres distribuem-se em produtos e serviços, saberes, assimilações, produção de discursos contestadores ou subordinações. Podem, assim, ser compatíveis ou incompatíveis com a mudança da situação indígena, mas há um contingente importante de sujeitos em âmbito nacional participando de programas de conquista dos seus direitos, sendo “nessas zonas de compatibilidades estruturais que parece situar-se a liberdade histórica dos homens, é aí que se manifestam as escolhas originais da história”17.

14 Ibid., p. 152.


15 E.A. Reis, R.B. Barbosa e E. Rodrigues, “A representação do índio no livro didático”, Anais da Semana de Pedagogia da UEM, Maringá, 1, 1, 2012.


16 Semiótica e ciências sociais, op. cit., p. 154.


17 Ibid., p. 150.

A par desse histórico, há que se considerar a própria noção de “mudança” no pensamento tradicional brasileiro para compreender como se concebe o desenvolvimento do país sob a ação de fatores de ruptura de uma situação para a instalação de outra. De acordo com trabalho de Rezende18, a ideia das transformações ampara-se na perspectiva do “ajeitamento” de conflitos, buscando atender parcialmente interesses das partes envolvidas. Espera-se um consenso que deve vir, em geral, do dom emanado de sujeitos considerados competentes ou legitimados para deliberar, conceder ou decidir sobre as melhores condições de um acordo para resolver disputas de toda ordem. Para tanto, fala-se ou age-se em nome do “povo”, ou de nominações específicas dependendo da situação litigiosa. Ou seja, da peleja de grupos políticos e econômicos promovem-se mudanças no país que são discursivizadas como heróicas ou plausíveis para o restante da nação.

A validação de tipos de falas e ações, portanto de sujeitos competentes para mudar uma situação histórica, obedece aos preceitos de condutas consensuais, naturalizadoras de distribuições de lugares, como postula Rancière. Ao se assumirem como sujeitos de seus próprios discursos e destinos, as ações configuram-se como micro-fraturas no tecido social que redesenham uma nova “cartografia estética” pela ruptura da ordenação tradicional dos corpos e falas legitimados e por uma nova partilha do sensível.

3. Regimes de ação no movimento das indígenas mulheres

Entrando propriamente na situação atual, verifica-se um esforço intenso das diferentes comunidades indígenas para se fazerem valorizar, respeitar e melhorar suas condições de vida. Pleiteia-se o reconhecimento de danos históricos e de sua reparação. Para tanto, múltiplas ações têm sido empreendidas, algumas das quais apenas evocadas neste artigo, porque é grande a proliferação de agregações voltadas a tal propósito no momento. Chama a atenção o movimento de conscientização e atuação de indígenas mulheres nesse processo. Por isso seus mecanismos de voz e presença serão investigados aqui.

Conforme mencionamos, visamos a traçar primeiramente o conjunto das ações reunidas como um regime de percursos distintos elaborados em diferentes níveis de manifestação e por distintas estratégias para alterar a situação de, praticamente, mais de cinco séculos de convivência no mesmo solo. O regime de ações pode ser dividido em algumas unidades temáticas que se alternam ou se imbricam. Seu levantamento permitirá detectar continuidades e descontinuidades que nos permitam aferir quais mudanças estão sendo projetadas ou executadas. Indagamos quais condições são criadas pelas próprias indígenas para possíveis mudanças na situação atual ou futura, em que níveis de seus percursos e por meio de que estratégias. Nossa hipótese é que as ações são desencadeadas em ato, no percurso das próprias percepções e práticas dessas actantes, constituindo não apenas transformações de estados, mas condições para algumas mudanças que incidem na visibilidade do/a indígena e de sua força para a constituição da subjetividade e emancipação política. Portanto, alterações no circuito comunicativo, na participação social e em apropriações enunciativas, devem ser levadas em conta, sobretudo porque secundadas por outros tipos de transformações. A participação ativa dessas mulheres na pauta de debates é já um indicador de mudança de protagonismo, na medida em que assumem a voz discursiva. Seus atos inscrevem-se em ambientes virtuais e presenciais, e podem ser classificados por eixos temáticos em função do teor das postagens digitais e reuniões presenciais como em assembleias de grupos, passeatas, eventos.

