Ouvertures théoriques

Utopia e ajustamento
Entre o interacional e o tensivo :
uma complementariedade

Rafael Alves
Universidade de São Paulo (USP)
Centro de Pesquisas Sociossemióticas (PUC-SP)

 

Publié en ligne le 23 décembre 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n6.64719
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Introdução

Com a intenção de propor uma reflexão teórica relativa à natureza da relação entre duas das correntes da semiótica “pós-greimasiana”, nos valeremos de um caso concreto exemplar : a figura do Papa Francisco. Frequentemente o pontífice é apontado como um renovador da Igreja Católica, que ele chefia desde março de 2013, quando foi eleito para suceder ao conservador alemão Bento 16. Nesses pouco mais de dez anos de governo, longe de motivar uma atração razoada de ordem teológica ou eclesiológica, o novo Papa aparentemente tem agradado mais pelo modo como ocupa o mundo com sua corporeidade própria. Corpo aqui pensado como ethos1 apreendido a partir de um determinado tom de voz, de um conjunto de gestos específicos, de uma determinada expressão fisionômica, de um olhar no olho, de um inclinar-se para estar junto de um fiel, e mesmo abraçá-lo, de um deixar-se ser tocado e tocar, enfim por um determinado modo de presença. Tal conceito, o de presença, remete, em semiótica, a um outro, o de sensível. De que modo essa presença sensível de Francisco contagia ?

1 F. de Saussure, Cours de linguistique générale, Paris, Payot, 1916.

Estamos aqui diante de uma questão que, a nosso ver, pode ser respondida com a ajuda de duas vertentes da semiótica desenvolvida a partir da obra de Greimas : a sociossemiótica de Eric Landowski, com seus regimes interacionais2, e a semiótica tensiva de Claude Zilberberg, com seu esquema tensivo que articula intensidade (sensível) e extensidade (inteligível)3. Ambos os pesquisadores partem do desafio de integrar o sensível a uma teoria essencialmente voltada para o inteligível. Nas duas correntes, o sensível introduziu o contínuo na proposta de Greimas. No lugar das categorias estanques do quadrado semiótico, abriu-se espaço para as passagens, o movimento, o intervalo, seja entre um regime interacional mais ou menos arriscado e outro, na elipse sociossemiótica proposta por Landowski, seja no deslocamento do valor na articulação conversa ou inversa entre intensidade e extensidade no esquema tensivo de Zilberberg. Em ambas, o interesse está justamente nessas passagens, na complexidade que une as categorias sem uma nunca completamente excluir a outra.

2 Cf. E. Landowski, Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.


3 Cf. C. Zilberberg, Elementos de Gramática Tensiva, São Paulo, Ateliê Editorial, 2011.

1. O interacional e o tensivo

No início dos anos 2000, o Centro de Pesquisas Sociossemióticas (CPS), ligado institucionalmente à PUC-SP, promoveu passos para aproximar semiótica tensiva e sociossemiótica. Considerando que era preciso ultrapassar “as rivalidades entre as escolas”, sem deixar de admitir que ambas eram tendências “rivais, ao menos em superfície”, Landowski explorou, na apresentação do Caderno de discussões do IX Colóquio do CPS de 2003, a possibilidade de um “gesto de integração metodológica” das duas correntes4.

4 “Diferença e variação : um encontro permitido, uma articulação necessária”, in A.C. de Oliveira (org.), Caderno de discussões do IX Colóquio do Centro de Pesquisas Sociossemióticas, São Paulo, Edições CPS, 2003.

Se, na versão originária da teoria, o quadrado semiótico se constitui de diferentes oposições (entre os contrários e entre os contraditórios), Landowski, no artigo citado, propõe a inclusão de outros operadores para sistematizar as relações entre categorias nas duas novas vertentes : a ideia de variações quantitativas no esquema tensivo, e a de diferenças qualitativas na sociossemiótica, projetadas na elipse dos regimes de interação. Ainda que seja preciso marcar, desde logo, que a semiótica tensiva não é quantitativistas no sentido matemático do termo, reconhecemos que se trata e uma abordagem metodológica que permite quantificar subjetivamente as modulações qualitativas dos objetos analisados. Landowski sublinha a importância das “modulações do sentido” e afirma que “são as configurações plásticas e as oscilações rítmicas que condicionam estesicamente a emergência do sentido”. É dessa perspectiva sociossemiótica que nosso trabalho procura iluminar as fronteiras com as propostas da semiótica tensiva.

Juan Alonso também explorou as fronteiras entre as duas correntes. Em seu trabalho de doutorado, o pesquisador chegava a propor uma “sociossemiótica tensiva”5. Em um artigo anterior, ele explicava que “os efeitos de modulação rítmica e de continuidade no discurso dificilmente podem ser explicados a partir de oposições categóricas entre termos discretos, oposições próprias das estruturas semionarrativas”6. Nessa lógica, ele defendia que é possível definir o sujeito social “como o produto de forças e tensões que o atravessam antes de ele ser constituído como um verdadeiro actante social modalmente definido, dotado de um programa de ação concreto ou de um papel temático ou passional determinados”7. Todavia, diferentemente da nossa proposta, que procura uma aproximação metodológica das ferramentas das duas abordagens, Juan Alonso limita-se a introduzir o enfoque tensivo na abordagem de objetos sociais.

5 Le Discours de l’ETA. Un terrorisme à l’épreuve de la sémiotique, Limoges, Lambert-Lucas, 2005.


6 J. Alonso e F. Montanari, “Por una sociossemiótica tensiva : La figura del ‘ultimátum’”, Revista del Centro de Ciencias del Lenguaje (México), 19-20, 1999, p. 116.


7 Ibid., p. 117.

Permanece, portanto, a questão : por que semiótica tensiva e sociossemiótica não se articulariam de maneira mais efetiva ? Em artigo que serviu de prefácio a um estudo de Raul Dorra, Landowski sugere uma explicação. Ela consiste em destacar, dentro do projeto semiótico, a distinção de ordem muito geral, já mencionada, que, segundo ele, tende a dividir em duas “famílias” o conjunto das ciências humanas e sociais. Falamos da controvérsia entre os quantitativistas — dos quais os “tensivistas” fariam parte, pois fazem depender o sentido de variações de grau, por definição quantitativas, mensuráveis em termos de “mais” ou de “menos” — e, por outro lado, os “qualitativistas” (entre os quais o próprio Landowski se inclui), que consideram que as qualidades intrínsecas, em particular as propriedades estésicas que diferenciam uns dos outros os elementos em jogo, constituem o fator primeiro.

No entanto, já em Zilberberg as variações de graus não são operações meramente quantitativas, do tipo matemático. Desde as primeiras definições, a semiótica tensiva considera um sujeito como presença, cujas variações ou modos de existência podem ser apreendidas e descritas. Tanto assim que, em Tensão e Significação, Zilberberg e Fontanille propõem uma modificação na definição de estrutura de Hjelmslev : “entidade autônoma e deformável de dependências internas”8. O acréscimo do qualificante “deformável” evidencia que o sujeito já está na estrutura, e que, portanto, a estrutura já está aberta ao imprevisto. As quantificações da semiótica tensiva são “quantificações subjetivas”9, que incidem, desde logo, sobre as qualidades das grandezas percebidas pelos sujeitos enunciantes.

8 J. Fontanille e C. Zilberberg, Tensão e significação, São Paulo, Humanitas, 2001, p. 109.


9 L. Tatit, Quantificações Subjetivas: Crônicas e Críticas, Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo, 42, 2011, pp. 35-50.

De fato, não pode haver variação quantitativa no vazio. Uma variação em termos de “mais” ou de “menos” pressupõe a existência de alguma coisa que apresente certas propriedades, que podem se manifestar mais ou menos intensamente. Primeiro, tem de ter algo qualitativo ao qual a variação quantitativa possa se aplicar. De todo modo, além da oposição aparente entre as duas opções, o raciocínio de Landowski, no fundo, abre a possibilidade teórica e prática para uma articulação entre elas. E, no prefácio em questão, ele mostra como o estudo de Raul Dorra oferece, justamente, um exemplo dessa articulação.

