Dossier — Altérité / Diversité

Do estranho ao familiar :
percursos com a alteridade

Alexandre Marcelo Bueno
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
CNPq, São Paulo

 

Publié en ligne le 30 juin 2023
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2023n5.62456
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Introdução

A imigração provoca muitas questões não somente para os políticos, mas também para as ciências da significação. Os modos de interagir, as estratégias para resistir às ou facilitar as investidas de integração, os valores projetados sobre o outro, as narrativas hegemônicas (desenvolvimento econômico e cultural por exemplo), as contra-narrativas de preservação da “pureza” da cultura alheia, as paixões (como o medo ou o ódio do outro), as isotopias temáticas de certos universos discursivos (como o econômico, o cultural e o religioso, o social, o linguístico), a diversidade de figurativizações positivas e negativas de alteridades (o outro como feio, bruto ou belo e harmônico) são algumas das possibilidades encontradas no campo da imigração. São muitas as questões a serem exploradas.

Do ponto de vista semiótico, quais as configurações de sentido que fazem o outro ser, ou parecer, tão diferente ou tão parecido conosco ? Como a organização sensível da alteridade, o sentimento de sua estranheza, provoca determinadas reações, paixões e comportamentos ? Ademais, o que faz, em certos contextos, esse estranhamento virar familiaridade ? Como podemos pensar em processos semióticos nos quais o sentido vai se estabelecendo e, digamos, se encaixando em uma normalidade ? O objetivo deste trabalho é analisar efeitos de sentido possíveis na interação entre o sentimento de identidade de um dado grupo social e o que ele vê como a “alteridade” de seu “outro”. Mais precisamente, tratar-se-á da passagem de um estranhamento inicial face ao imigrante (ou a alguns imigrantes específicos) para uma relação de familiaridade, quase de identificação, com este outro. Dentre uma considerável gama de significações, refletiremos sobre quatro efeitos de sentido produzidos no encontro entre identidade e alteridade : o familiar, o infamiliar, o (re)conhecimento e o estranhamento.

1. Formas da rotina : do insignificante ao familiar

Uma forma de se relacionar com uma alteridade que interage com o “nós” é por meio de uma busca pela rotina e pelo familiar, pelo que já é conhecido e dado. Do ponto de vista de uma semiótica interacional, um tal efeito de sentido do “familiar” nasce a partir de um fazer repetitivo regido pelo regime de programação, ele mesmo fundado sobre o princípio de regularidade1. Essa regularidade pode ser encarada de duas maneiras. A primeira é a programação tal como é ilustrada nos contos populares : se uma personagem é um pescador, ela pescará e nada mais ; se é um rei, ela irá apenas governar seu reino ; e assim por diante. A segunda forma da regularidade concerne, mais geralmente, o fazer do sujeito enquanto agente guiado, nas suas interações, por uma forma ou outra de constrangimento social. Haveria, assim, a partir de normas sociais instituídas, toda uma programação quase tão rígida quanto à primeira. Por exemplo, numa festa de gala, o sujeito não poderia se vestir de outra maneira que não fosse com um smoking, a não ser que desejasse passar vergonha, ou ainda escandalizar os demais convivas. Desse modo, seguir a programação baseada na coação social é, em certa medida, cumprir as expectativas que são lançadas pelo olhar do outro com o qual se interage. Por consequência, quebrar essas expectativas é jogar o jogo do risco de se causar um certo estranhamento.

O que há em comum nestas duas formas de programação é a noção de papel temático, ou seja, a presença de um traço semântico que define e restringe o fazer de um determinado actante-sujeito. O papel temático, portanto, sustenta a ação rotineira do sujeito, seja ele (para o que aqui nos interessa) um brasileiro no seu cotidiano ou um imigrante — o qual pode, segundo os casos, desejar permanecer o mesmo, apesar de estar em um espaço outro que não o seu original, ou querer ser integrado à nova sociedade.

Do ponto de vista da identidade, a rotina baseada na programação abrange distintos efeitos de sentido. Por exemplo, há uma rotina automatizada, como o ato de acordar : abrir os olhos, espreguiçar-se, levantar-se etc. São ações impensadas, repetitivas, automatizadas. Mas há também atividades rotineiras que envolvem um mínimo de escolhas, como decidir o que tomar no café da manhã, como ir ao trabalho, fixar a hora das refeições, o momento de trabalho e descanso, o final do dia etc. O que há em comum em todas essas ações rotineiras é o sentimento de normalidade e a familiaridade.

