Analyses et descriptions

Cronopolíticas*

Eric Landowski
Paris, CNRS
São Paulo, PUC-SP (CPS)

 

Publié en ligne le 23 décembre 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n6.64720
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Introdução

Dada a finitude de nossos espaços familiares, quer se trate, por exemplo, das prateleiras de uma biblioteca ou de um vagão do metrô, num dado lugar há sempre um limite de preenchimento. A partir de um certo limite, não é possível fazer entrar mais livros, ou mais viajantes. Como se diz, está lotado. Ora, coisa à primeira vista um pouco estranha, também sobre a dimensão temporal somos tributários de uma limitação desse gênero. Temos mil coisas para fazer. Cada uma delas exige um certo tempo. O resultado bem conhecido é que, no tempo do qual dispomos, é impossível cumprir todas. A partir de um certo número de tarefas, não cabem mais fazeres no prazo considerado. Assim, o tempo, tanto quanto o espaço — ou, talvez, ainda mais — nos aperta, nos comprime, nos oprime impiedosamente. Nessas condições, para não ser avaro com o tempo — já que, de qualquer modo, ele nos falta — proponho passar um pequeno momento roubado ao Tempo tentando imaginar como se poderia teorizar, modelizar ou ao menos conceitualizar essa relação com um tempo limitado. Que significa “urgência” no plano cotidiano e sócio-profissional, e talvez mesmo existencial ? Como viver nosso tempo — a partir de que princípios — se quisermos fazê-lo significar algo ?

1. Quadro conceitual

Façamos, para começar, como se faz na escola : i) reunir uma série de casos-tipo comparáveis ao mesmo tempo entre si e com a nossa condição de pessoas sempre apressadas ; ii) buscar depreender o que distingue ou aproxima esses casos no plano de certos princípios mais gerais. Não é necessário ser um expert em semiótica tensiva para saber que o nó dramático de nossa situação se atém à tensão que nasce quando uma variável quantitativa cresce desmedidamente com relação a uma constante contra a qual nada se pode fazer — no caso, quando se acumulam muitas coisas a fazer e que dispomos apenas de um lapso do tempo estritamente delimitado para cumpri-las.

1.1. Pequena sêmio-física do excesso

A fim de comparar, vejamos primeiramente o que acontece no plano espacial quando se atinge um limite crítico do mesmo gênero. Para isso, imaginemos contextos que poderiam fazer o objeto de uma inédita “sêmio-física” do excesso com relação aos quatro elementos (o ar, a terra, a água, o fogo).

i) Na garagem : Excesso de ar injetado no pneu : é a explosão (idem no caso da rã que explode ao querer se fazer maior que o boi) : quando um contentor — um recipiente qualquer — não resiste à pressão crescente que sobre ele exerce a acumulação ou a dilatação dos elementos que ele contém, ele estoura, voa em pedações e desaparece como tal, deixando seu conteúdo se dispersar, ou seja, desaparecer ele também, enquanto conteúdo.

ii) Na praça : Excesso de carros : é o engarrafamento. Aqui, ao contrário, o contentor resiste ao acúmulo : permanece o que ele é (o adensamento do tráfego não faz aumentar nem, a fortiori, explodir o perímetro terrestre da via) ; melhor ainda, reforça-se ao se encerrar sobre si mesmo (congestionamentos em todas as saídas fazem dele, pouco a pouco, um espaço fechado) ; como consequência, o que se transforma é o conteúdo : com a fluidez da circulação diminuindo em razão do bloqueio progressivo dos carros uns sobre os outros, mais automobilistas entram no local, menos, finalmente, ele contém de autos móveis.

iii) Nos cais : Excesso de água no leito do rio : é a inundação. De novo, o contentor conserva sua forma e resiste ; mas pelo fato de que não constitui um volume fechado ou, como a praça, suscetível de se auto-trancar, não dispõe de qualquer meio de pressão que lhe permitiria densificar seu conteúdo ; nessas condições, não podendo conter além de sua capacidade, deixa o excedente transbordar e se espalhar para o exterior, como, por assim dizer, um conteúdo sem contentor.

iv) Em domicílio : Excesso de aparelhos elétricos em funcionamento : é a extinção geral porque os fusíveis saltam. Aqui, é a intensidade máxima do fluxo suportável pela instalação que faz o trabalho de contentor comportando um limite, mensurável em amperes, e cuja ultrapassagem provoca automaticamente o apago, o desligamento, da corrente, cortando o circuito. Não se brinca com fogo.

Melhor que todas as configurações precedentes, é esta a que nos convém. Basta lhe transpor os termos para nos reconhecermos aí :

iv’) Na agenda do pesquisador : Excesso de compromissos aceitos, de artigos prometidos, de textos para ler antes das chamadas férias, excesso de colóquios, de cursos, de teses, de encontros etc. daqui até o final do mês, último prazo : é a pane que ameaça devido ao excesso de stress, ao “burnout”, à exaustão.