Distante dessas discussões, apesar de academicamente implicado10, meu objetivo é propor uma alternativa para o “encontro permitido”, em vista de uma “articulação necessária”11. Curiosamente, Landowski e Zilberberg chamaram, em análises de diferentes corpus, de utopia o ponto em que se articulam em paralelo o sensível e o inteligível12. Partimos de uma perspectiva sociossemiótica para testar as possibilidades de integração das chamadas cifras tensivas13 nos regimes de interação na apreensão da presença sensível e contagiosa do Papa Francisco, que também tem proposto valores dignos de uma utopia. Nossa principal hipótese é a de que o uso dessas medidas de impacto auxiliarão a explicação das passagens aspectuais entre um regime e outro, ponto constantemente revisado na teoria proposta por Landowski. O contrário, verificar possíveis ganhos analíticos no acréscimo dos regimes de interação e sentido na lógica das relações entre extensidade e intensidade, é tarefa para outra pesquisa.

10 Enquanto o CPS, colocado na PUC-SP, onde fiz meu mestrado sob orientação da Profª. Dra. Ana Claudia de Oliveira, adota a sociossemiótica como linha principal, o Departamento de Linguística da FFLCH-USP, onde fiz meu doutorado sob orientação da Profª. Dra. Norma Discini, tem a semiótica tensiva como principal escolha.


11 E. Landowski, “Diferença e variação : um encontro permitido, uma articulação necessária”, art. cit.


12 Cf. E. Landowski, “Petit manifeste sémiotique”, Actes Sémiotiques, 120, 2017.


13 Medidas de impacto relativo ao “grau relativo de tonicidade e andamento, bem como o seu grau de abrangência num dado universo”, in L. Tatit, Passos de semiótica tensiva, Teliê Editorial, São Paulo, 2019. Trata-se das medidas de tonicidade e andamento (intensidade) e suas intersecções com temporalidade e espacialidade (extensidade) de uma grandeza que entra no campo de presença.

2. A metalinguagem tensiva

Ao propor um novo edifício teórico metodológico para as análises de diferentes discursos, Zilberberg organiza também uma metalinguagem própria, bem menos estável, todavia, do que aquela proposta por Greimas no seu Dicionário14. Inicialmente pensada em parceria com Fontanille15, a semiótica tensiva se desdobra em uma infinidade de metatermos que têm acepções diferentes em diferentes textos. Essa profusão de conceitos, muitos abandonados por Zilberberg ao longo da sua trajetória de elaboração teórica, dificultam bastante a apreensão da semiótica tensiva enquanto ferramental metodológico16. Apresentaremos neste tópico aqueles conceitos mais fundamentais com os quais iremos dialogar na aproximação pretendida com a sociossemiótica.

Genericamente, Zilberberg propõe três modos semióticos, que são “pares de funções que descrevem a entrada de grandezas no campo de presença”, cada um com um estilo sintático próprio — o modo de eficiência (pervir17 e sobrevir, com a sintaxe intensiva dos aumentos e das diminuições), o modo de existência (foco e apreensão, com a sintaxe extensiva das triagens e das misturas), e o modo de junção (concessão e implicação, com a sintaxe juntiva dos acontecimentos e dos exercícios)18.

Por um lado, Zilberberg define o campo de presença como o “domínio espácio-temporal em que se exerce a percepção”19. O campo de presença é o lugar hipotético em que se estabelecem as relações de tensividade, termo complexo que se bifurca nos funtivos intensidade e extensidade (dimensões ou valências), sendo a intensidade relativa aos “estados de alma, o sensível”, e a extensidade relativa aos “estados de coisas, o inteligível”20. Na intensidade (sensível), atuam as subdimensões (ou subvalências) do andamento (velocidade, rápida ou lenta) e da tonicidade (acentuação tônica ou átona). Já na extensidade (inteligível), se unem as subdimensões / subvalências do tempo e do espaço, que controlam a inteligibilidade dos discursos. Por outro lado, para Landowski, o campo de presença nada mais é do que o raio de percepção que determina o espaço-tempo do observador21.

O esquema tensivo, em que são projetadas as dimensões da intensidade e da extensidade, é a representação gráfica das articulações que inscrevem uma determinada grandeza no campo de presença do sujeito. Uma valência da intensidade se entrecruza com uma da extensidade projetando no gráfico o valor. O modo como essa grandeza entra nesse campo (descrito a partir dos modos semióticos) vai determinar o ponto da curva em que ela será inscrita, modulando velocidade e tonicidade com espaço e tempo. Genericamente, as dimensões, ou valências, podem estabelecer dois tipos de correlações no gráfico tensivo — as do tipo “inversas” (quando a extensidade aumenta, a intensidade diminui, e vice versa) e as do tipo “conversas” (quando intensidade aumenta, extensidade também aumenta ; quando intensidade diminui, extensidade também diminui).

14 A.J. Greimas e J. Courtés, Dicionário de Semiótica (1979), São Paulo, Contexto, 2016.


15 J. Fontanille e Cl. Zilberberg, Tensão e significação, São Paulo, Humanitas, 2001. O original em francês foi publicado em 1998 mas, antes disso, Zilberberg já trabalhava numa proposta tensiva em textos individuais (por exemplo, Essai sur les modalités tensives (Amsterdam, Benjamins, 1981).


16 Tatit explica que Zilberberg “deixou de lado diversas categorias que pareciam fundamentais quando foram criadas — entre elas, a noção do ‘fazer missivo’ (…), e a refinada classificação dos tempos como ‘cronológico’, ‘ritímico’, ‘mnésico’ e ‘cinemático’”(Passos de semiótica tensiva, op. cit., p. 115).


17 Segundo os tradutores de Elementos de semiótica tensiva, optou-se por traduzir “parvenir” por “pervir” (termo não mais em circulação no português brasileiro atual) porque ambas as palavras procedem de uma mesma raiz latina, pervenire. Eles registram, ainda, que no século 14, pervir significava “chegar de um ponto a outro, chegar ao fim” (p. 271), mesma acepção do termo em francês. Ou seja, uma grandeza pode entrar de modo processual, de um ponto a outro, ou sobrevir, imprevisivelmente, no campo de presença do sujeito.


18 Cl. Zilberberg, La structure tensive. Suivi de Note sur la structure des paradigmes et de Sur la dualité de la poétique, Liége, Presses universitaires de Liége, 2012, pp. 8 e 37.


19 Tensão e significação, op. cit., p. 125.


20 C. Zilberberg, Elementos de semiótica tensiva, Ateliê Editorial, São Paulo, 2011, pp. 66-72.


21 Cf. E. Landowski, “Modos de presença do visível”, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker, 2004.

Ao falar sobre essas correlações, Zilberberg explica que “entre a intensidade e a extensidade se exerce uma ‘implacável’ correlação inversa, uma ‘lei draconiana’ que entrelaça, de um lado, o impactante e o concentrado, e, de outro, o tênue e o difuso”. De fato, após apresentar as duas correlações como possíveis22, as conversas praticamente desaparecem da teoria, sendo retomadas em poucas análises pelo autor. É que, na concretude dos discursos analisados, geralmente a correlação inversa prevalece. Ou seja, quando um discurso mobiliza o sensível, em geral diminui inversamente o inteligível ; quando mobiliza o inteligível, o faz geralmente às custas de sacrificar o sensível.

22 Elementos..., op. cit., p. 93.

Como vimos, tal relação se impõe, diz Zilberberg, de maneira “implacável”, o que nos leva a compreender que as coerções sociais de produção do sentido projetam correlações inversas, consequência de uma certa previsibilidade no universo discursivo23. As exceções apresentadas nos textos em que as correlações conversas aparecem confirmam a regra : tratam-se de análises em que a confluência entre inteligível e sensível traça no esquema tensivo valores aparentemente inalcançáveis para a ordem de discursos que conhecemos24. Por exemplo, na área da utopia, demarcada no esquema tensivo na intersecção do máximo de intensidade com o máximo de extensidade25. Em outra análise, o autor identifica na mesma área o que ele chama de “valores de apogeu”, indicando que, no entanto, talvez por um “filtro cultural”, a alternância inversa é a que predomina.

Além das duas dimensões que se correlacionam no esquema tensivo (intensidade e extensidade) e as duas subdimensões que cada uma delas articula (andamento e tonicidade para a intensidade, temporalidade e espacialidade para a extensidade), Zilberberg propõe um desdobramento mais detalhado para descrever essas medições de impacto nos discursos. Em primeiro lugar, diferentemente das dimensões, que majoritariamente se correlacionam de modo inverso, as subdimensões se correlacionam de modo converso. Tal lógica determina que uma forte tonicidade sempre virá acompanhada de um andamento acelerado, e vice-versa, e que o aumento ou a diminuição do tempo e do espaço sempre serão percebidos coincidentemente. Cria-se uma “armadilha” em que o analista não teria condições de lidar com ocorrências em que, por exemplo, uma aceleração no andamento não fosse produtora de uma intensificação tônica (ou seja, uma aceleração que, no entanto, é percebida de maneira átona).