As ações suscetíveis de operar transformações acontecem promovidas por sujeitos individuais e coletivos. Dividem-se em atos de denúncia da situação histórica vivida pelo povo indígena ; a partir da denúncia desdobra-se o programa de uma reconfiguração dos valores e da visão tradicional do indígena instaurada em livros e no sistema educacional; pela mobilização de procedimentos que permitam compreender os regimes perceptivos e as formas de vida próprios ; pelas buscas de iniciativas que assegurem certa autonomização da mulher indígena, em relação aos seus parceiros e empresas mediadoras e a inserção em movimentos nacionais de luta feminina. Não se exaure com essa listagem a série de transformações encetadas, mas ela nos serve para deduzir daí algumas possíveis mudanças de um conjunto heterogêneo de culturas, mas alinhadas pelo mesmo propósito de existência.

1. Eixos temáticos de incriminações históricas e atuais

a) Denúncia de injustiças históricas, como a invasão de terras, o desrespeito ao território indígena e a negligência a suas condições de vida.

b) Denúncia contra a destruição do meio ambiente, pelo desmatamento provocado por incêndios ou derrubadas de árvores, pela contaminação dos rios com consequências desastrosas para a proteção das florestas, sobrevivência de animais e humanos.

18 M.J. Rezende, “Mudança social no Brasil : a construção de um ideário conservador”, Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 1998 (https://www.scielo.br/j/ts/a/86zNwBPHFpmSWQk4xSdLhXJ/#).

c) Delação de casos de abusos, alguns dos quais chegando ao extremo do feminicídio, mediante estratégias de adentramento no território e sedução de mulheres19.

d) Incriminação de violência e exploração contra crianças indígenas.

e) Denúncia de incêndios criminosos em casas de oração lideradas por indígenas mulheres, acusadas de práticas religiosas ilegais (pajelança).

2. Eixo temático de disjunção de valores históricos

a) Afirmação da cultura indígena, destacando valores de união dos seres humanos, dos animais e da Terra.

b) Ações presenciais e virtuais de manifestação por uma legislação e penalidades efetivas visando à defesa da existência dos povos originários.

c) Iniciativas de explicitação e divulgação dos modos de percepção de si e do mundo, de suas práticas religiosas e culturais, bem como da valorização de suas línguas e da necessidade de cultivá-las, apelando, para tanto, de :

— elaboração de material didático destinado a professores com vistas ao conhecimento e divulgação dos povos e culturas indígenas ;

— incentivo a que as escolas convidem membros de suas comunidades para rodas de conversas, visando a processos de aprendizagem e reconhecimento de sua dignidade humana ;

— criação de associações, redes sociais presenciais ou digitais, diferenciando biomas de pertença, problemas comuns e específicos, realização de eventos, “lives”, vídeos de celebrações com legendas ou descritivos explicativos, manifestações políticas, críticas a medidas e propostas emanadas de congressistas ;

— criação das redes de mulheres cineastas, as “Katahirine”, que se assumem como constelações formadas para dar visibilidade às culturas indígenas e a suas produções artísticas e midiáticas ;

— mapeamento de trabalhos, filmes, vídeos de autoria de mulheres, indígenas ou não, por iniciativa da Rede “Katahirine” ;

— tradução da Constituição de 1988, que registra seção específica para o respeito e a proteção das comunidades indígenas, em línguas de alguns grupos.

3. Eixo temático de empreendimentos de autonomização

a) Comercialização de produtos por meio de associações indígenas, extrativismo de frutos da Amazônia realizados por indígenas mulheres, como a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), assumindo atividades e lideranças tradicionalmente atribuídas a actantes masculinos. Comercialização de artesanato pelas próprias mulheres das comunidades indígenas, com explicações de seus significados, dos rituais e cantos que acompanham o processo criativo, da formação de maestras que asseguram a manutenção da tradição pelas mais novas, e da autonomia e capilarização desses empreendimentos em novas comunidades para a garantia da subsistência, como as mulheres que produzem o artesanato Huni Kuin (#RedeKatahirine, 25 de outubro : O presente da jiboia : Kene Huni Kuin, narrada por Lira Mawapai Hunikui @mawapai).

b) Realização de assembleias, grupos de discussão, rodas de conversas com mulheres de comunidades distintas visando à conscientização, inovação e resolução conjunta de problemas específicos.