A dimensão, temporal, desta vez, do contentor (a porção de tempo disponível) está estritamente fixada. Não é extensível. Por consequência, quanto mais elementos se acumulam nele, mais aumenta a pressão de uns sobre os outros, e globalmente sobre o contentor. Parece bem próximo do caso (i) — a explosão —, exceto que um envelope de tempo não pode literalmente explodir. Além disso, é possível que, como em (iii), uma parte das tarefas do período considerado, o excedente, o “cheio demais”, seja adiado para mais tarde, vindo, assim, a desaguar no período seguinte, a inundá-lo, diríamos, e sobrecarregá-lo antes mesmo que tenha começado. Por outro lado, se assemelha também com (ii), o engarrafamento, mas somente de longe. De fato, enquanto o congestionamento na praça se deve aos carros que se bloqueiam mutuamente, em (iv) é a caixa de fusíveis, a central mesma que “disjunta”, saturada pelo excesso da demanda total de corrente ; do mesmo modo, em (iv’), face a uma multiplicidade de exigências concomitantes que se fundem em uma única e opressora totalidade, é o crânio do pesquisador que não pode mais responder, que “queima os fusíveis” e para, “exausto”, burnt out. Diz-se, então, do infeliz que ele cai em “depressão”, termo que não quer dizer muito sob sua acepção psicopatológica habitual, mas que se torna pertinente se tomado literalmente. Porque é bem de uma de-pressão, mais precisamente de uma de-compressão salvadora que se trata, como o clique de-tensivo de um curto-circuito elétrico.

“Funcionar a toda velocidade”, todos aparelhos ligados, viver tão intensamente quanto possível, ao limiar do acidente (da “disjunção”) — sem ultrapassá-lo —, não é isso no fundo nosso ideal ? Milagre ter conseguido isso de alguma forma e por tanto tempo ! A tal ponto que se pode perguntar se essa urgência permanente que amaldiçoamos não é, antes, nossa bendição, dadas as astúcias que ela nos obriga a inventar para satisfazê-la, ou melhor, para contorná-la. Vejamos quais os princípios de gestão do tempo, qual “cronopolítica” implicitamente nos tem guiado, qual concepção de urgência isso pressupõe, e quais outros regimes teriam sido semioticamente possíveis.

1.2. Entre urgência e importância

O emprego usual da própria palavra “urgência” é curioso. Supõe uma coisa a fazer, uma coisa que deve ser feita a curto prazo, o que pressupõe que lhe seja atribuída uma certa importância. Como poderia ter urgência de fazer coisas sem importância ? Consequentemente, uma vez que tudo que fazemos nós o fazemos “com urgência”, o que fazemos deveria forçosamente ser sempre da mais alta importância ! Isso, contudo, é uma ilusão que não arriscamos partilhar, uma vez que sabemos bem que, no fundo, as coisas ditas importantes são, na maior parte dos casos, coisas nem mais nem menos fúteis que as outras, mas para a execução das quais teve alguém que fixou um prazo preciso. Em suma, é a urgência proclamada que determina a importância, e não o inverso. A prova disso é dada a contrário pelo fato de que a impossibilidade de fixar prazos imperativos para a realização das coisas verdadeiramente essenciais (como, por exemplo, fixar por antecipação a data de conclusão do grande livro que se prometeu escrever ?) faz com que essas coisas, pelo simples fato de que não se prestam a serem enxergadas no modo da urgência, com prazos a respeitar custe o que custar, são tratadas na prática como totalmente secundárias e indefinidamente adiadas para mais tarde.

Certamente, fazer como se o reconhecimento do essencial e do fútil sempre decorresse “objetivamente” das características do que está em jogo, e não de critérios de apreciação fixados à vontade de cada um, é simplificar demais a questão. Apesar disso, pode acontecer que o grau de urgência (e, por consequência, de “importância”) do que está para fazer resulte das qualidades intrínsecas das coisas mesmas. Por exemplo, é porque esta manga está já avariada que importa comê-la logo e primeiro : é necessário “salvá-la” antes que ela se torne totalmente incomestível, regra idiota de economia burguesa que leva a nunca comer uma única boa ! Sucede de maneira análoga cada vez que a urgência é determinada pelo caráter perecível ou efêmero do que está em questão, como a materialidade de certas provas, no direito. E hoje, face a iminência do desastre ecológico e climático, é uma urgência absoluta dessa ordem que se impõe no plano planetário : daqui a pouco, como se sabe, será tarde demais para conter os processos catastróficos em curso.

Mas, na maioria dos casos, no plano cotidiano, a urgência não tem nada de absoluto. Ao contrário, encontramo-nos ordinariamente colocados em contextos de concorrência entre exigências múltiplas, urgências relativas, “mais ou menos” urgentes. Tudo se desenrola, então, em termos de avaliações comparadas. Ainda que a comparação entre urgências diferentes seja bem delicada quando elas se referem, como é frequente o caso, a registros de valores heterogêneos, deve-se, de uma maneira ou outra, se resolver por uma hierarquização determinada : tudo bem pesado, o que vai praticamente passar à frente ? Ou, o que dá no mesmo, a quem se vai dar a prioridade ? De fato, em geral, a concorrência entre urgências distintas não é mais do que a manifestação objetivada de uma competição subjacente entre demandantes (entre “destinadores”) desigualmente insistentes, potentes ou hábeis para nos incitar ou nos obrigar a lhes dedicar — a eles e a ninguém outro — nosso tempo e nossos esforços. Tanto que o grau de urgência atribuído a cada tarefa traduz, antes de tudo, o grau de importância que atribuímos não à tarefa mesma, mas a quem pediu que a cumpríssemos.