23 Desenvolvimento a partir de contribuição de Américo Saraiva, professor de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará, durante banca do exame de qualificação da presente tese, realizada no dia 21/08/2021.


24 Cl. Zilberberg, op. cit., p. 66.


25 Elementos..., p. 69.

Zilberberg desarma essa armadilha projetando as subdimensões da tensividade a partir de uma base previamente identificada com a mobilização do que ele chama de foremas26 (direção, posição e elã)27. O entrecruzamento entre um forema e uma subdimensão, ou subvalência de primeiro nível, projeta uma subvalência derivada28. Tal detalhamento possibilita identificar, por exemplo, os efeitos de sentido produzidos pela entrada de uma grandeza com alta intensidade e baixa extensidade num campo de presença já projetado com elã da rapidez — seria a aceleração de algo que já está rápido. Assim, é possível explicar como uma aceleração no andamento, que inevitavelmente produz uma tonicidade acentuada, seja percebida de maneira átona, uma vez que se parte, de saída, de um elã já apreendido como da rapidez (ou seja, possibilita-se, assim, descrever os efeitos de sentido decorrentes do ato de acelerar o que já está rápido).

26 Phorèmes, em francês.


27 Ibid., p. 74.


28 Cl. Zilberberg, op. cit., p. 50.

Um exemplo clássico do uso dessa ferramenta é o que mede a diferença no esforço empregado entre a abertura de algo que está hermeticamente fechado ou simplesmente fechado29 (o primeiro requer do sujeito um esforço maior). Zilberberg propõe, então, as categorias aspectuais minimização, atenuação, restabelecimento e recrudescimento para explicar os movimentos que uma grandeza pode realizar no esquema tensivo, numa “primeira analítica do sensível”30. E é aqui que aparece uma proposição nem sempre bem compreendida do autor, os incrementos : o menos mais (atenuação) e o mais menos (minimização) para a área do inacento, e o menos menos (restabelecimento) e o mais mais (recrudescimento) para a área do acento31.

29 Ibid., p. 86.


30 Ibid., pp. 79-84.


31 L. Tatit, Passos de semiótica tensiva, op. cit., p. 109.

A ideia é a de que quando uma grandeza está na posição de intensidade e extensidade mínimas, a diminuição do mais atenua aquela grandeza, a diminuição do menos, a restabelece, e, o acréscimo do mais, a recrudesce. No caminho contrário, a grandeza que, no máximo da intensidade e extensidade, recebe menos menos, se restabelece, menos mais, se atenua, e mais menos, se minimiza. Esse detalhamento, motivo de frequentes críticas de que tais operações tornariam a análise semiótica uma espécie de caricatura de uma matematização, é justamente o que permite um refinamento analítico dos fenômenos. Para Tatit, a complexidade desse modelo, com as chamadas “‘unidades de progressão’ (ou ‘incrementos’), o mais e o menos (…)” permite “combinações entre si bastante representativas do nosso imaginário tensivo”32.

32 Ibid., p. 228.

Zilberberg detalha ainda mais as articulações entre os foremas (posição, direção e elã) e as categorias aspectuais (minimização, atenuação, restabelecimento e recrudescimento), na “segunda analítica do sensível”33, propondo uma rede de relações para cada uma das subdimensões (andamento, tonicidade, espacialidade e temporalidade). Tal feito tem como resultado o desdobramento de 12 subvalências de grau dois para cada uma das 4 subdimensões (ou subvalências de primeiro grau). A necessidade de nomear cada um desses pontos resultou em outras 4 redes, que projetam 48 subvalências34. Essa profusão de metatermos pode mais confundir do que ajudar, motivo pelo qual optamos em focar nossos esforços na rede que articula apenas as subdimensões de primeiro nível com os foremas.

33 Elementos..., pp. 84-88.


34 Elementos..., pp. 85-86.

Como vimos até aqui, nos cruzamentos entre intensidade e extensidade, depreendem-se os modos como uma determinada grandeza será percebida no campo de presença do sujeito. Ponto central da semiótica tensiva, o acontecimento fixa-se na intersecção entre o máximo de intensidade e o mínimo de extensidade. Isso significa que o acontecimento tensivo pressupõe que a grandeza entrará no campo de presença do sujeito de modo acelerado, comprimindo a percepção de tempo e espaço, com grande afetação sensorial. Trata-se de uma ruptura sempre concessiva, pois não é esperada. Para que seja considerado acontecimento, no entanto, o evento deve ser intenso o suficiente para abalar o sujeito, tirando dele as competências pragmáticas que o possibilitariam conseguir racionalizar o que acabara de suceder.

 

Na lógica da curva projetada no esquema, e com o auxílio das cifras tensivas, medidas de impacto propostas por Zilberberg, é possível descrever os discursos na modulação entre o acontecimento e seu correlato inverso, o exercício35 (em que há o máximo de extensidade e o mínimo de intensidade). No entanto, ignorando o potencial desse ferramental metodológico, a maioria das análises que se sucederam às proposições de Zilberberg tendem a forçar a identificação de acontecimentos, fazendo um uso estanque do esquema, prendendo-se quase à lógica do quadrado semiótico, em que as categorias são descontínuas.

Consideraremos aqui a proposta de fazer uma leitura do esquema tensivo a partir de graus36 : entre os dois pontos extremos do gráfico tensivo, o acontecimento e o exercício, há uma infinidade de possibilidades abertas pelos recursos que dão conta de apreender o sentido de forma contínua, no intervalo das categorias estanques e que, em geral, não dão conta de explicar a efervescência37 própria da vida humana.

35 Cf. C. Zilberberg, “Louvando o acontecimento”, Galáxia, 13, 2007.


36 Cf. M. de Souza Coutinho e R. Mancini, “Graus de concessão : as dinâmicas do inesperado”, Estudos Semióticos, 16, 2, 2020.


37 Elementos..., p. 72.

3. Diálogos com a sociossemiótica

Menos extensa, a lista de metatermos da sociossemiótica faz parecer que dialoga melhor com a chamada semiótica padrão, expressão com a qual não concordamos uma vez que compreendemos que se tratam — a dita “padrão”, a tensiva e a sociossemiótica — da mesma semiótica, cuja preocupação é propor a descrição da produção de sentido em seus processamentos próprios. A partir das proposições de Greimas em Da Imperfeição, Landowski elabora, inicialmente, uma releitura do nível narrativo do percurso gerativo de sentido38. Leitura essa que vai gradualmente se espraiando por todos os níveis como proposta de uma teoria geral do sentido39.

38 Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.


39 Cf. E. Landowski, “Sociossemiótica : uma teoria geral do sentido”, Galáxia, 27, 2014.

Em primeiro lugar, Landowski faz observar que a semiótica de Greimas tinha reconhecido e descrito somente dois tipos de interações narrativas — a manipulação, amplamente estudada e debatida, cujo princípio é o da intencionalidade (o Destinador quer fazer o destinatário fazer algo, modalizando nele um querer ou um dever) e a programação, implicitamente proposta no famoso estudo da sopa ao pesto40, a qual, como Landowski estabeleceu mais tarde, tem como princípio ativo a regularidade. A esses dois regimes, ele mostra a necessidade de acrescer outros dois que dariam conta de interações não reguladas nem por intencionalidades nem por regularidades. Primeiro, opondo-se ao regime da programação, o regime do acidente, cujo princípio é a aleatoriedade. E, opondo-se ao regime da manipulação, o regime do ajustamento, regulado pela sensibilidade. Tais regimes de interação são, por natureza, associados a regimes de significância e, ao mesmo tempo, eles projetam regimes de risco : na manipulação, o risco limitado e o sentido codificado (os objetos têm uma significação, cuja leitura será feita inteligivelmente por meio de grades culturais, sociais, econômicas, etc.) ; na programação, a segurança e a insignificância ; no acidente, o risco puro e o sem sentido ; no ajustamento, a insegurança e o fazer sentido (apreendido estesicamente, em ato).

