Bonnes feuilles

Por uma Semiótica engajada,

Ana Claudia de Oliveira (org.)
São Paulo, Estação das Letras e Cores e CPS,
2023, 231 p.

 

Publié en ligne le 30 juin 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n5.62469
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Prefácio

Nos caminhos da (sócio)semiótica,
a ação política e engajada

Faz escuro, mas eu canto : o projeto curatorial da 34ª Bienal de São Paulo, capítulo com o qual abrimos essa coletânea dos eixos investigativos do ano de 2021 do CPS (Centro de Pesquisas Sociossemióticas), é fruto do debruçar do ateliê “Territórios de cultura da cidade de São Paulo”, integrado por Luciana Chen, Marc Barreto Bogo, Maria Claudia Vidal e Mariana Albuquerque, um dos mais longevos do CPS que teve a sua formação em 2010. O título toma o tema da 34ª Bienal de São Paulo e proclama a situação disfórica em que um sujeito se encontra : “Faz escuro”, um estado que domina desde 2020 o cenário social com os movimentos insurgentes manifestos em todo mundo global que se põem a propalar a sua perspectiva e, um em resposta ao outro, tornam audíveis e visíveis o obscurantismo que paira sobre todos. O emprego da conjunção “mas” encadeia as duas orações coordenadas por uma adversativa : “mas eu canto”. Assim, proclama-se a ação persistente dessa mostra de arte que se engaja para manter-se em luta e, declaradamente, posiciona-se nos tempos difíceis e desfavoráveis da pandemia do Covid-19 a fim de não se deixar dominar pelo obscurantismo, mas com a arte em toda urgência, cantar em um modo de resistência que o denuncia.

Em continuidade aos movimentos de defesa dos direitos humanos, de igualdade, de liberdade de expressão, entre outros, o canto proclama o segmento étnico africano que marcou a constituição do Brasil. A partir do premiadíssimo romance Torto arado, de Itamar Vieira Junior, publicado no Brasil em 2019, o ateliê “Semiótica da literatura” dá sequência às manifestações urgentes da arte em Ecos e ressonâncias do mítico e a construção da denúncia social em “Torto Arado”: da lógica da junção à lógica da união. As autoras Flávia Karla Ribeiro Santos, Jéssica Cristina Celestino, Luiz Henrique Pereira, Marisa Giannecchini Gonçalves de Souza, Renata Cristina Duarte e Vera Lucia Rodella Abriata põem luz para fazer ver as heroínas do romance nos proclames de liberdade que rompem a opressão e dão sentido à vida a partir do diálogo entre tradição e reinvenção. Desse diálogo ao longo do tempo chegam ao presente carregando dores e desafios que ainda cabem ser ultrapassados pelo caminho.

Enquanto a arte resiste e denuncia, o destinatário a ela exposto é, no mais das vezes, instalado como partícipe da construção do sentido que é sentido pelos sentidos, estesicamente. Alexandre Bueno, Graziela Rodrigues, Luiz Escouto e Rafael G. Lenzi do ateliê “Semiótica e estesia” reúnem os conceitos desenvolvidos pela teoria semiótica a partir de Da imperfeição de A.J. Greimas (1987), em especial, os desdobramentos de E. Landowski e os de Oliveira para construir uma tipologia da estesia e modos de apreensão. A sistematização tem ainda muito para ser expandida e servir operacionalmente para as distintas análises semióticas.