Para aqueles dentre nós que vivem de comandos no dia a dia, o que se impõe em primeiro lugar é, por força, a tirania de ordens de trabalhos a realizar na hora, sob pena de ruptura de contrato. Mas um pesquisador em atividade tem também, para molestá-lo gentilmente, além de um empregador institucional, toda uma comitiva de pares e de colegas, de associados, de editores, de estudantes que “contam” com ele. Como não se sentir comprometido concorrentemente perante uns e outros ? A isso se adiciona a urgência de compromissos extraprofissionais — engajamentos ideológicos, cívicos ou políticos, responsabilidades familiares quando for o caso, ou mesmo preocupações puramente pessoais (“Cuide de tua saúde, todo o resto depende disso...”). Sem esquecer da preocupação, que alguns colocariam em primeiro plano, de não negligenciar nenhuma das pequenas manobras, gentilezas e atenções que requerem, no dia a dia, a conquista de uma “bela carreira” — maneira de multiplicar o número de pessoas a quem se “deve” prestar serviço e, assim, de criar, por si mesmo, o estado de urgência do qual se declara vítima. Tantas boas (ou não tão boas) razões para fazer passar para o fim da lista as exigências da pesquisa mesma, a produção de uma obra, por modesta que ela seja, e tanto mais modesta que os outros prazos tendem a adiar indefinidamente o momento de se consagrar a ela.

* Versão reformulada de um texto publicado sob o título “Etat d’urgence” in V. Estay (org.), Sens à l’horizon, Limoges, Lambert-Lucas, 2019. Tradução de Luisa H. da Silva, revisão do autor.

Na ausência de princípios deontológicos que determinariam de uma vez por todas nossas escolhas de prioridades entre tantos apelos tão divergentes, tudo na matéria é uma questão de organização e de estratégia. É nesse plano que cada um se singulariza face à urgência adotando preferencialmente uma linha de conduta determinada, em geral facilmente reconhecível porque ela se traduz figurativa e plasticamente por traços de comportamento que são as marcas de tantos estilos de vida distintos. O “passo do senador” próprio a tais ou tais de nossos colegas que vemos caminhar tranquilamente enquanto nós corremos sem parar faz parte desses índices reveladores. Passo regular e sereno, ele trai corporalmente, no plano da héxis1, a maneira de ser e de fazer, o ritmo vital das pessoas que, mesmo talvez as mais produtivas dentre todas, não dão jamais a impressão de serem atropeladas ou estressadas — melhor, que efetivamente não o são jamais porque sabem melhor que qualquer um programar todas as suas atividades, trabalho, prática militante, lazer, família, carreira e tuttu quanti. É a arte de viver dessas pessoas. É esse gênero de vida regulada minuto a minuto que tomarei como ponto de referência a fim de discernir, por diferença, uma série de outros modos de gestão do tempo.

1 Por héxis se designa a forma com que uma pessoa se apresenta ao mesmo tempo por meio de sua dinâmica corporal e de seu porte — leveza ou peso, tranquilidade ou agitação, grau de tensão, maneira contrita ou relaxada, graciosa ou desajeitada, etc. — e pelo tom de sua elocução, grave ou alegre, desenvolto ou comprometido, peremptório ou aberto a réplica, severo ou familiar etc.

1.3. Ativo ou indolente, hiperativo ou disponível ?

Para ir rápido (ou seja, poupar tempo), aqui está esquematicamente a que minha proposição de conjunto pode se resumir em termos ao mesmo tempo telegráficos e metaforicamente animais (entomológicos) :

 

Duas “filosofias” do tempo se superpõem aqui às diversas maneiras de conceber a vida e o modo de agir no mundo — o que eu tentei alhures interdefinir em termos de regimes de sentido na interação2. Uma dessas concepções, a provavelmente mais comum em nossas paragens, consiste em pensar e tratar o tempo como um recurso explorável, como um tipo de capital disponível em quantidade limitada (como é todo “recurso”) : um tempo visto como “precioso”, portanto, contado, que uns, ativos cronometrados e eficazes, vão se aplicar a rentabilizar ao máximo (são as Formigas), enquanto que outros, hiperativos sobrecarregados e estressados que não param de se agitar, não chegarão senão a dilapidá-lo (as Moscas). Segundo a outra concepção, desinteressada e aventureira mais que calculadora e prudente, o tempo se confunde com o fluxo da vida : é um tempo vivido sem contar, um puro potencial aberto. Para uns (os Carrapatos), inativos e pacientes, indolentes, apáticos, preguiçosos e procrastinadores, tratar-se-á de deixar esse tempo lento se consumar, enquanto para outros (as Cigarras), ativos intermitentes mas sempre disponíveis, convém desposar o fluxo temporal, gastando-o e o desfrutando sem medida, de acordo com as oportunidades.

2 Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

Eu tive outrora um bom amigo cujo charme era o de abranger todas as posições deste pequeno modelo. Ao nos encontrarmos no café, mal chegava, ele sempre me anunciava que não teríamos mais que um instante. Era alguém muito ocupado, com seu tempo contado. Para não atrasar a realização de seu grande projeto de livro em curso (em princípio perfeitamente programado, mas sempre adiado), ele tinha que não se deixar desviar por todo o resto — resto que, apesar de tudo, não ousava ou não podia completamente negligenciar. Impossível com efeito espantar com as costas da mão as mil Moscas bulímicas, atarefadas e manipuladoras que circulam a nosso redor e buscam nos arrastar para o turbilhão de suas iniciativas em todas as direções. Nessas condições, se eu via o camarada tão apressado, era porque, contaminado por elas, ele se encontrava agora tão apressado quanto elas ? Ou, ao contrário, porque seu tempo era doravante tão cronometrado que o da Formiga metódica, programada e programófila ? Como saber ? Mas porque se deveria decidir ? Por que não seria ao mesmo tempo um e outro ? Construir um modelo não impede reconhecer as sutilezas, as ambivalências ou as contradições. Deveria, antes, permitir explicá-las. Portanto, talvez ao mesmo tempo um e outro, talvez entre os dois. Ou em processo de transição : ainda um pouco a serviço de todo mundo (como a Mosca) mas, ao mesmo tempo, a caminho de pôr ordem no seu cotidiano para poder melhor planejar o essencial (como a Formiga). Sábia resolução !