1 Cf. E. Landowski, Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014, pp. 22-25.

A normalidade do dia a dia (e, em grande medida, o automatismo) caracteriza o Sr. Todo Mundo, enquanto um sujeito que “sabe oferecer a todo instante as marcas de uma perfeita adesão às normas do grupo ao qual pertence”2. Esse senhor um tanto mítico é o representante das ações e práticas normativas que, face à alteridade, vão se tornar uma espécie de padrão comportamental. A familiaridade, por seu turno, é igualmente baseada na regularidade. A diferença é que essa regularidade é da ordem do íntimo, do habitual e do acostumado. É o que já foi dado e é do conhecimento ordinário do sujeito. Esse traço pode ser encontrado na relação tanto com um outro sujeito, quanto com um determinado objeto, como o celular, que envolve um processo de aprendizagem que nos leva até o seu uso automatizado. O aparelho se torna, assim, familiar, quase como um dado natural que sempre esteve à disposição, tal como morar em uma casa, estudar, trabalhar etc. (que são processos culturais, ou seja, construídos e até certo ponto particulares de cultura para cultura, mas cujo caráter elaborado é frequentemente esquecido, possivelmente por conta do contrato social que assinamos ao vivermos em sociedade).

2 E. Landowski, Presenças do outro, São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 37.

Na interação com o imigrante ou refugiado, podemos entender que há alteridades mais ou menos familiares, a depender da origem e do tempo de permanência na sociedade brasileira. Em relação à comida, por exemplo, é visível como a culinária italiana (ou o que comumente é chamado de comida italiana) faz parte da rotina de muitos brasileiros. Mas isso ocorre também na interação entre os sujeitos. É visível que há imigrantes, os de origem europeia, em particular, que conseguem integrar-se com mais facilidade. Em parte, isso ocorre porque o brasileiro tem um conhecimento prévio do país de onde esse sujeito veio, assim como de objetos de sua cultura de origem que já foram integrados à sociedade brasileira, e também de hábitos que foram compartilhados e integrados à cultura, entre outros fatores que criam o efeito de familiaridade, de algo já presente, o que faz com que esse sujeito não traga exatamente alguma novidade ou um traço considerado como exótico por alguns. Assim, o imigrante branco, europeu, cristão, de uma língua como o inglês, o francês, o espanhol, o italiano pode ser mais facilmente aceito em suas interações no dia a dia porque ele porta significações já conhecidas e aceitas, às vezes até consideradas como uma parte integrante da sociedade. Abaixo, um texto mostra como a familiaridade pode ser um critério para facilitar a aceitação de um grupo imigrante em relação a outros, no caso pessoas de origem espanhola e portuguesa :

Pela sua afinidade com a nossa gente e, principalmente, pela identidade ou semelhança da língua, das tradições e do gênio, não constituem, realmente, os colonos destas duas últimas etnias, nenhum problema sério no ponto de vista da assimilação, sabendo-se que os seus descendentes se mostram tão integrados na nossa comunidade nacional quanto os brasileiros da velha estirpe3.

3 O. Vianna, “Imigração e Colonização Ontem e Hoje”, Ensaios Inéditos (1943), Campinas, Editora da Unicamp, 1991, p. 387.

Durante muito tempo, dava-se preferência aos imigrantes que eram familiares aos brasileiros, seja pelo contato já existente seja pela proximidade dos traços culturais e linguísticos — já mencionados. Acreditava-se, naquela época, que essa familiaridade facilitaria a assimilação dos imigrantes, o que reforça o papel político do efeito de sentido de familiaridade nas escolhas da elite política do final do século XIX e da primeira metade do século XX no Brasil.

Mas a familiaridade não está presente apenas no ponto de vista da sociedade de recepção. Ela também está presente do lado daqueles que chegam no país. Historicamente, há grupos imigrantes que foram acusados de desejarem permanecer com seus traços culturais e linguísticos, mesmo quando em território brasileiro. A familiaridade pode ser, assim, a base daquele que não quer ser assimilado.

(...) o allemão conservou no paiz adoptivo a piedosa e indestructivel fidelidade á terra natal, aos usos e costumes do norte, a sua lingua, as suas tradições, e, ao contrario do que succedeu nos Estados-Unidos, onde o elemento nacional absorvera por completo o elemento estrangeiro.4

4 Jornal do Commércio, citado por S. Romero, “O Allemanismo no sul do Brasil”, Provocações e debates : contribuições para o estudo do Brasil social, Porto, Imprensa Moderna, 1910, pp. 144-145.

Do ponto de vista do alemão, é a permanência dos sentidos que lhe permite manter a familiaridade interna do grupo e, consequentemente, a sua coesão. Do ponto de vista do brasileiro, o que surge dessa relação é o estranhamento. Há, desse modo, a manutenção de sua “germanidade”, enquanto um papel temático fundamental para a existência da comunidade imigrante alemã (ou de outras comunidades imigrantes). Esse mesmo papel temático seria usado como argumento para atacar a presença dos alemães no Brasil, porque, segundo a teoria tão em voga nos anos 1940, eles constituiriam enclaves étnicos. Assim, o imigrante que quer permanecer segregado ou excluído, deve seu estado à manutenção de seu papel temático original. Seu desejo é o de permanecer no quadro familiar que ele traz de seu país de origem, não de vivenciar o estranhamento que o novo país pode suscitar nele. O familiar e o estranho serviram, assim, para decisões de política imigratória, ou seja, de escolha sobre quais grupos deveriam, ou não, entrar no Brasil.