40 In Sobre o sentido II, Nankin / EDUSP, São Paulo, 2014.

Esses quatro regimes são colocados em relação em uma elipse que guarda os princípios lógicos da construção do quadrado semiótico (sendo os contrários formados pelo par programação-acidente, e os subcontrários, pelo par manipulação-ajustamento), “substituindo as linhas retas do quadrado semiótico clássico por linhas curvas, fazendo assim aparecer zonas de trânsito em lugar das posições fixas” : “essa forma de apresentação visa a pôr em evidência os processos antes que o sistema que os sustenta”41. Em Passions sans nom, Landowski já explicava que “as passagens entre as diferentes posições se ligam sem quebra de continuidade”42. As posições dos regimes reconhecidos são apenas campos de maior concentração da lógica que sustenta cada regime. A esse respeito, Norma Discini, em estudo que também procurou as aproximações teóricas entre semiótica tensiva e sociossemiótica, propõe que “a definição (...) dos regimes de sentido depende do acento e da tonicidade do estésico imprimidos sobre o semântico”43.

41 Interações arriscadas, op. cit., p. 81.


42 Passions san nom, Paris, Presses Universitaires de France, 2004, p. 204.


43 N. Discini, “Entre interações de risco e tensões do afeto”, Galáxia, 36, 2017, p. 88.

O que diferenciará, por exemplo, a programação do ajustamento é a tensão entre a segurança da lógica da regularidade e a insegurança da lógica da sensibilidade que sustentam respectivamente esses dois regimes. O percurso ao longo da elipse pode ser efetuado partindo de um ou do outro dos contrários :

Primeiro, a partir da zona do acidente rumo a da manipulação e, dali, seguindo até o regime da programação, ponto de chegada provisório. Este último regime, que define um mundo em que prevalecem a ordem, a estabilidade e a continuidade, pode, com efeito, ser considerado, segundo outra perspectiva (aquela adotada (...) em Da Imperfeição), como dado “na origem”. Enxergado deste modo, ele constitui um ponto de partida alternativo. Daí um segundo movimento, que conduzirá desta vez da programação ao ajustamento, e, finalmente, para fechar o circuito, do ajustamento de novo ao regime do acaso e do acidente.44

44 Interações arriscadas, p. 81.

Ainda que a elipse dos regimes tenha se desenvolvido muito desde a publicação original de Interações arriscadas, em 2005, com a inclusão de novos parâmetros que auxiliam a descrição das interações e, em particular, como veremos em breve, os consequentes riscos envolvidos na construção do sentido, as passagens entre os regimes ainda não foram suficientemente exploradas. Todavia, o autor mostrou a possibilidade de uma articulação entre as lógicas de dois regimes distintos quando, ao analisar discursos políticos populistas, propôs a “manipulação por contágio”45. Em “Uma dinâmica interacional complexa”, Yvana Fechini também explora as relações entre os regimes, propondo a ideia de “regimes de base” e “regimes auxiliares”46, lógica semelhante à dos “programas de base” e “programas de uso” da semiótica narrativa de Greimas47.

45 Cf. “La politique-spectacle revisitée : manipuler par contagion”, Versus, 107, 2008.


46 Y. Fechine, “Uma dinâmica interacional complexa”, Acta Semiotica, I, 1, 2021, p. 208.


47 Dicionário de Semiótica, op. cit., pp. 389-390.

Curiosamente, apesar das críticas ao mais mais, menos menos da semiótica tensiva, as passagens entre os regimes de interação nos parecem poder ser explicadas justamente pela identificação do mais ou menos risco envolvido em cada um dos regimes. Olhando para os percursos indicados pelo autor para a movimentação entre os regimes, temos : no primeiro percurso, partindo do acidente para a manipulação (o que envolve uma diminuição atenuada do risco, que passa de puro para controlável) e da manipulação para a programação (ou seja, a minimização do risco, para voltar para as categorias aspectuais propostas por Zilberberg). O segundo percurso partiria do risco zero da programação para a redução dessa segurança, com o restabelecimento de algum risco no ajustamento e, finalmente, o recrudescimento do risco, levando ao acidente.

O primeiro percurso faria, no esquema tensivo, uma passagem brusca da área do acento (em que estão o acidente e o ajustamento) para a área do inacento (onde se encontram manipulação e programação). Já o segundo percurso proporia o caminho inverso, partindo da área do inacento (programação) para a do acento (primeiro para o ajustamento e, depois, para o acidente).

Fazendo um paralelo entre todas essas passagens com as categorias aspectuais tensivas, a manipulação, cujo risco é controlável, passa para a programação na medida em que a regularidade diminui esse risco até a sua total minimização. A passagem da manipulação para o ajustamento se dá por meio de uma diminuição no controle do risco, num restabelecimento e, finalmente, o aumento desse risco crescente, por recrudescimento, promove a passagem do ajustamento para o acidente.

No esquema que segue, as modulações são indicadas a partir de Luiz Tatit, Passos de semiótica tensiva (São Paulo, Ateliê Editorial, 2019, p. 109). Os regimes não ocupam as mesmas posições da elipse, pois aqui não estão sendo levadas em consideração as lógicas do quadrado semiótico.

O nó teórico de tal proposição é a necessária verificação se acidente e acontecimento tem o mesmo estatuto nas duas teorias, uma vez que uma projeção apressada dos percursos identificados até aqui entre os regimes de interação no esquema tensivo levaria a sobrepor ambos os conceitos no mesmo ponto de intersecção do esquema tensivo — aquele em que há o máximo de intensidade e o mínimo de extensidade. Para Landowski, no entanto, o acidente não implica, necessariamente, uma intensificação do sensível. (Para o autor, o acidente se define elementarmente como o simples cruzamento entre dois programas independentes).

O esquema com uma projeção que ainda não leva em consideração as diferenças entre acidente e acontecimento, bem como não reflete sobre a centralidade do ajustamento na teoria sociossemiótica, poderia ser assim representado :

Projeção dos regimes de interação sociossemióticos no esquema tensivo.

 

No esquema, se percebem bem os movimentos aspectuais propostos por Zilberberg e desenvolvidos por Tatit. Partindo da programação, em ascensão, atenua-se o risco e chega-se à manipulação. Dali, um acréscimo de risco faz a passagem para o regime do ajustamento, em que a entrega do sujeito ao sensível, recrudescendo o risco, pode levar ao regime do acidente. Mas ao contrário do acontecimento tensivo, no lugar das fraturas estésicas definidas por Greimas48, a ideia do teórico da sociossemiótica é pensar regimes de interação em que o aleatório não tem nada de sensível (ou em que o sensível não é um componente relevante na produção de sentidos) — e aí estaria o acidente —, ou, ao contrário, interações em que o sensível, por sua vez, nada tem de aleatório, e aí estaria o ajustamento.

48 A.J. Greimas, Da Imperfeição, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2017, pp. 29-73.

Jacques Fontanille afirma que semiótica tensiva e sociossemiótica são diferentes abordagens para o que ele chama de “incidência sintagmática”49. Para nós, no entanto, a centralidade da sociossemiótica não está no acidente, como proposto pelo analista, mas no ajustamento, lugar da inventividade criativa. Em outro artigo, Fontanille projeta o acidente no mínimo de intensidade e extensidade do gráfico tensivo, uma vez que tal regime é “somente um hápax factual que não induz a nenhuma adaptação e, por isso, assemelha-se ao lapso e ao ato falho”50.

De fato, a “incidência sintagmática” que determina o acidente na sociossemiótica é uma incidência que, segundo Landowski, pode passar sem que se preste atenção ao seu absurdo51. Trata-se de um evento que interrompe uma certa programação (por isso, na lógica do quadrado, é seu par contrário), mas que não necessariamente vai mobilizar o sujeito pelo sensível. Tanto assim que Landowski localiza o acidente na zona das coincidências da elipse52, explicitando que não há de fato, nesse regime, uma interação propriamente dita, mas apenas o que ele chama de uma “coincidência” (entre programas independentes).

Na semiótica tensiva, o acontecimento é o sincretismo do máximo de intensidade com o mínimo de extensidade. São aqueles eventos portadores de “impacto”53, em que o sujeito “trocou ‘a contragosto’ o universo da medida pelo da desmedida54. No lugar do que Greimas tratou sincreticamente — sensibilidade e aleatoriedade — e que Zilberberg propõe manter (sendo a sensibilidade representada pelo acento na intensidade, e a aleatoriedade, pela contração do tempo-espaço), Landowski estabelece dois regimes : ajustamento e acidente, “ao mesmo tempo distintos e autônomos apesar dos laços que os unem”55.

49 Cf. J. Fontanille, “Um diálogo imaginário entre Claude Zilberberg e Eric Landowski : em torno do acontecimento, da álea e do acidente”, in C.M. Mendes e G. Lara (orgs.), Em torno do acontecimento : uma homenagem a Claude Zilberberg, Curitiba, Appris, 2016, p. 35.