4. Eixo temático de conscientização dos danos históricos contra a mulher e integração a movimentos mais amplos

a) Criação avolumada de páginas e perfis, com textos, fotos, vídeos, em plataformas digitais.

b) Integração em páginas e perfis de combate aos problemas de violência contra a mulher em geral, em especial contra o feminicídio, associado pelos discursos das indígenas como feminicídio e terricídio, pela associação que vêem nos dois tipos de destruição de corpos — o da mulher e o da terra.

19 K. Caetano e G. Pieroni, “A conscientização do corpo-território : sedução e violência em perspectiva indígena”, Anais, 32, COMPÓS, julho 2023 (https://proceedings.science/compos/compos-2023/trabalhos/a-conscientizacao-do-corpo-territorio-seducao-e-violencia-em-perspectiva-indigen?lang=pt-br).

4. Transversalidade de regimes :
outras mudanças como fatores coadjuvantes

Detecta-se no contexto da cultura digital contemporânea o atravessamento de um regime de mudança de outro tipo, qual seja, o das potencialidades digitais expressas, principalmente, na criação de redes interacionais, por meio das quais se obtém não apenas visibilidade, mas a efetiva participação em ações de protagonismo a partir da própria voz. Trata-se da conquista de uma subjetivação política como “a constituição de um coletivo capaz de falar em primeira pessoa e de identificar sua afirmação como a reconfiguração de um universo de possibilidades”20.

20 P. Bowman e R. Stamps, “Agaisnt an ebbing tide : an interview with Jacques Rancière”, Reading Rancière, Continuum, 2011, citado por A. Marques e M.A.M. Prado, “Os processos de subjetivação e emancipação política em Jacques Rancière”, Psicologia e sociedade, 34, 2022.

Com maior evidência, um fator distintivo entre a situação de formação do Movimento Indígena e o cenário atual é o do papel relevante da mulher como sujeito da ação, e consequente dilatação de seus discursos. Desse fenômeno deriva o ambiente inovador com a apropriação cada vez mais intensa de aparatos visuais e práticas de escritura que encontram nos recursos digitais o curso de espacialidades e temporalidades heterogêneas, por si mesmas reveladoras de uma reconfiguração do tempo e do espaço experimentado por esses sujeitos. Da passagem de uma polêmica instaurada no final dos anos 80 entre a lógica da proteção ou da emancipação do “índio”, reportada nas mídias pelas vozes masculinas de indígenas e não-indígenas, passamos a uma situação de presença efetiva nas redes sociais e em espaços físicos, também por mulheres. Outro fator relevante importante dessa nova ambientação é o papel de liderança, política e religiosa, assumido pela indígenas mulheres. Se o processo é contínuo no âmbito interno desses grupos, não o é para a compreensão da sociedade em geral, acostumada a um contexto e a um imaginário de forte dominância do poder masculino. Em específico, fala-se hoje explicitamente em líderes e pajés femininas. Deve ficar claro, no entanto, que a linha de transição se faz por adição e não por substituição.

Assim como a ressonância dessas falas e ações encontraram na cultura digital um poderoso adjuvante para o arranjo de seus percursos narrativos de base e complementares, também uma mudança fundamental ocorre na política governamental brasileira, pela radical alteração de valores relativos ao indígena e à necessidade de impedimento dos danos que o acometem ainda hoje. A escolha de uma Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a homologação de funções de coordenação a indígenas mulheres no governo brasileiro atual, assim como a penalização dos garimpos em territórios indígenas, favorecem o regime de ações implementado nas últimas décadas. Segundo o último censo, realizado em 2022, aumentou o número de pessoas que se admitem indígenas ou seus descendentes, o que deriva de mudanças nos modos de se ver, e, por extensão, nos modos de olhar os povos originários e seus costumes. Vistos tradicionalmente de uma perspectiva folclórica ou exótica, actantes de representação institucionalizada usam seus adereços no espaço público e no assento às mesas de discussões com seus pares não-indígenas. Portam cocares (como a Ministra Guajajara), adornam-se com seus colares, pulseiras, tecidos, pinturas, de sua cultura, cujos sentidos e valores simbólicos são explicados nas redes sociais.