2. O “infamiliar” e o sensível

Como trabalhar com os sentidos articulados sensivelmente entre o familiar e o estranhamento na interação com a alteridade ? Vamos aqui recorrer a uma noção vinda da psicanálise para tentar articulá-la semioticamente com a questão da alteridade. Trata-se do “infamiliar”.

Em Das Unheimliche — o “infamiliar —, Freud desenvolve uma reflexão que se tornou famosa por tratar de um tipo de fenômeno que é, e ao mesmo tempo não é, estranho ao sujeito e que, por isso mesmo, o afeta de alguma forma até se tornar a fonte de sua angústia5. O infamiliar seria, então, algo familiar que produz um estranhamento momentâneo, um traço que talvez quebre a expectativa de uma continuidade do familiar. A causa só pode estar ligada à dimensão cognitiva, porque envolve um esquema de expectativas ligadas à rotina, ao já mencionado familiar. Freud procura, desse modo, ir além da questão do conhecido e, sobretudo, do não-conhecido.

5 S. Freud, O infamiliar [Das Unheimliche], Edição comemorativa bilíngue (1919-2019), Belo Horizonte, Autêntica Editora, Edição do Kindle, 2019.

(...) Jentsch reiterou essa relação do termo com a novidade, o não familiar. Ele encontra na incerteza intelectual a condição essencial para que o sentimento do infamiliar se mostre. O infamiliar seria propriamente algo do qual sempre, por assim dizer, nada se sabe. Quanto mais uma pessoa se orienta por aquilo que se encontra a sua volta, menos é atingida pela impressão de infamiliaridade quanto às coisas ou aos acontecimentos.6

Freud aponta que o infamiliar está, por exemplo, naquilo que parece vivo, mas não está, tal animais empalhados, bonecos de cera etc. que, com sua figuratividade “realista”, cria a expectativa de que sairiam se movimentando de maneira autônoma. A incerteza está ligada a essa suspensão entre o que se é e o que pode ser7. Em outras palavras, o infamiliar é essa indecisão entre o que se vê (um boneco de cera) e o que ele pode ser ou fazer (piscar o olho, sorrir, começar a andar), rompendo assim a expectativa criada na rotina.

6 Ibid., p. 54.


7 Cf. A.J. Greimas, Sobre o sentido II, São Paulo, EDUSP/Nankin, 2014, p. 133.

Em termos psicanalíticos, o infamiliar dilui a fronteira entre a ficção e a realidade. Em perspectiva semiótica, seria uma quebra do contrato fiduciário, a mudança de isotopia que oscila entre uma ou outra leitura :

(...) algo que tem um efeito de infamiliar frequente e facilmente alcançado quando as fronteiras entre fantasia e realidade são apagadas, quando algo real, considerado como fantástico, surge diante de nós, quando um símbolo assume a plena realização e o significado do simbolizado e coisas semelhantes. Aqui se baseia também boa parte da infamiliaridade inerente às práticas mágicas8.

8 S. Freud, op. cit., p. 76.

Além da questão do contrato fiduciário, a dissolução da fronteira entre a fantasia e o “real”, isto é, entre a expectativa que a inventividade e a rotina geram nos sujeitos, já foi trabalhada em outro registro pela semiótica. Em Da imperfeição, Greimas observa um fenômeno semelhante : é a gota que contraria a expectativa e a lei da gravidade e para no ar ; é o seio desnudo na praia que acentua um sentido de Palomar. Em suma, são objetos que ganham uma dimensão sensível distinta a partir dessa relação com o sujeito.

O conceito que melhor trabalha com a questão sensível na interação é o “ajustamento”, definido por Landowski como uma construção recíproca entre sujeitos ou entre sujeitos e objetos, ou seja, entre parceiros na interação, na qual as potencialidades da alteridade poderiam ser atualizadas por meio desse ajustamento9. Nesse regime, ao os actantes se ajustarem entre si, surgiriam novos sentidos, sentidos não esperados, mas fruídos por ambos os actantes em interação no quadro de uma lógica dita da união.

9 Interações arriscadas, op. cit., cap. 4.

O conceito de união serve, assim, para explicar os estados de alma e os estados somáticos dos sujeitos em uma interação que não é mais respaldada por uma lógica juntiva, mediada por objetos, mas por uma relação face-a-face, corpo-a-corpo, ou seja, uma copresença mútua. Essa copresença, entre sujeitos ou entre sujeito e objeto, envolveria, então, não mais um conhecer, um julgar, um decidir ou um avaliar a distância, mas uma relação da ordem do sensível, ou seja, mais receptiva às qualidades sensíveis do objeto e dos sujeitos em interação. Neste quadro, o ajustamento é uma interação atravessada pelo sensível e pela estesia, independente do estado juntivo do sujeito. Ao ajustar-se um ao outro, condição necessária para a construção de outro sentido, ambos constituem, por algum tempo, um actante complexo novo, uma totalidade inédita.