50 J. Fontanille, “Práticas semióticas : imanência e pertinência, eficiência e otimização”, in M.L. Diniz e J.C. Portela (orgs.), Semiótica e mídia : textos, práticas, estratégias, Bauru, UNESP/FAAC, 2008, p. 55.


51 Interações arriscadas, p. 71.


52 Ibid., p. 100.


53 C. Zilberberg, Elementos..., op. cit., p. 194.


54 Ibid., p. 163.


55 Op. cit., p. 73.

Parece-nos ser possível concluir neste ponto que, apesar de superficialmente parecidos, acontecimento e acidente tem estatutos diferentes e não poderiam ser colocados no mesmo ponto na curva do esquema tensivo. Se, de um lado, o acontecimento sempre vai ter pressuposta a afecção sensível do sujeito, no acidente é perfeitamente possível que o sujeito não perceba sensivelmente nada de diferente. Do que se depreende que todo acontecimento é um acidente, mas nem todo acidente é um acontecimento.

O risco controlado, implicado na estabilidade de uma espacialidade e temporalidade estendidas, e de um andamento lento e uma tonicidade sem acento, garante a inteligibilidade e o controle do processo e sua apreensão na regularidade, que é a lógica regente da programação. Tal regularidade estável projeta uma aspectualidade iterativa — é só na repetição que o observador instalado no discurso tem condições de apreender a narrativa como programação (lugar da minimização). É o lugar enunciativo próprio do Papa no desempenho do papel temático que emerge da regulação institucional. Tanto em semiótica tensiva quanto em sociossemiótica, esse lugar tende a arrefecer os sentidos e se dessemantizar pela monotonia da repetição. Aqui, há uma coincidência entre programação sociossemiótica e exercício tensivo.

Estamos no lugar da tranquilidade discursiva, em que as regularidades temáticas, mesmo aquelas regidas por coerções sociais que se figurativizam em papeis temáticos como o do Papa, são da ordem implicativa — espera-se que o Papa seja o Papa, com tais ou tais atitudes e defesas de tais ou tais posicionamentos e ele confirma essas expectativas em gestos, atitudes e discursos enunciados verbal ou textualmente. Mesmo assumindo posições consideradas inovadoras, o Papa Francisco nunca deixou de ser o Papa, responsável por manter a tradição e a unidade da Igreja Católica.

A manipulação é outro regime que comporta uma estabilidade no processo, mas, no possível diálogo com as cifras tensivas, propomos que a expansão / abertura ou a retenção / fechamento do espaço-tempo, bem como o ritmo do andamento e a intensidade da tonicidade, dependem agora da intencionalidade, lógica que rege tal regime, de um destinador. A aspectualidade é incoativa na medida em que o fazer manipulatório deve ser apreendido como o que dá início ao processo pela instalação de um querer ou um dever no sujeito da ação. Em tal dispositivo, o mundo tem um sentido que deve ser lido a partir da distintividade que o configura56.

Finalmente, o regime do ajustamento é o que se apresenta com tonicidade intensa e andamento, temporalidade e espacialidade modulados de tal modo que seja possível que os sujeitos parceiros da interação se realizem mutuamente57. A aspectualidade é durativa e a relação estabelecida no gráfico tensivo é conversa — quanto mais inteligível, mais sensível, ou vice-versa58.

56 Cf. E. Landowski, “Crítica semiótica do populismo”, Galáxia, 2020, p. 20.


57 Interações arriscadas, p. 52.


58 Elementos..., p. 66.

4. O gesto da benção

Quando olhamos para a imagem do Papa curvado à espera da benção dos fiéis que lotavam a praça de São Pedro, em Roma, no entardecer do dia 13 de março de 2013, a inversão da lógica esperada — ou seja, a que mostraria o Papa abençoando os fiéis curvados na praça, cria um acento de sentido com tonicidade impactante por menor que o gesto possa parecer, pois parte-se de um elã já bastante tônico (a apresentação de um novo Papa). Esse foi o principal gesto do Cardeal Jorge Mario Bergoglio, até então arcebispo de Buenos Aires ao se apresentar na sacada da basílica vaticana após ser eleito sucessor do Papa Bento XVI. “Peço-vos um favor : antes de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim ; é a oração do povo, pedindo a benção para o seu bispo”, disse Francisco, em italiano59.

59 https://bit.ly/2SMjZYq.

O gesto, inesperado, instaura uma pequena quebra no ritual de apresentação de um novo Papa. Tradicionalmente, o cardeal eleito concede uma benção especial aos fiéis presentes na praça e aos que acompanham o momento pelos meios de comunicação. A inversão dos papéis de fiel, sujeito na espera daquela benção, e de pastor, sujeito com competência para conceder aquela benção, está na lógica da concessividade prevista por Zilberberg (apesar de os fiéis esperarem a benção, é o papa quem, antes, pede uma benção).

Ao curvar-se, Francisco potencializa o papel do enunciatário fiel, especialmente o do fiel figurativizado na praça, transferindo-lhe o poder de abençoar o Papa. Juntamente com o acento de sentido tônico imprevisto, o gesto de Francisco constrói-se igualmente com um aumento de extensidade, pois amplia a percepção temporal. É na medida em que o Papa se apresenta, em que ele se deixa conhecer e ser apreendido inteligivelmente pelos fiéis, que igualmente acrescenta sensibilidade ao curvar-se e flagrar-se, no discurso, como um entre outros.

 

Se estabelece, portanto, uma correlação conversa, em que o valor se constrói no campo que Zilberberg chamou de “lugar da utopia60. Tal correlação permite descrever o regime de interação do ajustamento, concebido por Landowski como aquele que faz aparecer uma “inteligência sensível” (uma sensibilidade extensa ou uma extensidade sensível ?) entre os sujeitos da narrativa61. O esperado era que, ao valorizar o sensível, o discurso de Francisco neutralizasse o inteligível, o que não acontece, uma vez que ele habilmente maneja a interação de tal modo que os elementos simbólicos de todo aquele ritual de apresentação do novo Papa dão-se a conhecer por uma grade de leitura que, no entanto, mantem-se igualmente na ordem da sensibilidade.

60 Elementos..., p. 69.


61 Interações arriscadas, p. 47.

No capítulo VI de Passions sans nom, “En deçà ou au-delà des stratégies, la présence contagieuse”, publicado em português em um documento de estudos do Centro de Pesquisas Sociossemióticas com o título Aquém ou além das estratégias, a presença contagiosa, Landowski fornece as bases com as quais desenvolveria o regime do ajustamento a partir da articulação dos conceitos de contágio e estesia. No artigo, ele explica que,

no teatro por exemplo, podemos ver grupos inteiros de sujeitos patêmicos rindo ou chorando em um mesmo elã, emudecendo juntos de surpresa ou tremendo de medo, comungando por um momento da mesma alegria ou do mesmo desespero figurado diante deles por meio do discurso e do corpo dos atores na cena. Experiência estética e estésica partilhada, a participação no ato dramático instaura então uma comunidade viva entre os espectadores, fundada em uma proximidade sentida que une os corpos-sujeitos62.

62 Aquém ou além das estratégias, a presença contagiosa, São Paulo, Estação das Letras e Cores - Centro de Pesquisas Sociossemióticas, 2005, pp. 36-37.

Ao curvar-se e pedir a benção dos fiéis que esperavam a benção dele, Francisco instala-se sensivelmente no campo de presença dos seus enunciatários, que são desafiados a assumir a “voz” do discurso no gesto de abençoar. Cria-se um impacto ascendente que provoca surpresa. O que se vê, então, é o emudecimento da multidão, como prevê Landowski. Não é mais uma relação mediada. Eles não estão apenas manipulados pelo pedido do Papa. Os corpos de enunciador e enunciatário estão articulados na interação, produzindo um novo sentido em ato. Essa interação, cuja tonicidade e o andamento crescem na mesma medida em que se expandem o tempo e o espaço (o gesto rompe, mas é lento e se estende numa temporalidade e numa espacialidade que garantem a manutenção do inteligível), é da ordem da concessão tensiva, numa curva conversa e pode ser percebida como um ajustamento na perspectiva sociossemiótica.