Opera-se, assim, um processo de mudança estratégico, porque parte de uma des-identificação para dar abertura ao múltiplo. Como explica Rancière,

A lógica da subjetivação política não é jamais a simples afirmação de uma identidade, ela é sempre, ao mesmo tempo, a negação de uma identidade imposta por um outro, fixada pela lógica policial. A polícia21 deseja nomes exatos, que marquem para as pessoas o lugar que ocupam e o trabalho que devem desempenhar. A política, por sua vez, diz de nomes “impróprios” que apontam uma falha e manifestam um dano.22

Usar tais adereços, insistir na permanência de traços culturais, não deve ser confundido com a tentativa de ser incluído na parte dos que contam, nem construir de si uma nova identidade. É, antes, um processo de ressignificação que aponta para certo tipo de percepção distinta, onde seres humanos, coisas da natureza e animais estão de tal modo imbricados, que “se vestem” com traços de corporeidade comuns. A relação dialética entre a lógica policial e a política manifesta-se por um intervalo lacunar no qual pluralidades possíveis podem emergir.

21 A lógica policial não se restringe à ação da polícia constituída para esse fim ; trata-se da lógica consensual, baseada em atitudes imunitárias e de triagem das pessoas a se contabilizar, e assegurada, entre múltiplas diretivas, também pela polícia que se compreende como a garantidora dessa ordem. Ou seja, uma partilha do sensível policial sobre a qual age a partilha do sensível política, buscando a reconfiguração dos arranjos pré-estabelecidos.


22 J. Rancière, Aux bords du politique, p. 121, citado por A. Marques, M.A. Prado, art. cit.

5. Lógicas de ação e regimes de interação : cruzamentos

Adaptando o viés das duas lógicas, necessariamente interligadas uma vez que todo dissenso ocorre no contexto do consenso, a cenas de interações é possível predizer o caráter dinâmico de um jogo de alteridades na convivência indígenas / não-indígenas. Na sociossemiótica, Eric Landowski tem se dedicado à formulação de lógicas da alteridade e das interações. Em recente artigo, elabora a proposta de uma gramática da alteridade, que perpassa as instâncias dos regimes e das práticas de interação, do jogo de visibilidades na dinâmica do mesmo e do outro, considerando gradações de distância e aproximação nesses vínculos.

Resultam distintos regimes de alteridade que se traduzem em práticas de relação com o outro regidas por sintaxes interacionais diversificadas, seja qual for o registo (intercultural, intergeracional, “intersexual” ou outro), das quais surgem as diferenciações identitárias consideradas.23

23 E. Landowski, “Pour une grammaire de l’altérité”, Acta Semiotica, III, 5, 2023, p. 75 (trad. nossa). Ver em especial o esquema da sintaxe interacional e da alteridade, p. 83.

O dissenso equivaleria, na gramática da alteridade de Landowski, à opção por formas de /não-identidade, práticas de co-operação e sintaxe de ajustamento/, enquanto o consenso político transitaria entre a oposição /identidade, regime de assimilação e sintaxe de programação/ ou /alteridade, regime de exclusão e sintaxe do acidente/, podendo passar pelo pólo da /não-alteridade, regime de admissão e sintaxe da manipulação/, a qual poderia ser associada no cenário político atual a várias iniciativas de integração dos povos originários e direitos humanos a grupos considerados estruturalmente vulneráveis. Neste último caso, as estratégias são discursivas ou pragmáticas, como proposição de leis, estabelecimento de cotas para ingresso no sistema educacional e trabalhista, penalização de atos discriminatórios, de intolerância e criminosos. O problema é que se trata de um campo atravessado por muitos conflitos e tensões, desencadeador de disputas políticas e de um jogo de interesses econômicos dificilmente gestionável, mas não impossível, podendo se realizar em medidas preventivas e conquistas pontuais, muitas delas derivadas ou geradoras de ações dissensuais dos grupos envolvidos.