Outro eixo investigativo do CPS durante a pandemia de Covid-19, o ateliê “Semiótica da educação” voltou-se para a situação de suspensão das aulas presenciais e a adoção do ensino remoto. Mudança radical em um contexto de insegurança generalizada, coube aos educadores sem uma formação prévia operar essa mudança no ensino-aprendizagem independentemente das condições socioeconômicas e culturais. Com a abordagem Da lousa à tela : um olhar sociossemiótico sobre as práticas pedagógicas no ensino remoto, Andrea Aparecida Della Valentina, Ivana de Macedo Mattos, Juliana Contti Castro, Juliana de Souza Silva Almonfrey, Letícia Nassar Matos Mesquita e Moema Martins Rebouças voltam-se para o que se passou no ensino superior do Estado do Espírito Santo, onde atuam na área da educação. As relações entre ensino-aprendizagem nas interações entre professor e aluno foi transformada do tipo de interação imediata ao tipo de interação mediada por meio do monitor de um dispositivo audiovisual (smartphones, computadores, notebooks e tablets) o que impactou diretamente nos vínculos dos educandos com os educadores, com os seus estudos e com as suas instituições. Trata-se de uma reflexão sobre as práticas mediadas da educação que estão instaladas em nosso cenário social e desafiam a educação estadual e igualmente a nacional, o que torna o tratamento semiótico de extrema relevância e aponta a um caminho a ser aprofundado nesses estudos a fim deles frutificarem em ações voltadas para toda nossa geração na qual as tecnologias perpassam a própria vida.

Mantendo-nos no âmbito da pandemia do coronavírus, uma outra problemática de muita atualidade e que vem sendo enfrentada tanto em nosso país como no mundo é a recusa de uma parcela da população à vacinação. Uma tradição de planos de vacinação bem-sucedidos sob o comando do Sistema Único de Saúde está sendo afetada pelo Movimento antivacina. Mesmo frente aos dados alarmantes do avanço da Covid-19 e toda a divulgação sobre as negociações políticas entre governos federal e estadual para se terem vacinas disponíveis no Brasil para uma ação emergencial de combate, as narrativas contrárias se fortaleceram. Em 2019, o ateliê “Semiótica do consumo” abordou a página O lado obscuro das vacinas (que então tinha, no Facebook, pouco mais de 800 assinantes) e, agora, conta com mais de 15 mil seguidores. Dessa específica ação de negação das vacinas contra a Covid-19, interessa o questionamento de Christiane Barbara Odoki Melo, Flávia Mayer dos Santos Souza, Glauber Pinheiro Rocha, Simone Bueno da Silva e Valdenise Leziér Martyniuk em Abordagem semiótica da construção narrativa antivacina nas redes sociais digitais Instagram e Telegram que estudam como é processado o consumo de informações nas redes sociais digitais, como as plataformas de redes sociais operam na midiatização desse discurso, quais as estratégias de enunciação que perpassam a construção narrativa e discursiva ?

Em um outro encaminhamento das investigações sobre o consumo empreendidas pelo CPS, a dupla de investigadores que continua atuando em um dos primeiros ateliês “Semiótica da moda e do consumo”, retoma as suas pesquisas sobre o comércio no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. O fio condutor desse estudo de Jaqueline Zarpellon e Tula Fyskatoris são as interações estabelecidas entre os segmentos de atacado e varejo. Por meio desses formatos de negócios que (co)habitam neste relevante polo de moda do Brasil, as autoras destacam as transações comerciais business to business e business to consumer com suas aproximações e distinções. Ressaltam que tanto as empresas atacadistas quanto as varejistas são destinadoras por excelência, atuando como gestoras dos modos de fazer, de ser e de se fazer visível na cena social, e impulsionam uma narrativa sempre mutante para o consumo de moda para camadas amplas da população.

Na finalização da coletânea o capítulo escolhido está voltado à cena política do governo federal que podemos dizer é um dos temas mais consumidos. Com Notas de repúdio ao Governo Bolsonaro : conflito e ineficácia, o ateliê “Semiótica da política”, formado interinstitucionalmente por Cleide Lima Silva, Gustavo André Táriba Brito, Micaela Altamirano, Paolo Demuru e Rafael Alberto Alves dos Santos, analisa como pela repetição à exaustão do uso de instrumentos de manifestação de discordância com determinada ação, postura ou fala, as notas de repúdio tornaram-se uma espécie de resposta padrão das instituições brasileiras frente a declarações e medidas controversas do presidente Jair Bolsonaro. Ao serem mantidas na duração de seu governo, as notas transformaram-se em um ato esperado de jocosidade e transmutaram a cena política nacional para as redes sociais. Domina assim no social uma significância do sem sentido que afeta os estados de ânimo e de alma.

