III, 6, 2023

Editorial

 

Publié en ligne le 23 décembre 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n6.64706
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Preparada e publicada no contexto de uma atualidade mundial particularmente inquietante, a presente edição confirma a dupla vocação de Acta Semiotica : desenvolver a teoria semiótica enquanto tal e, ao mesmo tempo, pensar semioticamente o mundo em crise no qual vivemos. Os dois aspectos são inseparáveis.

Mesmo o artigo mais puramente teórico entre os quase vinte que seguem, aquele de Rafael Alves, que confronta de modo altamente técnico duas abordagens, a tensiva e a interacional, leva à análise de uma figura que cumpre hoje um papel de primeiro plano na cena política internacional : o papa Francisco. Inclusive o livro de Anna Maria Lorusso, do qual publicamos um extrato sobre o senso comum — um assunto atemporal — é, « a seu modo, um livro de intervenção », concebido pela autora « como uma reflexão filosófica e semiótica sobre a atualidade ». Ao mesmo tempo que reflexões teóricas, esses dois textos são, portanto, trabalhos engajados.

Simetricamente, o artigo mais político desta edição, o de Claude Calame, que lida a favor de uma semiótica ecossocialista, é alicerçado numa rigorosa análise semiótica, e crítica, das relações entre humanidade e meio ambiente. O de Kati Caetano, que trata da luta de emancipação das mulheres indígenas na Amazônia, articula-se a partir da problemática sociossemiótica da alteridade e da teoria das « formas de vida ». O estudo de Tiziana Migliore a respeito da forma de revolta política manifestada pela transformação dos muros de separação entre territórios (notadamente entre Gaza e a potência que a oprime) em um suporte de « murales » que denunciam a opressão é inspirada pelos trabalhos de Jean-Marie Floch, assim como de Manar Hammad sobre privatização do espaço. O trabalho de Elder Cuevas, Sebastián Moreno e Eduardo Yalán, trabalho eminentemente político pois concerne o papel atribuído ao « povo » nos discursos populistas, remete à perspectiva semio-política traçada outrora por Eliseo Verón. E nossa própria contribuição a propósito da « barbárie », inspirada pela atualidade mais trágica, o martírio de Gaza, deriva diretamente de nossa definição teórica do regime interacional do « assentimento », com seu complementar, a revolta.

Menos diretamente engajados em termos políticos, três outros artigos abordam zonas críticas de uma cultura « pós-moderna » em busca de si mesma, até sobre planos em aparência mais derrisórios. Quer se trate dos avatares da Coca-Cola, interpretados por Alain Perusset, da « revolução » gastronômica esperada pelos defensores da entomofagia (o consumo de insetos), analisada por Ilaria Ventura Bordenca, ou do leque de respostas possíveis à « urgência », este leit-motiv da sociedade de hoje, que comparamos sob o nome de « cronopolíticas », estas três contribuições são, no fundo, outras tantas críticas semióticas dos estilos de vida contemporâneos. Dirigindo o olhar rumo a época neolítica, Manar Hammad é notavelmente uma exceção. Mas os esclarecimentos que ele traz a respeito da origem da relação de posse e do direito de propriedade ajuda a entender as razões profundas do impasse que conhecemos hoje, na era do que Claude Calame chama não de antropoceno, mas, com maior precisão, e exatidão, de capitaloceno.

Ficam por fim, distribuídos entre as diversas secções, artigos com visada mais puramente teórica : além dos de Rafael Alves e Anna Maria Lorusso já mencionados, são os textos de Jacques Fontanille, Giulia Ceriani, Franciscu Sedda, Paolo Demuru e o nosso sobre o porquê e o como da « mudança », assim como o de Jean-Paul Petitimbert relativo às metamorfoses do quadrado semiótico. Esta última série de contribuições mostra que a semiótica não acabou de se desenvolver enquanto disciplina sempre em construção, a serviço de engajamentos semioticamente fundados face aos desafios de nosso tempo.


Eric Landowski

 

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