Assim é que as mudanças na condução de políticas públicas envolvendo os direitos humanos são tidas como fundamentais para coadjuvar o movimento indígena, mas são lentas, pois condicionadas a múltiplos fatores, estabelecidas temporalmente, em função do movimento político institucionalizado, do jogo das forças policiais (em sentido amplo), que envolvem valores e práticas individuais e coletivas, à capacidade refratária dos agentes de estado em relação aos pedidos de setores da sociedade e à própria força das práticas indígenas e de ativistas e apoiadores. Os atos dissensuais emergem no contexto das lógicas consensuais, mas precisam a elas recorrerem para garantir também a estabilização e permanência das alterações realizadas, como o pedido de legislações ou apoio policial para rastreamento de invasões e delitos contra as comunidades indígenas. Analisando tais possibilidades no movimento das interações (e no jogo de alteridades), é possível compreender o caráter tensionado de atitudes passíveis de fazer avançar ou retroceder as ações, pelo recurso da lógica policial ou pela resistência política.

6. Regimes de mudança : reconfigurações
dos corpos e das posições

Ressalte-se, portanto, que a transversalidade de outros regimes de mudança — como aqueles das potencialidades digitais, da mudança de políticas públicas inclusivas e do adensamento da luta pelo direito da mulher, de suas formas de expressão, de sua liberdade de decisão e contra a violência de caráter misógino — constitui fenomêno a ser levado em grande conta, mas é das condutas rotineiras, das práticas que são desenvolvidas em ato, sem deliberações programadas, e da necessidade de assegurar-se como existência perante a comunidade interna e geral, merecedora de uma partilha de dignidade humana, que se concretizam os novos percursos, as interações cooperativas e o pluralismo identitário. Ressaltem-se aqui os fatores assinalados a partir das unidades de ação arroladas acima : a importância assinalada ao papel da mulher na política, na educação e na economia, tanto das etnias quanto do contexto geral ; ades-identificação do indígena no ideário nacional para a afirmação de uma convivência igualitária, mas com suas singularidades a serem consideradas ; a extensividade dos papéis tradicionalmente masculinos para as agentes femininas (não-substituição) ; a produção feminina de material cultural, artístico e educacional para “a parte” dos não-indígenas ; a autonomização da subsistência pelo aproveitamento de seu conhecimento e competência ancestral. A circulação dessas ideias e práticas encontram no ciberespaço o lugar favorável de ressonância, replicabilidade e discussão, mas não se constroem apenas a partir desse lugar de fala. A conscientização das indígenas explora os canais de interlocução, ao mesmo tempo que os incrementam como espaço de possível ação democrática.

 

Nesse sentido, opera-se um regime de mudança, não como resultado, e sim como componente processual de um conjunto de circunstâncias, portanto em situação, para o qual aparece como necessário : i) a passagem das ações individuais a coletivas, ii) o reconhecimento de si como “simplesmente um outro”24, já assumido como valor em vigência, e não à espera de uma doação ou decisão institucionalizada ; iii) a realização de práticas narrativas para a pragmaticidade dessa outridade plural ; iv) a ocupação de espaços comunicativos para enunciações próprias ; v) o propósito de co-operação multilateral em condições igualitárias de reconhecimento da dignidade humana. Como bem reflete Todd May a propósito da leitura que Quintana faz da filosofia política de Rancière :

24 “Pour une grammaire de l’altérité”, art. cit.

Não se trata simplesmente de recusar ou, alternativamente, de exigir reconhecimento. Em vez disso, trata-se de agir como se a lógica dissensual já estivesse operante na ordem social. O dissenso da comunalidade é promulgado e não solicitado. Como diz Quintana, “argumentos” igualitários (pelos quais devemos entender não simplesmente ditos, mas modos coletivos de ser) “são capazes de produzir ‘cenas polêmicas’ que existem no modo de como se25. Em vez de confiar na ordem policial para reconhecer ou assimilar estes movimentos, eles são concretizados corporalmente por meio de formas de falar e agir em conjunto que, na sua própria existência, representam um desafio a uma determinada lógica policial. E, especificamente no nosso mundo neoliberal, desafiam o consenso imunitário com as suas hierarquias e exclusões específicas.26