Sob esse regime, o outro (sujeito ou objeto), apesar de não possuir o mesmo estatuto, a mesma identidade que o sujeito de referência, possui uma autonomia relativa e, portanto, não se reduz a uma pura passividade. No entanto, essa autonomia pode se atualizar de modo proveitoso apenas em função do fazer em ato do parceiro com o qual se interatua. Um exemplo frequentemente apresentado por Landowski é a dança, onde ambos os actantes constroem um discurso único no momento em que o parceiro vai se ajustando ao movimento do outro, conforme ela ou ele evolui10.

10 Ibid., pp. 54-55.

Na relação com o imigrante, essa etapa do infamiliar está, por exemplo, nas estratégias para adquirir comportamentos aceitos ou recomendados na sociedade de recepção. Esse foi o caso de clubes voltados para jovens japoneses que buscavam repetir o comportamento “normal” dos brasileiros :

Tal situação cria para as associações uma função específica : abrasileirar o “nissei”, fornecendo-lhe pelo menos padrões de comportamento adequados. É desta maneira que estão agindo os “clubes”, permitindo e valorizando condutas outrora vedadas ao “nissei”, tais como dançar, participar de festas ocidentais, concurso de beleza etc. E, mais ainda, dando-lhe um núcleo de convivência em que se usa apenas a língua portuguesa, cujo domínio é condição importante para o sucesso nos cursos escolares e na vida profissional.11

11 R.C.L. Cardoso, “O Papel das Associações Juvenis na Aculturação dos Japoneses”, Revista de Antropologia, 7, 1959, p. 110.

O sociólogo D. Pierson mostra que há dois graus de integração do imigrante : um superficial (diríamos, do plano da expressão) e outro profundo, que envolve uma dimensão passional aprovada, no caso, tanto pela comunidade japonesa, quanto pela comunidade brasileira12. “A acomodação, escreve Pierson, tende a remover do estranho seus traços distintivos, como por exemplo o traje peculiar, a língua e os maneirismos do povo entre o qual nasceu, etc.”13. Um tal processo constitui um passo após o estranhamento que, desse modo, começa seu caminho rumo a familiaridade. De certo modo, aqui se reconhece a figura semiótica do “camaleão”, sujeito que se integra na outra comunidade em sua dimensão aparente, visível, da expressão, enquanto ainda permanece o mesmo quando retorna à sua comunidade14. Está, portanto, claro que, na realidade, o que o sociólogo chama de “acomodação” não pode ser confundido com uma verdadeira forma de ajustamento. “Acomodar-se” é um processo unilateral que remete à ideia de assimilação : ao se “abrasileirar”, o imigrante conforma-se, adata-se, à norma local. “Ajustar-se” supõe, ao contrário, um processo de contaminação recíproca acabando num mínimo de transformação de ambas as partes em interação.

12 D. Pierson, Teoria e pesquisa em sociologia, São Paulo, Melhoramentos, 1972.


13 Op. cit., p. 210.


14 Cf. E. Landowski, “Por uma Zoosociossemiótica”, Presenças do outro, op. cit., pp. 37-40.

3. Alteridade e acidente : o novo, o exótico e o estranho

O surgimento da alteridade no horizonte de possibilidades de um dado grupo social rapidamente se converte em novidade, algo exótico ou estranho. Yuri Lotman auxilia na tarefa de compreender como um texto, um sujeito ou qualquer outra grandeza que vem do exterior da semiosfera realiza seu percurso15. Resumidamente, segundo o autor, todo texto estrangeiro possui uma posição elevada na escala de valores da semiosfera receptora. No entanto, é possível observar nos dias atuais que nem tudo que é estrangeiro é valorizado em uma semiosfera. De todo modo, ainda que como princípio, a ideia de partida de que algo é considerado estranho por causa de seus traços (dentre eles a língua) é um bom começo para a discussão sobre o estranhamento e outras formas de compreensão da alteridade. Assim, passa-se para a discussão da questão a partir do impacto que tal novidade traz para a identidade por meio da noção de acidente.

Uma primeira definição possível de acidente está relacionada a um acontecimento extraordinário ou inesperado. Esse tipo de definição está próximo dos acidentes naturais, como enchentes, tornados, terremotos etc. Mas há uma segunda acepção de acidente, em que o embaralhamento modal é produzido pela figura de um destinador, que não propõe mais um contrato, nem exige nada em troca. Esse destinador estaria mais próximo do destinador-julgador, mas sem se comunicar com os sujeitos e restringindo-se a julgá-los de modo positivo ou negativo sem justificar suas decisões. O acidente ocorre, então, quando surge uma decisão não prevista que influencia o programa narrativo de certos sujeitos. Esse é o caso, por exemplo, de uma ditadura que elimina as liberdades civis e políticas da sociedade. A organização modal desse sujeito-sociedade é abalada por essa decisão, e o sujeito perde a sua direcionalidade no programa narrativo em que estava localizado. Dessa forma, o acidente rompe com a continuidade para instaurar outra possibilidade de sentidos. Pode-se, portanto, entender o estranhamento como um tipo de acidente, porque desestabiliza as modalidades do saber e do crer. É algo do plano da expressão ou do conteúdo de uma linguagem que contraria a expectativa do sujeito em sua continuidade consolidada, com uma organização modal firmada em sua programação diária. Consequentemente, perde-se a modalidade que sustenta a competência estésica e modal do sujeito, porque não há base cognitiva para sustentar o entendimento em relação à alteridade.