Mas, quando o via pedir uma outra cerveja, enquanto nos apercebíamos que estávamos lá já desde horas a reconstruir o mundo com toda gratuidade, eu me dava conta de que seu caso era ainda mais complexo. Admirável contradição ! Mesmo sendo dez vezes mais rigorosamente organizado do que antes (embora sendo presentemente tomado ainda por mais compromissos e solicitações), ele continuava pronto, contanto que a oportunidade se apresente, a dispensar um pouco de seu tempo tão precioso para encontros que, como os nossos, não eram nem úteis a seus afazeres nem previstos no seu cronograma : apenas pelo prazer partilhado de um momento de dança conversacional bem ajustada. Portanto : cronometrado como uma Formiga, sobrecarregado como uma Mosca e, contudo, ainda tão livre de seu tempo e livre de espírito, tão disponível quanto uma Cigarra. Eram três pessoas em uma : o programado, o manipulador manipulado, e o prestes a se ajustar ao kairós. Provavelmente havia nele mesmo os quatro, porque quatro em um é a regra estrutural e a sorte de todo mundo : toda a gama de contrários e de contraditórios in vivo em cada um de nós, em equilíbrio instável, com dominantes, sem dúvida, e também variações, umas previsíveis, outras inesperadas. (Na elipse do esquema acima, é o que querem sugerir as flechas contínuas, suportes de deslocamentos e metamorfoses possíveis).

2. Políticas do tempo

No entanto, a despeito das relações inextrincáveis que ligam entre si esses quatro regimes de gestão do tempo, cada qual tem suas tendências próprias, sua cronopolítica preferida. Para alguns, por mais que estejam presos às exigências do tempo contado, será ainda, no fundo, o outro lado que sempre prevalecerá, o do tempo vivido. Vistos a partir desse lado, aos olhos de uma Cigarra, animal diletante, as Formigas são tarefeiras obstinadas que não sabem viver ; e para um Carrapato, filósofo do farniente, as Moscas fazem a figura de lamentáveis agitadas que perdem seu tempo. E uma Formiga poderia retrucar à Cigarra que levar sua vida de acordo com as circunstâncias e segundo o humor do momento, não é dispensar seu tempo com sabedoria, mas dilapidá-lo, nem mais nem menos que uma Mosca. Quanto à Mosca, seria boa estratégia responder ao Carrapato que, ao passar o tempo sem nada fazer, ele não está arruinando menos sua vida que uma Formiga, mesmo se por outras razões. Nessa questão, tudo é relativo ! Tentemos, no entanto, julgar isso de modo imparcial, tão independentemente dos casos particulares ou de nossas inclinações pessoais quanto possível e tendo em mente que o que conta em matéria não é tanto o fato de ser mais ou menos ocupado que a maneira de sê-lo.

2.1. O tempo contado dos programadores e dos manipuladores

A Formiga, como se sabe, é uma trabalhadora infatigável. Mas, sobretudo, ela sabe admiravelmente distribuir as tarefas, coordenar os esforços (o formigueiro, modelo de especialização do trabalho), e planejar as operações a fim de rentabilizar ao máximo o tempo que ela tem. Igual à Tartaruga da fábula, ela sabe que serve para nada correr, o importante é partir sem atrasar. Essa é a lição de método que ela nos oferece : aprender a fixar o início do que se tem a fazer não prospectivamente, a partir do momento presente, mas a partir do fim, retrospectivamente. Se a precipitação é nosso mote, nosso lote, nossa sina, é porque não calculamos suficientemente assim, a recuo. Sabemos tomar os textos pelo fim (velha instrução greimasiana) mas esquecemos que na vida de trabalho também é em função do ponto de chegada (a data fatídica da entrega do manuscrito, ou da conferência) que se deveria fixar o ponto de partida, o momento de começar, levando em conta a quantidade mínima, incompressível, de “tempo material” necessário para efetuar as operações pragmáticas ou cognitivas que exigem todo processo de produção ou de criação.

É verdade que, mesmo nessas condições, o tempo pode vir a faltar. Em semelhante caso, para compensar o fato de que a quantidade de tempo que “temos” (falando como se fosse uma coisa palpável) é limitada, oferecem-se alguns meios de trapaceá-lo. O principal deles é a elasticidade das práticas. Como os discursos, moduláveis em expansão ou em condensação, a maior parte de nossas atividades podem ser executadas seja vagarosa, seja aceleradamente, jogando com as variáveis contextuais adequadas. Por exemplo, com a pressão. Numa panela, para diminuir o tempo de cozimento dos feijões, deve-se aumentá-la (pelo uso de uma tampa). Ao contrário, para acelerar a execução de uma tarefa que requer habilidade e clareza de espírito, é melhor baixar a pressão, reduzir sua própria tensão nervosa, liberar-se da ansiedade que retarda porque ela paralisa ou faz hesitar. O tempo assim ganho em uma dada atividade será o tanto de suplemento disponível para uma outra. Contudo, todas as atividades não se prestam à condensação-aceleração : para ganhar tempo, pode-se andar ou mesmo trabalhar mais rápido, mas quem poderia, por exemplo, dormir mais rápido ? Seria isso dormir “mais profundamente” ? Infelizmente, isso não se controla. Mas se pode dormir menos, menos tempo, menos frequentemente ou, ocasionalmente, não dormir de modo algum. Nesse sentido, o tempo contado é, portanto, extensível. Se ele “falta” para uma dada tarefa, o modo de encontrá-lo — o único, mas eficaz — é de tomá-lo de outras atividades, seja encurtando-as (se são compressíveis), seja eliminando-as, no todo ou em parte (quando elas podem ser julgadas secundárias). Há, então, uma economia doméstica do tempo. Para ser bem gerenciada, porém, tal economia supõe o domínio de uma arte difícil, a arte das prioridades invertidas : a que renunciar primeiramente quando a agenda está sobrecarregada ?