25 L. Quintana, Política de los cuerpos, op. cit.


26 T. May, “The Politics of Bodies”, art. cit. (trad. nossa).

A mudança faz-se no eixo durativo de uma lenta temporalidade, em que os modos de existência e de experiência mesclam-se em regimes distensivos e transicionais27, articulados na tramagem de inovações e na perseverança de uma tradição que expressa a pertença a uma comunalidade. Retomamos comunalidade a partir do antropólogo mexicano e indígena do povo mixe, Floriberto Díaz, pelo viés de dois autores brasileiros que assim explicam o conceito e sua origem entre o povo mixe :

27 J. Fontanille, Formes de vie, Liège, Presses Universitaires de Liège, 2015.

— Para esse grupo, originário da região de Oaxaca, a comunalidade transcende o mero-estar junto, indo a compor o centro da cosmologia do povo : “Sob o conceito de comunalidade, explico a essência do fenomênico. Isto é, para mim a comunalidade define a imanência da comunidade.28
— Assim, para Díaz e os mixe, a comunalidade é tanto um conjunto de princípios que regem a vida cotidiana das comunidades (as relações de parentesco, os circuitos de trocas, as diversas práxis culturais do dia-a-dia, etc.), mas também uma série de ações práticas — sobretudo respostas táticas diante das ameaças de invasão do território por comunidades alheias. A comunalidade enquanto imanência seria, portanto, uma espécie de princípio autopoiético da comunidade : aquilo que a forma e a faz resistir à desintegração.29

28 F. Diáz, Escrito : Comunalidad energía viva del pensamiento mixe, México, UNAM, 2007, p. 36.


29 L.F. de Abreu e A.C. Araujo, “Enciclopédias da barbárie : práticas simbólicas e escritas de comunalidade a partir de La literatura nazi en America”, ANAIS do 32º Encontro da Compós, São Paulo, 2023.

Por fim, deve-se considerar que nas mudanças operadas nas comunalidades e investidas em diferentes níveis de manifestação — nas suas formas de expressão e nos seus conteúdos de ação — inscreve-se uma figura híbrida definida por Fontanille como a ocasião, que “comporta, de um lado, a apreensão imediata de uma interferência vivida, e do outro, um cálculo projetivo de natureza cognitiva, que visa a integrar essa interferência no curso de vida”30. A ocasião retrabalha a posição referencial do sujeito em face das interações e dos percursos plurais que se lhe aparecem, ao mesmo passo que o pulsiona a construir novos arranjos de ação e adaptação ao novo curso de vida que acaba de se abrir31. Implicar suas ações no regimes temporais heterogêneos que se apresentam como brechas de atuação podem resultar mudanças que vão progredindo e se dilatando aos poucos no coletivo.

Entre percursos plurais, delineamento de estratégias de perseverança e comportamentos / movimentos surgidos em ato, a mudança se traduz na constituição de cenas polêmicas suscetíveis, portanto, de desestabilizar posições pré-fixadas, ainda que não exerçam radicalmente uma ruptura na ordem social como um todo.

30 Formes de vie, op. cit., p. 170.


31 Ibid.

Conclusão

Como se alinha a mudança em relação às situações anteriores dos indígenas brasileiros, em específico das mulheres ? Observa-se um eixo de continuidades, sendo a permanência da tradição assegurada e afirmada pela autoavaliação positiva de suas formas de vida, em geral cotejadas com a desastrosa política hegemônica do “homem branco”. Justamente dessa linearidade deriva o movimento, aparentemente paradoxal, de des-identificação, mas aplicado a atos estratégicos de rejeição da visão do outro sobre si. Essa categoria afirmação / des-identificação constitui uma cena polêmica instauradora de atitudes dissensuais impulsionada por processos de subjetivação política.

A cena polêmica abre lacunas entre situações anteriores e atuais, e nessas brechas emerge a possibilidade de inovações necessárias, porque a legitimação do movimento des-identificador requer práticas que confirmem seu valor axiológico positivo. Nesse cenário é que emergem procedimentos como busca de autonomia, divulgação de criações e cosmologias ancestrais, para o que a grande visibilidade e inserção na vida cultural e política do país se torna imprescindível.