15 Y. Lotman, La sémiosphère, Limoges, PULIM, 1999.

Em Da Imperfeição, Greimas mostra que um efeito estésico pode ser produzido por uma disposição particular do sujeito (como no caso de Palomar) ou por uma organização plástica excepcional do objeto (no conto de Tanizaki)16. Se há, nesse último exemplo, um objeto estético que fascina, postula-se, em tese, a existência de um anti-objeto estético, que provoca ojeriza. Essa sensação disfórica decorre da quebra de uma expectativa e de uma interferência na competência modal do actante, sobretudo em relação ao seu sentir porque o predomínio é do sensível. A estranheza surge do não-saber-sentir instaurado por uma presença sensível, a partir da qual desmobiliza a identidade que está interagindo com a alteridade, ao menos em sua versão mais radical, como a que se conhece da reflexão greimasiana a respeito da obscuridade no conto de Tanizaki. Em consequência dessa organização modal, ocorre ainda a incerteza de um não-crer-ser que o estranho suscita. E como se resolve o impasse criado pelo estranho ? Greimas aponta um caminho, quando o sujeito-narrador do conto de Tanizaki passa a decompor a totalidade, o que permite compreender o que causa a estranheza, em uma base que, em sua essência, passa a ser algo reconhecido como familiar : “A obsessiva intenção de totalidade que praticamos pode ser substituída pela contemplação do infinitamente pequeno : totus ou unus, isso resulta no mesmo”17.

Assim, para diminuir a fratura produzida pela estranheza, é preciso decompor e identificar os elementos da significação comuns a todos os sujeitos envolvidos. Francesco Marsciani estabelece uma síntese dialética sobre a relação entre totalidade e decomposição : “trata-se da capacidade, própria da dimensão sensível, de apreender a totalidade dos infinitos detalhes que compõem e constituem o objeto como tal, na sua pregnância figurativa e na sua efetiva presença”18. Essa síntese é necessária para se criar um novo estilo de avaliação do diferente e do novo a partir de uma competência sensível.

16 A.J. Greimas, Da imperfeição, São Paulo, Hacker, 2002.


17 Ibid., p. 52.


18 F. Marsciani, “ ‘Também é bonito!’ Sobre o aspecto terminativo do juízo do gosto”, in E. Landowski e J. L. Fiorin (orgs.), O gosto da gente, o gosto das coisas. Abordagem semiótica, São Paulo, EDUC, 1997, p. 36.

A postura da identidade pode ainda apresentar alguma variação em relação à alteridade, tal como a encontramos na familiaridade. Nesse caso, a alteridade pode ser, ao invés de um estranho, uma novidade ou ainda ser qualificada como algo exótico. Tudo vai depender da disposição da identidade ao reagir a esse acidente : de uma maneira eufórica, no caso da novidade, ou com curiosidade em relação ao exótico. A novidade é o que aparece ou o que é criado pela primeira vez. Seu efeito de sentido é o original e o inusitado. Ela provoca um querer-saber mais sobre o que constitui a alteridade do outro. Já o exótico pode estar ligado à noção de extravagante ou excêntrico, mas há também a noção de ser algo inacabado ou malfeito. O estranho se refere ao que é esquisito ou extraordinário, de alguma forma excêntrico. Causa espanto por ser novidade e desconhecido. Que foge aos padrões e aos costumes, à rotina. Que causa sensação de estranheza. O estranho é também da ordem do misterioso, enigmático. Pode despertar admiração ou espanto por não se conhecer ou não se esperar. Em um trabalho sobre restaurantes abertos por imigrantes, observou-se, basicamente, que, para o brasileiro, ir a um restaurante por exemplo venezuelano era adentrar na novidade que o desconhecimento do outro pode propiciar, enquanto, para o imigrante, a experiência é um retorno ao familiar, ao já conhecido19.

19 A.M. Bueno, “Espaço e experiência em restaurantes imigrantes”, Galáxia, 47, 2022.

Por outra parte, quanto mais exótico um grupo imigrante, maior seria o esforço para integrar os grupos. Isso decorre de outra característica na interação com a alteridade : a distância que se estabelece com a identidade em relação a traços mais ou menos conhecidos20. Assim, se na familiaridade estamos quase na ordem do íntimo, no exótico e, sobretudo, no estranhamento, estabelece-se uma distância por vezes difícil de transpor. É isso que, ainda nos anos 1940, fornecia seus argumentos à abundante literatura anti-imigração :

Para impedir que elementos estrangeiros no Brasil venham perturbar a nossa soberania ou serem fatores dissociativos ou enfraquecedores do espírito da nacionalidade é preciso cuidar-se da assimilação do alienígena e de seus descendentes. Daí decorre a necessidade imprescindível de associar-se ao problema imigratório o de assimilação (...) Trataremos somente dos Países Europeus visto que os Asiáticos, por condições raciais inassimiláveis, não devem entrar em nossas cogitações de aproveitamento21.