A saudação do novo Papa na sacada da Basílica de São Pedro é a conclusão de um programa narrativo mais amplo, com etapas que garantem unidade rítmica ao rito : instala-se a surpresa da fumaça branca que anuncia a eleição, segue-se uma espera maior até que se revele o nome do cardeal eleito, a sacada recebe ornamentos e, finalmente, no ápice da narrativa, as cortinas se abrem, como num teatro, para que o novo Papa apareça. Entre a fumaça branca e a abertura triunfal das cortinas, há um acréscimo de tonicidade que coincide com o aumento temporal. Quanto mais a espera se prolonga, mais intensa é a expectativa dos fiéis na praça.

Esse momento de mise-en-scène constrói um cenário institucional, garantindo a veridicção da tradição (o anúncio é feito ainda em latim, por exemplo). A Igreja aparece como co-Destinador do papel temático “Papa”, prescrevendo todo o ritual, os objetos, o lugar, os paramentos e mesmo o tempo e o andamento em que tudo acontece. Ao assumir a nova função, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio deixa marcas pessoais, inclusive as das fragilidades do seu próprio corpo, que, sincretizadas com as marcas da Igreja, projetam seu ethos63.

63 Cf. R. Alves, Habemus Papam : eleição papal nas coberturas midiáticas de jornais paulistas, de Leão XIII (1878) a Francisco (2013), Dissertação de Mestrado, PUC-SP, São Paulo, 2017, p. 262.

Frame do vídeo da primeira saudação do Papa Francisco, logo após ser eleito. O novo Papa se curva e pede uma benção aos fiéis, que se ajustam sensivelmente ao corpo do pontífice. Cria-se uma “inteligência sensível” entre os dois sujeitos (Papa e fiéis), aumentando na mesma proporção a inteligibilidade e a sensibilidade tônica da interação. (Fonte : Youtube)

Se a sociossemiótica nos ajuda a reconhecer que o Papa Francisco, em sua apresentação pós-eleição, projeta valores que deslizam entre a programação do rito e o ajustamento dos seus gestos, que mobilizam sensivelmente os parceiros na interação, a semiótica tensiva nos possibilita explicar que essa passagem entre um regime e outro se dá por meio do restabelecimento. Francisco deixa a zona da segurança da regularidade restabelecendo o sensível, o que amplia as possibilidades de construção do sentido e tiram o Papa do conforto da segurança. Saímos da constelação da prudência (cujo paralelo na semiótica tensiva pode ser chamado de área do inacento) para a constelação da aventura (correspondente à área do acento).

Como o Papa, no entanto, mantém o controle do inteligível, não abrindo possibilidade para nenhuma ruptura com a tradição da Igreja Católica, propomos que o restabelecimento do sensível, ou do risco, nessa passagem entre a programação e o ajustamento, aconteça pelo que Zilberberg chama de “retomada”, ou seja “a retirada de pelo menos um mais”, sem que isso leve ao risco de um recrudescimento por “saturação” (“acréscimo de mais de um mais”)64, o que implicaria no acidente. Propomos a representação gráfica abaixo para mostrar como as categorias aspectuais, enquanto cifras tensivas, se articulariam na elipse dos regimes de interação.

64 Elementos..., p. 60.

5. Uma presença sensível

Coerentes com a proposta geral de uma epistemologia baseada na gradualidade e na complexidade, Landowski e Zilberberg tratam o conceito de presença de maneira igualmente modular. Interessante constatar que tal conceito, fundamental nos debates mais contemporâneos da teoria, não teve uma introdução fácil na semiótica. “Quando me atrevi pela primeira vez a pronunciar diante de Greimas esta palavra, ‘presença’, termo então tabu entre os semioticistas, ele exclamou : ‘Presença ? Landowski estaria virando místico ?’”, revela o proponente da sociossemiótica na contracapa de um dos seus mais recentes livros, Com Greimas65. Um sobrevoo sobre as principais obras de Landowski e Zilberberg permite constatar semelhantes pontos de vista de ambos a respeito da importância e do papel do conceito de presença em semiótica. Ele dá o título de um dos ensaios de sociossemiótica de Landowski, Presenças do Outro. E constitui o tema de um capítulo do livro de Zilberberg e Fontanille, Tensão e significação, capítulo em que eles introduzem a ideia do “campo de presença”, espécie de arena perceptiva “considerada como o domínio espácio-temporal em que se exerce a percepção”66.

65 Com Greimas. Interações semióticas, São Paulo, Estação das Letras e Cores / CPS, 2017.


66 Tensão e Significação, São Paulo, Humanitas, 2001.

Mas seria possível falar em uma “presença sensível” do Papa Francisco ? Afinal, toda presença não é, de algum modo sensível ? Nos valemos aqui de uma gradação que tanto Zilberberg quanto Landowski propõem para pensar o conceito de presença. Em Modos de presença do visível, Landowski descreve a distinção entre “diferentes modalidades da presença”67. Do mesmo modo, Zilberberg também modula o conceito, diferenciando a presença, tônica, da existência, átona68.

Para Landowski, há uma presença que só merece ser citada superficialmente, pois descreve a simples inserção de um dado objeto, ou sujeito, no campo de percepção de um parceiro da interação. Suas qualidades sensíveis não mobilizam a interação. Seria o conceito de existência proposta por Zilberberg — uma presença átona, quase sem sentido. Ao acentuar essa existência, o sujeito a torna, de fato, uma presença significativa69. Landowski distingue, ainda, outros modos intermediários dessa presença, passando inclusive por aquela em que o sujeito classifica e lê o parceiro, não tirando daquela presença qualquer potencialidade estésica.

67 “Modos de presença do visível’, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker / CPS, 2004, p. 111.


68 C. Zilberberg, “De l’affect à la valeur”, in M. Castellana (org.), Texte et valeur, Paris, L’Harmattan, 2001, p. 55.


69 Cf. E. Landowski, “Présence à soi, présence au monde”, Présences de l’autre, Paris, P.U.F., 1997, pp. 89-94 e 109.

Em Francisco, falamos de uma presença sensível, pois compreendemos, como procuramos descrever ao analisar sua apresentação pós conclave, que se trata de uma existência acentuada, tônica, e, portanto, uma presença que faz sentido em ato, na parceria da interação.

A imagem de qualquer Papa tem um sentido simbólico, e portanto inteligível, muito explícito. A batina branca, a cruz no peito, o anel no dedo, são todos elementos facilmente reconhecíveis mesmo por aqueles que não são católicos. Reconhecíveis e imediatamente relacionados com a identidade do líder da Igreja Católica. Assim também o são os rituais que envolvem diretamente a figura do Papa — ou, melhor dito, o corpo do Papa.

A Igreja Católica cuidou de construir ao longo dos séculos a imagem do Papa como a de sucessor do apóstolo São Pedro, pescador convertido em “pescador de homens” (Mt, 4,19). Logo nos primeiros anos após a morte de Jesus, historiadores ligados à Igreja já deixavam registros da linha sucessória que unia os homens que foram ocupando a função ao apóstolo. Essa construção está explícita, por exemplo, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, que exibe uma série de retratos que, desconsiderando todos os percalços, lacunas e disputas em torno do trono de Pedro, traça uma linha contínua e organizada entre Pedro, primeiro Papa, e Francisco, 266º da lista.

Esses são elementos distintivos (a cruz, a batina...) e regulares (as permanências do rito, a sequência dos Papas) com os quais o outro que interage com o Papa mantem relações sobretudo de leitura e reconhecimento inteligível. A apresentação de Francisco logo após sua eleição, em março de 2013, não deixou de contar com esses símbolos. O conclave, evento em que cardeais do mundo todo se reúnem para, trancados “com chave” na Capela Sistina, escolher o novo Papa, é um rito que se mantem sem grandes mudanças desde pelo menos os anos 1200.

Mas além, ou ao lado dessa presença “legível” do Papa Francisco, tem também a sua presença sentida, “contagiosa”. Se o Papa contagia pela gestualidade e proxêmica, também o faz pelas escolhas discursivas. No lugar de sermões ininteligíveis para a maior parte dos fiéis que conhecem pouco ou nada das proposições teológicas, Francisco escolhe figuras da vida comum para dar corpo a temas sociais complexos, aparentemente distantes do interesse religioso, como a pobreza causada pela globalização ou o perigo da indústria armamentista na gênese de novas guerras. Aliados, corpo e discurso reiteram um acento no aspecto sensível, estésico, configurando uma identidade concessiva.