São tais cálculos que regem aritmeticamente o emprego do tempo de nossos amigos senadores cronometrados. Eles sabem por instinto que o “modal” — o poder fazer — está subordinado ao “aspectual”, a uma rigorosa temporalização das tarefas (ou dos prazeres, naturalmente) e a sua justa distribuição ao longo da duração. Suas prioridades são fixadas de antemão, e, no estágio da execução, tudo se decorre conforme uma impecável regularidade : cada atividade em seu lugar e cada coisa a seu tempo ! Talvez uma tal programação seja a condição de um verdadeiro trabalho, sério e de alcance duradouro. Seja como for, ao mesmo tempo que trabalhadores perfeitamente organizados, trata-se de pessoas bem ritmadas, tranquilas e eficazes : é o triunfo da festina lente ! Sua agenda, apesar de bem cheia, é qualitativamente adaptada e quantitativamente proporcionada às suas capacidades. São pessoas confiáveis que, sob a condição, claro (e é este o único reverso da medalha), de não lhes demandar nada além de seu horizonte, visto que, por natureza, um planejamento não admite nem os desvios nem os imprevistos, esses pretextos para improvisações de que outros, mais Cigarras, são, pelo contrário, amantes.

Por comparação, as Moscas são insetos hiperativos mobilizados não em tempo integral, mas mais que integral, portanto, literalmente sobrecarregadas (como em iii acima). Seu protótipo, a Mosca da fábula de La Fontaine (“La Mouche du coche”), nos é familiar desde a escola. Para localizar exemplos mais atuais, e reais, hoje se pode contar com um critério de reconhecimento tão simples quanto certo : todo hiperativo estando doravante hiper conectado (e consequentemente, como dizem os “economistas da atenção”, dotado de um “tempo cerebral disponível” particularmente reduzido), o uso de um equipamento telemático abundante e hiper sofisticado designa inevitavelmente, no plano figurativo, um representante dessa espécie. Além disso, no plano estésico (em termos plásticos e rítmicos), ao conviver com esse tipo de espécime, sente-se uma febre contagiosa que contrasta totalmente com a flegma da classe trabalhadora precedente. Essas pessoas são tão apressadas pela urgência que não sabem onde está a cabeça.

Por que uma tal agitação ? É que em vez de se ater ao duro trabalho e às obrigações que poderiam bastar para preencher seus dias, tornam-se escravos de mil solicitações de toda natureza às quais não sabem jamais dizer não. Por gentileza ou cortesia, por dedicação ou sentimento de um dever, aceitam tudo, não importa o quê. A tal ponto que se pode perguntar se seu zelo, seu ímpeto em acolher todas as proposições, a honrar todos os convites, a cumprir todas as demandas, não se deve a um medo inconfesso de faltarem ocasiões de se colocar à frente, ou à necessidade de (se) provar que existem mostrando-se no máximo de palcos possíveis. Ora, nada consome mais tempo que todos os serviços que eles estão constantemente dispostos a prestar, que todos esses casos e negócios nos quais acreditam que devem absolutamente interferir, que todas essas responsabilidades que dizem não se poder evitar. Chega, então, um dia no qual o conteúdo, a multiplicidade de suas intervenções em todos os campos e a todo propósito, ultrapassa a capacidade do contentor, os limites de tempo e de energia de que se dispõem. É o momento em que se sente que eles estão prestes a estourar, variante impressionante da dis-junção (supra iv e iv’).

Ao se esforçar com semelhante excitação, a ponto de adoecer, eles são perdedores ? Isso não está certo. Deve ter uma contrapartida positiva ao sacrifício que uma Mosca faz de seu tempo e de suas forças para os belos olhos de seus pares e de seus próximos, ou da gente importante e poderosa : uma contrapartida ao menos em forma de reconhecimento, e provavelmente, com um pouco de chance, em termos de pequenas honras ou de pequenos poderes. Todo serviço prestado obriga seu beneficiário a alguma benevolência de volta, de tal modo que, da parte de quem presta um serviço, entre gesto de generosidade gratuita e manipulação que visa a um favor, a fronteira é frequentemente incerta. Como, nessas condições, não suspeitar um pouco desse cálculo sob tanta dedicação a serviço do outro ?

Suspeita talvez injusta, por outro lado, porque poderia ser também que essa hiperatividade, longe de proceder de uma visada manipuladora interessada, resulte de uma forma de delírio, de uma pura auto-manipulação. É o que testemunha, em todo caso, a Mosca do fabulista, personagem freneticamente atarefada a quem ninguém jamais pediu nada, mas que, acreditando-se indispensável, não cessa de atormentar todo o mundo com suas boas intenções. Importuna, cansativa, insuportável, mas inocente, ela se mata no trabalho para se dar uma razão de ser, sem perceber que seu zelo intempestivo não serve senão a pôr em evidência o fato de que ninguém tem necessidade de sua ajuda.