A produção de sentido das cenas e objetos é dominada por um estado crítico e de busca de superação da disforia promovida pelo discurso da ameaça do vírus, do conflito, da insegurança, da impotência, do risco do não encontro de saídas, ou mesmo de mínimos arranjos significantes que possam atuar interferindo no obscurantismo e que promovam buscas de aquisição de competências cognitivas e estésicas para a ação e mudanças no ambiente social. Assim, o ponto de vista que situa as abordagens dos capítulos ao longo da coletânea é de superação das impossibilidades por uma ação posicionada. Assumindo que toda análise semiótica é um ponto de vista a partir do qual se constrói o sentido, pudemos notar como nos diferentes recortes estudados pelos ateliês impera uma tomada de ação, um ato político de engajamento que estruturam a interpretação. Voltando-se para objetos de estudo distintos, os semioticistas encontram-se no apontar a disforia e os conflitos que imperam nas interações sociais e como as artes, a literatura apontam caminhos para superação.

Aos leitores dessa caminhada das pesquisas do CPS no ano 2021 vai o convite para que encontrem pelos caminhos das análises sociossemióticas o seu modo de assumir o seu entendimento dos fatos e da sua difusão, dos objetos e coisas envolvidos, e de como se dá a circulação de valores nas narrativas e discursos como um deliberado ato político que faz ser o sujeito em sua presença ao mundo. Querer compreender o mundo social já é uma tomada de posição e uma disponibilidade para engajar-me na construção de um mundo com sentido. Em coro : Faz escuro, mas eu canto é a busca coletiva dos autores dessa coletânea que lhes entregamos para que cantem conosco.

 

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Sumário

 

Nos caminhos da (sócio)semiótica, a ação política e engajada
Ana Claudia de Oliveira      9

 

Faz escuro mas eu canto : o projeto curatorial da 34ª Bienal de São Paulo
Luciana Chen, Marc Barreto Bogo, Maria Claudia Vidal, Mariana Albuquerque      17

 

Ecos do mítico e a construção da denúncia social em Torto Arado. Da lógica da junção à lógica da união.
Flávia Karla Ribeiro Santos, Jéssica Cristina Celestino, Luiz Henrique Pereira, Marisa Giannecchini, Renata Cristina Duarte, Vera Lucia Abriata      47

 

Tipologia da estesia e modos de apreensão
Alexandre Bueno, Graziela Rodrigues, Luiz Escouto, Rafael G. Lenzi      81

 

Da lousa à tela : um olhar sociossemiótico sobre as práticas pedagógicas no ensino remoto durante a pandemia de Covid-19
Andrea Aparecida Della Valentina, Ivana de Macedo Mattos,
Juliana Contti Castro, Juliana de Souza Silva Almonfrey,
Letícia Nassar Matos Mesquita, Moema Rebouças      101

 

Abordagem semiótica da construção narrativa antivacina nas redes sociais digitais Instagram e Telegram
Christiane Barbara Odoki Melo, Flávia Mayer dos Santos Souza, Glauber Pinheiro Rocha, Simone Bueno, Valdenise Martyniuk      133

 

Interações e sentidos no comércio do Bom Retiro : o consumo de moda
Tula Fyskatoris, Jaqueline Zarpellon      163

 

Notas de repúdio ao Governo Bolsonaro : Conflito e ineficácia
Cleide Lima Silva, Gustavo André Táriba Brito, Micaela Altamirano, Paolo Demuru, Rafael Alves dos Santos      199

 

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