Ao escolher a cidade de Lampedusa, ilha ao sul da Itália conhecida por ser a porta de entrada da Europa para refugiados vindos da África, como o destino de sua primeira viagem em julho de 2013, menos de três meses após ter sido eleito Papa, Francisco indicava a opção por uma Igreja que ele passou a chamar “acidentada”70. Na ocasião, afirmou que as frequentes notícias sobre mortes de refugiados afogados ao mar eram como “espinho no coração que faz doer”71. Sete anos depois, em outubro de 2020, na encíclica “Fratelli tutti”, ele desejava, “ardentemente”, que “neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade”.

70 “(...) prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”. Papa Francisco, Evangelii Gaudium, exortação apostólica sobre o anúncio do evangelho no mundo atual, Vaticano, 2013 (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html).


71 Homilia do Papa Francisco durante “Missa pelas vítimas dos naufrágios”, Lampedusa, 8 jul. de 2013 (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130708_omelia-lampedusa.html).

A projeção de uma sociedade utópica é tema constante das falas do Papa Francisco. Aliado a um modo de habitar o mundo, que projeta um corpo próprio, é possível também que os fiéis estabeleçam com ele uma relação “corpo a corpo”, mesmo nas interações mediadas pelas redes sociais oficiais de Francisco (especialmente a página do Papa no instagram). Em geral, elas trazem imagens que dão a ver o Papa em constantes “flagrantes” de gestos carinhosos e afetuosos com fiéis e autoridades que ele encontra nas mais variadas situações. São exemplares dessas imagens aquelas em que ele toca e abraça doentes em estado avançado de feridas no corpo. Também são exemplares aquelas fotografias em que Francisco mostra-se beijando e se deixando beijar por crianças e idosos. O corpo frágil, que naquela aparição inicial pós eleição poderia ter projetado um sentido de senilidade ou mesmo de fora de moda, homologa-se a um efeito de ancestralidade familiar. Ao ver essas imagens, tem-se a sensação de que o Papa é alguém da família com que se deseja estar para receber aquele carinho.

Conclusão

Ao apresentar o Dicionário II, Greimas e Courtés criticavam o que chamavam de atração pelas profundezas, “mal misterioso que assombra muitos semioticistas”. Os autores recordam que o percurso gerativo de sentido já prevê diferentes níveis de abstração. Aprofundar problemáticas não significa ter que colocá-las todas no nível profundo ou até criar níveis ainda mais profundos para as análises72. Fugindo deste “mal mystérieux”, nosso estudo parte da ideia de que a elipse das interações e o esquema tensivo constituem complementos, não incompatíveis entre si, da gramática narrativa elaborada por Greimas. Não nos interessa aqui colocar esses modelos teóricos aquém ou além do percurso gerativo de sentido, mas integrá-los a ele, como, aliás, nos parece ser a intenção de Landowski e de Zilberberg.

Ao proporem uma semiótica das variações no lugar de uma semiótica das diferenças, Landowski e Zilberberg ampliam as possibilidades de análise do sensível nos discursos. A prevalência do sensível em ambos é uma possibilidade bastante remota, mas sempre euforizada — Zilberberg usa figuras como “apogeu”73, “utopia”74 e “sujeito extático”75. E, por seu lado, Landowski fala de uma “inteligência sensível”76.

72 A.J. Greimas e J. Courtés (orgs.), Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage II, Paris, Hachette, 1986.


73 La estrutura tensiva, p. 66.


74 Elementos..., p. 69.


75 C. Zilberberg, “Esquisse d’une grammaire du sublime chez Longin”, Langages, 200, 1999, p. 110.


76 Interações arriscadas, p. 47.

Ao romper o programado, ou o esperado, Francisco instala um eu aberto a interações mais sensíveis, mais arriscadas, mas, em contrapartida, mais abertas a novos sentidos. Apresentando as possibilidades metodológicas de articulação entre semiótica tensiva e sociossemiótica, descrevendo como as cifras tensivas podem aumentar o rendimento analítico da elipse dos regimes de interação, nossa pesquisa se abre para o desafio de olhar internamente para esses regimes, como se os submetêssemos à lente de uma lupa.

Seria possível identificarmos, por exemplo, uma manipulação desacelerada ? Ou um acidente átono ? Uma programação tônica que, por “progressão” (“retirada de mais de um menos”), implicaria em um acidente, este por sua vez recrudescido por “ampliação” ou por “saturação” ? Essas operações, que Zilberberg chama de “uma aritmética tensiva”77, dialogariam com o que Landowski descreve como duas formas de cada um dos regimes (regularidade causal ou simbólica, para a programação, probabilidade mítica ou matemática, para o acidente, motivação consensual ou decisória, para a manipulação, e sensibilidade perceptiva ou reativa, para o ajustamento) ? São questões que nos guiarão em pesquisas futuras.

Desde logo, porém, a possibilidade de usarmos articulados conceitos da semiótica tensiva e da sociossemiótica, tirando de cada uma delas suas operacionalidades próprias, nos parece ser uma contribuição relevante na proposição de diálogo das duas vertentes teóricas. Embora tenham sido tomadas como rivais ao longo da história, procuramos descrever neste artigo como elas podem ser metodologicamente complementares.

77 Elementos…, p. 60.


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1 Sobre a incorporação do ethos nos estudos de semiótica, ver N. Discini, Corpo e estilo, São Paulo, Contexto, 2015.

2 Cf. E. Landowski, Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

3 Cf. C. Zilberberg, Elementos de Gramática Tensiva, São Paulo, Ateliê Editorial, 2011.

4 “Diferença e variação : um encontro permitido, uma articulação necessária”, in A.C. de Oliveira (org.), Caderno de discussões do IX Colóquio do Centro de Pesquisas Sociossemióticas, São Paulo, Edições CPS, 2003.

5 Le Discours de l’ETA. Un terrorisme à l’épreuve de la sémiotique, Limoges, Lambert-Lucas, 2005.

6 J. Alonso e F. Montanari, “Por una sociossemiótica tensiva : La figura del ‘ultimátum’”, Revista del Centro de Ciencias del Lenguaje (México), 19-20, 1999, p. 116.

7 Ibid., p. 117.

8 J. Fontanille e C. Zilberberg, Tensão e significação, São Paulo, Humanitas, 2001, p. 109.

9 L. Tatit, Quantificações Subjetivas: Crônicas e Críticas, Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo, 42, 2011, pp. 35-50.

10 Enquanto o CPS, colocado na PUC-SP, onde fiz meu mestrado sob orientação da Profª. Dra. Ana Claudia de Oliveira, adota a sociossemiótica como linha principal, o Departamento de Linguística da FFLCH-USP, onde fiz meu doutorado sob orientação da Profª. Dra. Norma Discini, tem a semiótica tensiva como principal escolha.

11 E. Landowski, “Diferença e variação : um encontro permitido, uma articulação necessária”, art. cit.

12 Cf. E. Landowski, “Petit manifeste sémiotique”, Actes Sémiotiques, 120, 2017.

13 Medidas de impacto relativo ao “grau relativo de tonicidade e andamento, bem como o seu grau de abrangência num dado universo”, in L. Tatit, Passos de semiótica tensiva, Teliê Editorial, São Paulo, 2019. Trata-se das medidas de tonicidade e andamento (intensidade) e suas intersecções com temporalidade e espacialidade (extensidade) de uma grandeza que entra no campo de presença.

14 A.J. Greimas e J. Courtés, Dicionário de Semiótica (1979), São Paulo, Contexto, 2016.

15 J. Fontanille e Cl. Zilberberg, Tensão e significação, São Paulo, Humanitas, 2001. O original em francês foi publicado em 1998 mas, antes disso, Zilberberg já trabalhava numa proposta tensiva em textos individuais (por exemplo, Essai sur les modalités tensives (Amsterdam, Benjamins, 1981).

16 Tatit explica que Zilberberg “deixou de lado diversas categorias que pareciam fundamentais quando foram criadas — entre elas, a noção do ‘fazer missivo’ (…), e a refinada classificação dos tempos como ‘cronológico’, ‘ritímico’, ‘mnésico’ e ‘cinemático’”(Passos de semiótica tensiva, op. cit., p. 115).

17 Segundo os tradutores de Elementos de semiótica tensiva, optou-se por traduzir “parvenir” por “pervir” (termo não mais em circulação no português brasileiro atual) porque ambas as palavras procedem de uma mesma raiz latina, pervenire. Eles registram, ainda, que no século 14, pervir significava “chegar de um ponto a outro, chegar ao fim” (p. 271), mesma acepção do termo em francês. Ou seja, uma grandeza pode entrar de modo processual, de um ponto a outro, ou sobrevir, imprevisivelmente, no campo de presença do sujeito.