20 Sobre essa distância, cf. A.M. Bueno, “Entre o peixe e o xamã : processos semióticos no encontro intercultural”, Estudos semióticos, 17, 2021.


21 G.M. Côrtes, “A Imigração”, Revista de Imigração e Colonização, 1947, p. 6.

Assim, o estranhamento causado pelo distanciamento das características de um determinado grupo imigrante leva ao distanciamento. Como veremos mais adiante, a única forma de diminuir esse estranhamento é construir um saber sobre o outro e ultrapassar a incompreensão entre o “nós” e os distintos grupos de imigrantes. O desconhecimento do outro traz consequências decisivas para a construção da relação com a alteridade. Dentre elas, há, obviamente, a ideia da ameaça estrangeira, um discurso passional do medo.

Mas, no sentido oposto, o estranhamento pode ser também uma experiência do imigrante. Em um discurso biográfico, Tomoo Handa, artista plástico japonês que morou boa parte de sua vida no Brasil, relata as dificuldades dos primeiros imigrantes japoneses nas lavouras de café no Estado de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX22. Dentre as dificuldades, ele menciona a língua e a alimentação. A língua, por razões obvias, era um grande problema para a comunicação entre trabalhadores brasileiros e os japoneses que chegavam. Ademais, os japoneses estranhavam a comida local... O arroz japonês é diferente do arroz mais consumido no Brasil, além de ter um modo de prepará-lo também distinto. Em suma, a experiência dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil foi um desastre do ponto de vista gastronômico. Esse episódio mostra bem como um encontro produz significações distintas entre, por um lado, o imigrante que chega em uma terra estranha (e, na época de Tomoo Handa, quase sem nenhuma informação) e, pelo outro, um mundo com suas normas, valores, costumes e outros sujeitos inseridos nesses esquemas de significação. Por isso, o sujeito que encara a estranheza precisa estar imbuído de uma intencionalidade que visa a imiscuir e compreender, ao menos em parte, a existência do estranho para reelaborá-lo em bases inteligíveis, após a ruptura sensível provocada pelo estranhamento.

22 T. Handa, Memórias de um imigrante japonês no Brasil, São Paulo, Centro de Estudos Nipo-brasileiros, 1980.

4. A intencionalidade e a construção do (re)conhecimento

Depois da descontinuidade provocada pelo estranhamento, o sujeito que sofreu o impacto da ruptura que o estranhamento provoca pode organizar outras bases para reestabelecer, de modo mais inteligível, sua interação com a alteridade. É nesse momento que a identidade fica mais próxima ao inteligível do cotidiano (da programação e do familiar) e pode (re)elaborar seu encontro com o outro em termos de uma organização de seu conhecimento a respeito do outro, que é precedido pelo reconhecimento do estatuto de sujeito na alteridade. Aqui não há ainda uma familiaridade, mas sim uma postura ativa para conseguir compreender o outro, que pode ou não levar a uma relação efetiva da alteridade no conjunto de referências e valores da identidade.

É nesse ato, basicamente cognitivo, que o sujeito pode decompor o outro em significações finamente articuladas ao invés de tomá-lo como uma totalidade. Desse modo, pode-se isolar o que produz o estranhamento e reconhecer o que faz parte do “repertório” de significações conhecidas por parte da identidade. O modo como a identidade parte em direção da alteridade para reconhecê-la e conhecê-la pressupõe uma intencionalidade, enquanto um primeiro passo para ultrapassar o estranhamento. É no regime de manipulação que se torna possível retomar o princípio de intencionalidade na interação. De um lado, há as estratégias de tentação e de intimidação que tiram sua eficácia manipulatória do valor positivo ou negativo do objeto e, no limite, pode ser considerado como um acordo entre destinador e destinatário por meio do contrato (em que se prevê o prêmio ou a punição). Nessas duas estratégias, a intencionalidade é de ordem objetiva. De outro lado, as estratégias da sedução e da provocação envolvem a valorização ou a desvalorização da imagem do destinatário. Nesse caso, a intencionalidade é subjetiva.