Na medida em que esse impulso procede de uma busca obsessiva por reconhecimento, a Mosca mostra em definitivo a insignificância a que pode conduzir um gênero de vida de base exclusivamente manipulatória : fechando-se nessa visão de mundo, ela se engana sobre os valores e dilapida estupidamente sua vida. No oposto, como vimos, a Formiga, baseando seu domínio do tempo (e, portanto, do mundo) sobre rigorosos princípios de regularidade, torna palpável o alcance significante e o valor das lógicas da programação, frequentemente mascaradas pelo que têm de rotineiro e de pesado.

Resta esclarecer como a Cigarra, que “toma seu tempo” sem nunca se apressar, sabe na ocasião gastá-lo, enquanto o Carrapato, ignorando toda urgência e deixando o tempo seguir seu caminho, consegue ultrapassá-lo.

2.2. O tempo vivido por ajustamento
– ou por assentimento ao acaso

Quando uma cigarra tem um compromisso, geralmente chega mais ou menos na hora, um pouco menos exatamente que uma Formiga, cuja agenda é regulada como pauta musical, mas muito mais pontualmente que uma Mosca, campeã imbatível do atraso porque sempre sobrecarregada. (Os Carrapatos, que por sua vez nunca marcam hora, não se preocupam com essas questões de pontualidade).

Mas não é só a chegada que conta : o importante é também o momento da separação. Chegando na hora precisa, uma Formiga parte também na hora exata, aquela que foi combinada — nem um minuto mais : sua agenda, seu planning não o permitiria. E é também fácil prever a partida de uma Mosca : apenas pousada, antes mesmo que tenha sido possível entabular um pouco de conversa, sai voando precipitadamente, já atrasada para o encontro seguinte. Ao contrário, não se pode jamais prever a que momento uma Cigarra partirá : tudo depende de como será o encontro. Ora, isso, com ela, não se pode prever. Essa indeterminação acompanha o estilo do encontro e a natureza do que aí se passa. Com uma Mosca, a pressa é tal que não se fala de nada. Com uma Formiga, a conversação, cronometrada, se reduz a uma dimensão funcional : discutem-se os assuntos na ordem do dia, perdendo com eles o menor tempo possível. Dá-se exatamente o contrário com a Cigarra : nada de tempo objetivado e computado, nenhum acordo preestabelecido sobre princípios reguladores e, portanto, também nada de hora certa fixada a priori mas, num espírito bem próximo do estilo flâneur descrito por Jean-Marie Floch3, um processo cuja forma não se desenha a não ser no processo mesmo, por ajustamentos entre as temporalidades e os centros de interesse de dois interlocutores disponíveis cada um frente ao outro.

3 Cf. J.-M. Floch, “Etes-vous arpenteur ou somnambule ?”, Sémiotique, marketing et communication, Paris, Presses Universitaires de France, 2002.

Face à ameaça dos prazos, a Cigarra elabora sua estratégia segundo o mesmo princípio. À medida em que o tempo passa e que a data de um concurso ou de um colóquio se aproxima, a Formiga diz a si mesma : “Hoje resta somente uma semana, vou imediatamente começar a me preparar”. O jeito da Cigarra é, ao contrário, procrastinar dizendo : “Hoje, ainda tenho toda a semana !”. E uma semana depois : “Fica ainda para amanhã, um dia inteiro... tenho todo tempo, não tem pressa”. E, com a alma leve, ou quase, ela vai se dedicar a qualquer outra coisa mais instigante. Para isso, deve-se estar intimamente convencido de que, longe de forçar as coisas, é importante deixá-las vir por si mesmas e pensar que a melhor fórmula possível é permanecer disponível, inteiramente disponível, pronto para experimentar o modo de fazer que irá se impor quando chegar a hora, em situação, nem antecipando, nem planejando. Em outras palavras, o oposto da Formiga, que não se permitiria em caso algum participar de um encontro sem ter previamente redigido de cabo a rabo sua intervenção ou fixado detalhadamente seu plano de ação, a Cigarra acredita na virtude da improvisação.

Em vez de ler um discurso adiantadamente redigido ou de seguir uma linha de conduta rigidamente predefinida, ela chega munida unicamente de um quadro conceitual mínimo e, para o resto, modula seu comportamento em função do comportamento do interlocutor. É por essa razão que ela o observa e escuta com tanta atenção, procurando apreender sua dinâmica, à qual trata-se de se ajustar. “Veremos !” é seu mote. Se, em seu íntimo, ela ali perde talvez em segurança, ganha em flexibilidade e, frente a frente com o auditório, em qualidade de presença — sob o risco do fiasco. Porque essa parte imprevisível de si que não poderá se desenvolver senão em ato, nunca é excluído que falhe no momento crucial. Mas ser Cigarra é precisamente assumir esse risco, sabendo que frequentemente o sucesso só é possível bem perto do acidente. Em uma palavra, com a Cigarra, tudo é graça (inclusive o atraso4).

4 Cf. E. Landowski, “Il tempo intersoggettivo : in difesa del ritardo”, in L. Corrain et al. (orgs.), Eloquio del senso. Dialoghi semiotici, per Paolo Fabbri, Milan, Costa e Nolan, 1999 (outra versão em Passions sans nom, cap. 8, “Le temps intersubjectif”).