18 Cl. Zilberberg, La structure tensive. Suivi de Note sur la structure des paradigmes et de Sur la dualité de la poétique, Liége, Presses universitaires de Liége, 2012, pp. 8 e 37.

19 Tensão e significação, op. cit., p. 125.

20 C. Zilberberg, Elementos de semiótica tensiva, Ateliê Editorial, São Paulo, 2011, pp. 66-72.

21 Cf. E. Landowski, “Modos de presença do visível”, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker, 2004.

22 Elementos..., op. cit., p. 93.

23 Desenvolvimento a partir de contribuição de Américo Saraiva, professor de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará, durante banca do exame de qualificação da presente tese, realizada no dia 21/08/2021.

24 Cl. Zilberberg, op. cit., p. 66.

25 Elementos..., p. 69.

26 Phorèmes, em francês.

27 Ibid., p. 74.

28 Cl. Zilberberg, op. cit., p. 50.

29 Ibid., p. 86.

30 Ibid., pp. 79-84.

31 L. Tatit, Passos de semiótica tensiva, op. cit., p. 109.

32 Ibid., p. 228.

33 Elementos..., pp. 84-88.

34 Elementos..., pp. 85-86.

35 Cf. C. Zilberberg, “Louvando o acontecimento”, Galáxia, 13, 2007.

36 Cf. M. de Souza Coutinho e R. Mancini, “Graus de concessão : as dinâmicas do inesperado”, Estudos Semióticos, 16, 2, 2020.

37 Elementos..., p. 72.

38 Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

39 Cf. E. Landowski, “Sociossemiótica : uma teoria geral do sentido”, Galáxia, 27, 2014.

40 In Sobre o sentido II, Nankin / EDUSP, São Paulo, 2014.

41 Interações arriscadas, op. cit., p. 81.

42 Passions san nom, Paris, Presses Universitaires de France, 2004, p. 204.

43 N. Discini, “Entre interações de risco e tensões do afeto”, Galáxia, 36, 2017, p. 88.

44 Interações arriscadas, p. 81.

45 Cf. “La politique-spectacle revisitée : manipuler par contagion”, Versus, 107, 2008.

46 Y. Fechine, “Uma dinâmica interacional complexa”, Acta Semiotica, I, 1, 2021, p. 208.

47 Dicionário de Semiótica, op. cit., pp. 389-390.

48 A.J. Greimas, Da Imperfeição, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2017, pp. 29-73.

49 Cf. J. Fontanille, “Um diálogo imaginário entre Claude Zilberberg e Eric Landowski : em torno do acontecimento, da álea e do acidente”, in C.M. Mendes e G. Lara (orgs.), Em torno do acontecimento : uma homenagem a Claude Zilberberg, Curitiba, Appris, 2016, p. 35.

50 J. Fontanille, “Práticas semióticas : imanência e pertinência, eficiência e otimização”, in M.L. Diniz e J.C. Portela (orgs.), Semiótica e mídia : textos, práticas, estratégias, Bauru, UNESP/FAAC, 2008, p. 55.

51 Interações arriscadas, p. 71.

52 Ibid., p. 100.

53 C. Zilberberg, Elementos..., op. cit., p. 194.

54 Ibid., p. 163.

55 Op. cit., p. 73.

56 Cf. E. Landowski, “Crítica semiótica do populismo”, Galáxia, 2020, p. 20.

57 Interações arriscadas, p. 52.

58 Elementos..., p. 66.

59 https://bit.ly/2SMjZYq.

60 Elementos..., p. 69.

61 Interações arriscadas, p. 47.

62 Aquém ou além das estratégias, a presença contagiosa, São Paulo, Estação das Letras e Cores - Centro de Pesquisas Sociossemióticas, 2005, pp. 36-37.

63 Cf. R. Alves, Habemus Papam : eleição papal nas coberturas midiáticas de jornais paulistas, de Leão XIII (1878) a Francisco (2013), Dissertação de Mestrado, PUC-SP, São Paulo, 2017, p. 262.

64 Elementos..., p. 60.

65 Com Greimas. Interações semióticas, São Paulo, Estação das Letras e Cores / CPS, 2017.

66 Tensão e Significação, São Paulo, Humanitas, 2001.

67 “Modos de presença do visível’, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker / CPS, 2004, p. 111.

68 C. Zilberberg, “De l’affect à la valeur”, in M. Castellana (org.), Texte et valeur, Paris, L’Harmattan, 2001, p. 55.

69 Cf. E. Landowski, “Présence à soi, présence au monde”, Présences de l’autre, Paris, P.U.F., 1997, pp. 89-94 e 109.

70 “(...) prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”. Papa Francisco, Evangelii Gaudium, exortação apostólica sobre o anúncio do evangelho no mundo atual, Vaticano, 2013 (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html).

71 Homilia do Papa Francisco durante “Missa pelas vítimas dos naufrágios”, Lampedusa, 8 jul. de 2013 (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20130708_omelia-lampedusa.html).

72 A.J. Greimas e J. Courtés (orgs.), Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage II, Paris, Hachette, 1986.

73 La estrutura tensiva, p. 66.

74 Elementos..., p. 69.

75 C. Zilberberg, “Esquisse d’une grammaire du sublime chez Longin”, Langages, 200, 1999, p. 110.

76 Interações arriscadas, p. 47.

77 Elementos…, p. 60.

 

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Résumé : Cet article propose une articulation entre les appareils théoriques et méthodologiques de la sémiotique tensive (Cl. Zilberberg) et de la socio-sémiotique (E. Landowski). Cela en vue de rendre compte de la présence sensible, « contagieuse », du pape François face aux fidèles — présence à la fois corporelle au sens littéral, avec sa gestuelle, et présence qui émerge de sa parole. La socio-sémiotique et la sémiotique tensive procèdent l’une et l’autre du même défi : intégrer la dimension sensible à la theorie sémiotique de Greimas. Avec le sensible s’ouvre une problématique du continu qui concerne aussi bien la dynamique des rapports entre régimes interactionnels, en socio-sémiotique, que les variations d’intensité pris en compte par le schéma tensif. L’hypothèse de la présente recherche est que la modélisation tensive peut aider à mieux comprendre comment on passe d’un régime d’interaction à un autre.


Resumo : O artigo propõe uma articulação entre os aparatos teóricos e metodológicos da semiótica tensiva (Cl. Zilberberg) e da sociossemiótica (E. Landowski) para compreender a presença sensível, “contagiosa”, do Papa Francisco no mundo – seja por meio do corpo do pontífice, no sentido literal,, com suas gesticulações, seja o corpo que emerge dos discursos que ele produz. Apesar de rivais nas práticas acadêmicas, sociossemiótica e semiótica tensiva nascem a partir do desafio de integrar o sensível na semiótica de perspectiva greimasiana. Com o sensível, abre-se espaço para o contínuo tanto nos deslizes entre os regimes de interação quanto nas relações conversas e inversas do gráfico tensivo. A hipótese da pesquisa é de que as cifras tensivas podem ajudar as passagens entre os regimes sociossemióticos.


Abstract : This article proposes a link between the theoretical and methodological apparatus of tensive semiotics (Cl. Zilberberg) and sociosemiotics (E. Landowski). The aim is to account for the sensitive, “contagious” presence of Pope Francis in front of the believers — a presence that is both corporeal in the literal sense, with his gestures, and a presence that emerges from his words. Socio-semiotics and tensive semiotics both take up the same challenge : to integrate the sensitive dimension into Greimas’s semiotic theory. Sensibility opens up a problematic of continuity that concerns both the dynamics of relations between interactional regimes in socio-semiotics and the variations in intensity taken into account by the tensive schema. The hypothesis of this research is that tensive modelling can help us to better understand how we move from one interactional regime to another.


Mots clefs : accident, ajustement, sémiotique tensive, socio-sémiotique, utopie.


Auteurs cités : Juan Alonso, Mariana Coutinho, Norma Discini, Raúl Dorra, Yvana Fechine, Jacques Fontanille, Algirdas J. Greimas, Eric Landowski, Renata Mancini, Federico Montanari, Luiz Tatit, Claude Zilberberg.


Plan :

Introdução

1. O interacional e o tensivo

2. A metalinguagem tensiva

3. Diálogos com a sociossemiótica

4. O gesto da benção

5. Uma presença sensível

Conclusão

 

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Recebido em 29/07/2023. / Aceito em 22/10/2023.