A manipulação envolve, ainda, a competência modal do sujeito do fazer, o que não é garantia de qualquer tipo de sucesso na interação. Há, então, certa imprevisibilidade na manipulação, porque ela envolve sistemas de valores, interpretação, preferências e gostos distintos entre o manipulador-destinador e o destinatário. Há duas possibilidades de resolução dessa incerteza. A primeira é transformar o destinatário em um não-sujeito, o que conduziria a certa programação de seu fazer, despertando nesse destinatário um /querer-fazer/ para ser recompensado ou um /dever-fazer/ por medo (percurso que pode conduzir até o familiar). O manipulador, nesse caso, optaria por aceitar o estranhamento do outro e assim manter a sua relação, praticamente em um regime de exclusão ou de segregação23. A outra solução é tentar entrar na “consciência” do destinatário. Nesse momento, o destinador começaria a se colocar no lugar do outro. Para tentar se colocar no lugar do outro (do destinatário), no regime de manipulação, o destinador precisa localizar os “pontos sensíveis” do destinatário para poder de fato manipulá-lo, tanto por provocação quanto por sedução. Há, assim, a necessidade de uma interpretação do destinador nesse processo que leva rumo uma identidade “empática”, ou seja, que acolhe a alteridade, seja com o objetivo de respeitar as diferenças mais “aceitáveis” (suspendendo o estranhamento), seja com a busca pela assimilação completa do outro (tornando-o um igual).

Depois da guerra, a aculturação dos japoneses processou-se em ritmo acelerado e deixou de existir o problema dos quistos raciais nipônicos. As universidades estão cheias de “niseis” que, de oriental, possuem apenas os olhos oblíquos. Em todos os setores da vida brasileira, inclusive na política, os imigrantes nipônicos e seus descendentes participam ativamente. Alega-se com frequência que os japoneses fazem questão de se reunir em grupos fechados para o desempenho de atividades artístico-culturais. Em primeiro lugar, esses grupos não são fechados. E, em segundo lugar, uma forma magnífica de demonstrar sentimento de brasilidade é introduzir no nosso meio os elementos de uma cultura milenar que sempre causou inveja ao Ocidente.24

23 Cf. Presenças do outro, op. cit., p. 15, n. 9.


24 E. Pagote, R. Moraes, “O sol também nasce no Ocidente”, O Cruzeiro, 14 de junho de 1958, pp. 24-26.

Esse trecho mostra a mudança que ocorrera em relação à imigração japonesa. Conhece-se e reconhece-se a contribuição no desenvolvimento econômico do país, mesmo que linguisticamente ainda haja problemas. O ato que o destinador realiza aqui é o de conhecer e valorizar um aspecto da imigração, distinguir (e minimizar) o que considera um “defeito” do outro e reconhecer que o país pode se beneficiar com a presença de mais imigrantes japoneses.

Mas esse reconhecimento é apenas a etapa final de um processo relativamente longo de entendimento do outro. Dentre as opções de entendimento do outro, pode-se ainda mencionar o movimento de popularização da cultura japonesas a partir da década de 1980, assim como o movimento geral de adaptação e de integração de elementos culturais do país por parte do ocidente. Visava-se à integração de objetos estranhos ao universo da sociedade de recepção por meio de elementos significativos que pudessem ter uma equivalência. Esse movimento cognitivo de conhecimento da cultura do outro é responsável também pela aproximação entre o que o grupo de referência já sabe e o que ele precisa incorporar de estranho que é trazido pela alteridade.

Tomemos, para encerrar nossa discussão, o exemplo do izakaya. Trata-se de um estabelecimento comercial em que os japoneses vão para beber e comer petiscos. Ora, esse tipo de estabelecimento encontra na figura do boteco brasileiro um equivalente. Para se compreender o funcionamento e a organização do izakaya basta compará-lo ao que conhecemos como um boteco. De fato, há especificidades do estabelecimento importado que pertencem também ao seu equivalente nacional, como, em particular (além do churrasco típico japonês), esse elemento básico, o balcão. Em suma, há um movimento cognitivo para identificar e conhecer um objeto trazido por imigrantes e que não faz parte da rotina, mas pode vir a se tornar algo familiar.

Conclusão

Este trabalho objetivou discutir alguns efeitos de sentido produzidos pelo encontro entre a identidade e a alteridade no âmbito da imigração para o Brasil. Foram recuperados discursos que permitissem a discussão das definições de familiar, estranhamento, infamiliar e (re)conhecimento. As relações entre esses efeitos de sentido foram aclaradas por sua homologaçao com os regimes de interação e de sentido : familiar / programação, infamiliar / ajustamento, estranhamento / acidente, e (re)conhecimento / manipulação.

Entre acertos e erros, visou-se uma outra via para algumas consequências da relação entre identidade e alteridade. Uma identidade assimiladora tem certos “critérios” para integrar o outro, dentre eles, uma maior familiaridade em termos culturais, linguísticos, econômicos, religiosos etc. Em relação à exclusão, um traço estranho é o responsável, ou o pretexto, para afastar a alteridade do imigrante. Em suma, mobilizar os efeitos de familiaridade e de estranhamento significa colocar uma distância maior ou menor entre um grupo de referência, com seus movimentos assimilacionistas ou excludentes, e as estratégias que o grupo considerado como representante da alteridade pode acionar para manter seus próprios sentidos familiares ou, alternativamente, para se integrar (isto é, “abraçar” o que lhe é estranho). Nos termos de Julia Kristeva existiria uma “alteridade radical” em oposição a uma “alteridade normal”25, ou seja, segundo entendemos, respectivamente uma forma de alteridade que causa estranhamento, e uma outra que apresenta um ar de familiaridade.