No entanto, face ao desafio do Tempo, há ainda algo mais arriscado : é o que nos ensina o Carrapato. Contrariamente às outras etiquetas escolhidas para designar cada uma das posições do modelo, desta vez não se trata de uma metáfora. A referência vem da etologia. Em oposição à Mosca da fábula, sobrecarregada porque cheia de boas intenções ou de objetivos interesseiros que a colocam no coração das manipulações de todo tipo, um Carrapato vive solitariamente a quase totalidade de sua existência, pendurado em um galho sem que nada, absolutamente nada, aconteça. Lá, como o mostrou Jakob von Uexküll, seu mais atento analista, ele não espera nada, nem mesmo espreita uma presa, não é de forma alguma impaciente e não se entedia menos do mundo a despeito de uma existência que nos pareceria de uma monotonia insuportável5. Chega, contudo, um dia, quando se encontra, por coincidência, que o percurso de algum animal de sangue quente passa sob sua árvore : acidente infeliz para o animal, mas dádiva para o Carrapato, porque eis que lhe dá — “enfim”, diríamos, antropomorfizando o “estado de alma” dele — a possibilidade de entrar em ação, isto é, de deixar-se cair, picar, botar ovos e, se tudo vai bem, se reproduzir.

Eu chamo isso de assentimento ao acaso. Nada esperar. Viver à vontade do tempo sem nada lhe exigir. Em vez de querer a todo custo obter, ou fazer, ou ser isso ou aquilo, persuadindo-se de que há urgência, deixar vir. Segundo François Jullien, um sábio é “sem ideias”6. Ser repleto de ideias não estando, a meu ver, o perigo que mais nos ameaça, me parece que, para nos tornarmos sábios, se trataria sobretudo de seguir o exemplo do Carrapato : estar sem expectativas nem intenções firmes, nem levar qualquer prazo a sério, deixar o tempo voar e deixá-lo decidir, parar de correr com ele. Procrastinar como a Cigarra era ainda esperar algo, aguardar o momento propício para entrar em ação. O Carrapato vai além disso : ele deixa indefinidamente o tempo passar como se — sem saber — soubesse que a magia do tempo fará com que um dia o que deve advir se realizará por si mesmo, ou talvez sobrevirá qualquer acidente que dispensará totalmente de agir.

5 J. von Uexküll, Milieu animal et milieu humain, trad. Ch. Martin-Fréville, Paris, Payot, 2015.


6 Fr. Jullien, Un sage est sans idée. Ou l’autre de la philosophie, Paris, Seuil, 1998.

Para quem partilha essa disposição do espírito, um compromisso é tão mais fácil de aceitar quanto maior o prazo. Um colóquio daqui a dois anos ? Por que não ?... Tudo pode acontecer daqui até lá. E então se aceita — não porque se calculou que o prazo proposto será suficiente para o trabalho exigido, mas com a ideia de que nem o pior nem o melhor jamais estão certos. De tal modo que não se sente verdadeiramente comprometido pela promessa dada, como se ficasse condicionada por não se sabe qual futuro decreto do destino. Face à urgência, essa resposta em forma de denegação é a mais radical. Dando ao Tempo todo poder, ela libera dos distúrbios do tempo no dia a dia. Diremos que ela também, à sua maneira, funda uma bela arte de viver.

Conclusão. Retorno ao espaço-tempo

A urgência não é, portanto, um estado de coisas que nos constrange de fora. É um estado de alma que depende de nossa maneira de construir o tempo, esse tempo que, nem ele, é coisa dada — embora digamos, por metáfora, que ele nos “apressa” como se fosse uma presença ao nosso lado. Propriamente falando, nada nos pressiona a não ser nossa angústia, aquela, paralisante, que, já na escola, oprimia o aluno quando se aproximava a hora de entregar as cópias e que ele queria colocar por escrito tudo que sabia. O meio mais comum de remediar essa conduta contraproducente de Mosca atarefada consiste na adoção do estilo Formiga, ou seja, de um procedimento metódico que, começando por elencar os objetivos, depois cronometrando as sequências operacionais, permite programar um fazer útil, produtivo, frio e “profissional”.

 

Mas passar de um a outro desses regimes é, ao mesmo tempo, mudar de espaço, deixar a superfície na qual se agita a Mosca — um espaço-rede composto unicamente de pontos de conexão ou de trânsito dispersos em uma extensão sem espessura — e entrar na extensão plena, palpável, articulada de um espaço-tecido, o qual permitirá à Formiga operar sobre uma matéria tangível ou alguma outra realidade oferecida a seu poder operacional. Porque todo regime temporal, toda “crono-política” segue ao lado de uma geo-política, isto é, de algum regime de espaço específico7. Se a Mosca perde sua alma perdendo seu tempo em uma perpétua urgência sem importância, é primeiramente porque ela se esgota em movimentos erráticos numa rede de comunicação-circulação privada de consistência. Ao contrário, para fazer render seu tempo, a Formiga aprendeu a ver o mundo em torno de si como um contínuo tridimensional e substancial onde tudo se encaixa, permitindo-lhe exercer um controle eficaz sobre as coisas e as pessoas.

7 Cf. E. Landowski, “Regimes de espaço”, trad. L. Silva, Galáxia, 2015.

Do mesmo modo, o que descobrimos com a Cigarra é, indissociavelmente, uma temporalidade liberada de toda urgência e um tipo de espaço sui generis no qual, sobre o fundo quase indiferente do ambiente, desenha-se, por intermitência, em forma de voluta (figura dinâmica notável porque autossuficiente) o movimento entrelaçado de parceiros que se ajustam mutuamente segundo sua fantasia compartilhada. E, finalmente, o Carrapato, exemplificando um assentimento sem nenhuma reserva a um aqui-agora sem saída, sem escapatória, nos faz entrever o que poderia ser uma perfeita adesão à nossa pura e simples existência nesse mundo colocado “entre dois infinitos”8 — ponto “perdido no universo”9, espaço-tempo “sem começo nem fim”10 — espaço-abismo.

Então, e a urgência ? Acho que já quase a esquecemos.