Assumidas tais ações por atores femininas, o processo se capilariza, sobrepondo-se a uma lógica tradicional de distribuição dos corpos e das falas, capaz de promover a desestabilização de categorias e gêneros heterogêneos, que coloca em suspensão a distribuição de papeis masculinos e femininos ou a categorização verticalizante de competências e saberes.

 

Referências

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1 M.N. Schwartzmann e L.H. da Silva, “Romper, desviar, desafiar : reflexões por uma semiótica implicada”, Estudos Semióticos, 18, 3, 2022.

2 A.C. de Oliveira, “Nos caminhos da (sócio) semiótica, a ação política e engajada”, in id. (org.), Por uma Semiótica engajada, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2022.

3 T. May e L. Quintana, “The Politics of Bodies : Philosophical Emancipation with and beyond Ranciére”, Revista de Estudios Sociales (http://journals.openedition.org/revestudsoc/51686).

4 J. Rancière, A partilha do sensível : estética e política, São Paulo, Editora 34, 2009.

5 L. Quintana, Política de los cuerpos : emancipaciones desde y más allá de Jacques Rancière, Barcelona, Herder, 2020.

6 L. Quintana, “Jacques Rancière and the emancipation of bodies”, Philosophy & Social Criticism, 45, 2, 2019.

7 L. Quintana, Política de los cuerpos, op. cit.

8 P. Bicalho, “Resistir era preciso : O Decreto de Emancipação de 1978, os povos indígenas e a sociedade civil no Brasil”, Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 20, n. 40.

9 O primeiro Congresso Indigenista Americano (Convenção de Patzcuaro) aconteceu no México com o objetivo de criar e discutir políticas que pudessem zelar pelos índios na América (https://www.politize.com.br/movimento-indigena/#:~:text=Hist%C3%B3ria%20do%20movimento%20ind%C3%ADgena&text=O%20marco%20do%20movimento%20ind%C3%ADgena,zelar%20pelos%20%C3%ADndios%20na%20Am%C3%A9rica).

10 L. Altoé, “Resistência Indígena na História do Brasil”, MultiRio, 7 abr. 2021 (https://www.multirio.rj.gov.br/index.php/reportagens/17165-resist%C3%AAncia-ind%C3%ADgena-na-hist%C3%B3ria-do-brasil).

11 V. Apresentação por Starling do site Brasil Doc. arquivo digital construído pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) “com o objetivo de tornar disponível, em transparência ativa, fontes históricas de natureza diversa abrigadas na instituição”. O Site está vinculado ao Projeto República : núcleo de pesquisa, documentação e memória, coordenado por Starling, e composto de 6 seções, sendo a 5ª sobre a Ditadura Militar e populações indígenas (https://www.ufmg.br/brasildoc/).

12 Semiótica e ciências sociais, São Paulo, Cultrix, 1976, pp. 146-147.

13 “The Politics of Bodies”, art. cit.

14 Ibid., p. 152.

15 E.A. Reis, R.B. Barbosa e E. Rodrigues, “A representação do índio no livro didático”, Anais da Semana de Pedagogia da UEM, Maringá, 1, 1, 2012.

16 Semiótica e ciências sociais, op. cit., p. 154.

17 Ibid., p. 150.

18 M.J. Rezende, “Mudança social no Brasil : a construção de um ideário conservador”, Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 1998 (https://www.scielo.br/j/ts/a/86zNwBPHFpmSWQk4xSdLhXJ/#).

19 K. Caetano e G. Pieroni, “A conscientização do corpo-território : sedução e violência em perspectiva indígena”, Anais, 32, COMPÓS, julho 2023 (https://proceedings.science/compos/compos-2023/trabalhos/a-conscientizacao-do-corpo-territorio-seducao-e-violencia-em-perspectiva-indigen?lang=pt-br).

20 P. Bowman e R. Stamps, “Agaisnt an ebbing tide : an interview with Jacques Rancière”, Reading Rancière, Continuum, 2011, citado por A. Marques e M.A.M. Prado, “Os processos de subjetivação e emancipação política em Jacques Rancière”, Psicologia e sociedade, 34, 2022.