8 Fr. Cheng, L’Espace du rêve. Mille ans de peinture chinoise, Paris, Phébus, 1980, 250 p.


9 G. Flaubert, Bouvard et Pécuchet (1881), in Œuvres II, Paris, Gallimard (Pléiade), 1952, p. 903.


10 Fr. Cheng, ibid.


Obras citadas

Cheng, François, L’Espace du rêve. Mille ans de peinture chinoise, Paris, Phébus, 1980.

Flaubert, Gustave, Bouvard et Pécuchet (1881), in Œuvres II, Paris, Gallimard (Pléiade), 1952.

Floch, Jean-Marie, “Etes-vous arpenteur ou somnambule ? ”, Sémiotique, marketing et communication, Paris, Presses Universitaires de France, 2002.

Jullien, François, Un sage est sans idée. Ou l’autre de la philosophie, Paris, Seuil, 1998.

Landowski, Eric, “Il tempo intersoggettivo : in difesa del ritardo”, in L. Corrain et al. (orgs.), Eloquio del senso. Dialoghi semiotici, per Paolo Fabbri, Milan, Costa e Nolan, 1999.

Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

— “Regimes de espaço”, trad. L.H. da Silva, Galáxia, 2015.

Uexküll, Jacob von, Milieu animal et milieu humain, trad. Ch. Martin-Fréville, Paris, Payot, 2015.

 


* Versão reformulada de um texto publicado sob o título “Etat d’urgence” in V. Estay (org.), Sens à l’horizon, Limoges, Lambert-Lucas, 2019. Tradução de Luisa H. da Silva, revisão do autor.

1 Por héxis se designa a forma com que uma pessoa se apresenta ao mesmo tempo por meio de sua dinâmica corporal e de seu porte — leveza ou peso, tranquilidade ou agitação, grau de tensão, maneira contrita ou relaxada, graciosa ou desajeitada, etc. — e pelo tom de sua elocução, grave ou alegre, desenvolto ou comprometido, peremptório ou aberto a réplica, severo ou familiar etc.

2 Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

3 Cf. J.-M. Floch, “Etes-vous arpenteur ou somnambule ?”, Sémiotique, marketing et communication, Paris, Presses Universitaires de France, 2002.

4 Cf. E. Landowski, “Il tempo intersoggettivo : in difesa del ritardo”, in L. Corrain et al. (orgs.), Eloquio del senso. Dialoghi semiotici, per Paolo Fabbri, Milan, Costa e Nolan, 1999 (outra versão em Passions sans nom, cap. 8, “Le temps intersubjectif”).

5 J. von Uexküll, Milieu animal et milieu humain, trad. Ch. Martin-Fréville, Paris, Payot, 2015.

6 Fr. Jullien, Un sage est sans idée. Ou l’autre de la philosophie, Paris, Seuil, 1998.

7 Cf. E. Landowski, “Regimes de espaço”, trad. L. Silva, Galáxia, 2015.

8 Fr. Cheng, L’Espace du rêve. Mille ans de peinture chinoise, Paris, Phébus, 1980, 250 p.

9 G. Flaubert, Bouvard et Pécuchet (1881), in Œuvres II, Paris, Gallimard (Pléiade), 1952, p. 903.

10 Fr. Cheng, ibid.

 

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Résumé : Etant donné la finitude de nos espaces familiers, qu’il s’agisse des rayons d’une bibliothèque ou d’un wagon de métro, il y a toujours une limite au remplissage. A un moment donné, on ne peut plus faire entrer un seul livre ou un voyageur de plus, même en tassant. Or nous sommes tributaires d’une limitation comparable sur le plan temporel. Nous avons mille choses à faire. Comme chacune d’elles demande un certain temps et que nous ne disposons que d’un temps limité, nous disons que le temps nous « manque ». L’article est consacré à l’examen des divers principes possibles de gestion de ce temps par définition fini. Quelles sont les « chronopolitiques » qui guident les gens en fonction de leur « philosophie » implicite du Temps ?


Resumo : Dada a finitude de nossos espaços familiares, quer se trate das prateleiras de uma biblioteca ou de um vagão do metrô, num lugar dado há sempre um limite de preenchimento. A partir de um certo momento, não é possível fazer entrar mais livros, ou mais viajantes. Ora, também sobre a dimensão temporal somos tributários de uma limitação desse gênero. Temos mil coisas para fazer. Como cada uma delas exige um certo tempo, digamos que o tempo nos “falta”. Proponho passar um momento roubado ao Tempo para examinar a diversidade dos princípios possíveis na gestão desse tempo limitado. Quais “cronopolíticas” guiam as pessoas en funçao da sua “filosofia” implícita do Tempo ?


Abstract : Within a given timespan, it is impossible to achieve more than a certain amount of tasks. In this sense, time is limited, which explains that most people around us are always so much in a hurry. Still, some are not. They “take their time”. The article analyses, interdefines in semiotic terms and compares different implicit “philosophies” of Time and shows how these command opposite manners of overcoming its finitude both in existential terms and at the level of social interaction.


Mots clefs : chronopolitique, régime temporel, temps, temporalité, urgence.


Auteurs cités : Jean-Marie Floch, François Jullien, Jacob von Uexküll.


Plan :

Introdução

1. Quadro conceitual

1. Pequena sêmio-física do excesso

2. Entre urgência e importância

3. Ativo ou indolente, hiperativo ou disponível ?

2. Políticas do tempo

1. O tempo contado dos programadores e dos manipuladores

2. O tempo vivido por ajustamento – ou por assentimento ao acaso

Conclusão. Retorno ao espaço-tempo

 

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Recebido em 10/10/2020. / Aceito em 14/11/2023.