21 A lógica policial não se restringe à ação da polícia constituída para esse fim ; trata-se da lógica consensual, baseada em atitudes imunitárias e de triagem das pessoas a se contabilizar, e assegurada, entre múltiplas diretivas, também pela polícia que se compreende como a garantidora dessa ordem. Ou seja, uma partilha do sensível policial sobre a qual age a partilha do sensível política, buscando a reconfiguração dos arranjos pré-estabelecidos.

22 J. Rancière, Aux bords du politique, p. 121, citado por A. Marques, M.A. Prado, art. cit.

23 E. Landowski, “Pour une grammaire de l’altérité”, Acta Semiotica, III, 5, 2023, p. 75 (trad. nossa). Ver em especial o esquema da sintaxe interacional e da alteridade, p. 83.

24 “Pour une grammaire de l’altérité”, art. cit.

25 L. Quintana, Política de los cuerpos, op. cit.

26 T. May, “The Politics of Bodies”, art. cit. (trad. nossa).

27 J. Fontanille, Formes de vie, Liège, Presses Universitaires de Liège, 2015.

28 F. Diáz, Escrito : Comunalidad energía viva del pensamiento mixe, México, UNAM, 2007, p. 36.

29 L.F. de Abreu e A.C. Araujo, “Enciclopédias da barbárie : práticas simbólicas e escritas de comunalidade a partir de La literatura nazi en America”, ANAIS do 32º Encontro da Compós, São Paulo, 2023.

30 Formes de vie, op. cit., p. 170.

31 Ibid.

 

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Résumé : La présente réflexion sur le changement s’articule à une réflexion sur l’action. La perspective théorique se conjugue avec l’observation empirique du mouvement des femmes indigènes brésiliennes moyennant un relevé partiel d’actions transformatrices visant à l’émancipation politique. Se dégagent au moins deux changements radicaux ouvrant la voie à de nouvelles formes de vie. De leur mise en application résulte la légitimation des pratiques, comme si elles étaient déjà institutionnalisées. Ces changements se sont répandus moyennant des interactions tant « présentielles » que virtuelles réaffirmant l’existence d’un acteur collectif pluriel, hétérogène, mais partageant le sentiment communautaire d’un même mode de présence au monde.


Resumo : Nossa reflexão a respeito de mudança articula duas frentes imbricadas de análise : o regime de ações e o regime de mudanças. Conjugamos essa perspectiva teórica a um empírico, o do movimento de indígenas mulheres brasileiras, mediante um levantamento não exaustivo de ações geradoas de transformações, visando à subjetivação e emancipação políticas. Pelo menos duas mudanças radicais podem ser identificadas como regimes estruturantes de novas formas de vida, uma vez que ao serem implementadas promulgam a legitimação das práticas como se já instituídas. Tais alterações capilarizam-se por meio de interações presenciais ou virtuais, reafirmando a existência de um actante coletivo composto por vida plurais e experienciando espaços-tempos heterogêneos da transição, mas conjugados pelo sentimento de comunalidade nos modos de presença no mundo.


Abstract : Our reflection on change articulates two fronts of analysis : the regime of actions and the regime of changes. We combine this theoretical perspective with an empirical one, that of the movement of indigenous Brazilian women through a non-exhaustive survey of distinct actions that generate transformations, aiming at political subjectivation and emancipation. At least two radical changes can be identified as structuring regimes for new forms of life, since when implemented they promulgate the legitimisation of practices as if already established. Such changes spread through face-to-face or virtual interactions, reaffirming the existence of a collective and plural agency experiencing heterogeneous spaces-times of transition, but united by the feeling of commonality in the modes of presence in the world.


Mots clefs : changement, émancipation, féminin, indigène, légitimation.


Auteurs cités : Poliene Bicalho, Floriberto Diáz, Jacques Fontanille, Algirdas J. Greimas, Eric Landowski, Todd May, Laura Quintana, Jacques Rancière, Maria José de Rezende.


Plan :

Introdução

1. Movimentos de indígenas mulheres

2. Situações desde o descobrimento do Brasil

3. Regimes de ação no movimento das indígenas mulheres

4. Transversalidade de regimes : outras mudanças como fatores coadjuvantes

5. Lógicas de ação e regimes de interação – cruzamentos

6. Regimes de mudança: reconfigurações dos corpos e das posições

Conclusão

 

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Recebido em 13/11/2023. / Aceito em 26/11/2023.