25 J. Kristeva, Estrangeiros para nós mesmos, Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

Nesse movimento do estranhamento ao familiar, é preciso entender o que provoca tal sensação : é a alteridade ou o objeto produzido por ela ? Esse efeito de sentido surge como um produto que “representa” a presença do outro ou é a própria presença da alteridade em relação conosco ? Ambas as possibilidades parecem possíveis, mas com consequências distintas para a interação com a alteridade. Essas últimas perguntas apontam para um aprofundamento das questões que foram tocadas ainda de modo superficial neste texto. Assim, muito ainda há para se desenvolver sobre, por exemplo, os critérios concretos da distinção entre objetos e sujeitos familiares e estranhos para ambos os lados dessa relação, assim como um aprofundamento nas questões concernentes aos papeis indissociáveis do inteligível e do sensível nesses processos interacionais.

 

Bibliografia

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— “Espaço e experiência em restaurantes imigrantes”, Galáxia, 47, 2022.

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Fontes

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1 Cf. E. Landowski, Interações arriscadas, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014, pp. 22-25.

2 E. Landowski, Presenças do outro, São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 37.

3 O. Vianna, “Imigração e Colonização Ontem e Hoje”, Ensaios Inéditos (1943), Campinas, Editora da Unicamp, 1991, p. 387.

4 Jornal do Commércio, citado por S. Romero, “O Allemanismo no sul do Brasil”, Provocações e debates : contribuições para o estudo do Brasil social, Porto, Imprensa Moderna, 1910, pp. 144-145.

5 S. Freud, O infamiliar [Das Unheimliche], Edição comemorativa bilíngue (1919-2019), Belo Horizonte, Autêntica Editora, Edição do Kindle, 2019.

6 Ibid., p. 54.

7 Cf. A.J. Greimas, Sobre o sentido II, São Paulo, EDUSP/Nankin, 2014, p. 133.

8 S. Freud, op. cit., p. 76.

9 Interações arriscadas, op. cit., cap. 4.

10 Ibid., pp. 54-55.

11 R.C.L. Cardoso, “O Papel das Associações Juvenis na Aculturação dos Japoneses”, Revista de Antropologia, 7, 1959, p. 110.

12 D. Pierson, Teoria e pesquisa em sociologia, São Paulo, Melhoramentos, 1972.

13 Op. cit., p. 210.

14 Cf. E. Landowski, “Por uma Zoosociossemiótica”, Presenças do outro, op. cit., pp. 37-40.

15 Y. Lotman, La sémiosphère, Limoges, PULIM, 1999.

16 A.J. Greimas, Da imperfeição, São Paulo, Hacker, 2002.

17 Ibid., p. 52.

18 F. Marsciani, “ ‘Também é bonito!’ Sobre o aspecto terminativo do juízo do gosto”, in E. Landowski e J. L. Fiorin (orgs.), O gosto da gente, o gosto das coisas. Abordagem semiótica, São Paulo, EDUC, 1997, p. 36.

19 A.M. Bueno, “Espaço e experiência em restaurantes imigrantes”, Galáxia, 47, 2022.

20 Sobre essa distância, cf. A.M. Bueno, “Entre o peixe e o xamã : processos semióticos no encontro intercultural”, Estudos semióticos, 17, 2021.

21 G.M. Côrtes, “A Imigração”, Revista de Imigração e Colonização, 1947, p. 6.

22 T. Handa, Memórias de um imigrante japonês no Brasil, São Paulo, Centro de Estudos Nipo-brasileiros, 1980.

23 Cf. Presenças do outro, op. cit., p. 15, n. 9.

24 E. Pagote, R. Moraes, “O sol também nasce no Ocidente”, O Cruzeiro, 14 de junho de 1958, pp. 24-26.

25 J. Kristeva, Estrangeiros para nós mesmos, Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

 

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Résumé : Cet article porte sur quatre effets de sens liés aux relations entre l’identité d’un groupe de référence et le type d’« altérité » auquel il est confronté : effets de « familiarité » et son contraire, effet de « reconnaissance » et effet d’« étrangeté ». Ceci dans les rapports quotidiens entre Brésiliens et immigrés de diverses origines, notamment japonaise. Le modèle interactionnel d’E. Landowski sert de cadre théorique.


Resumo : O presente trabalho tem por objetivo examinar quatro efeitos de sentido a partir da interação entre identidade e alteridade : familiaridade, “infamiliar”, (re)conhecimento e estranhamento. Para isso, refere-se à imigração no Brasil em diferentes momentos históricos. Em termos teóricos, foram mobilizadas as propostas de E. Landowski, sobretudo os regimes de interação e sentido. Assim, observou-se que os efeitos de sentido se baseiam na rotina, na manipulação, no ajustamento e no acidente.


Abstract : This contribution examines four effects of meaning involved by the interaction between identity and otherness : familiarity, non-familiarity, recognition and estrangement in the context of immigration in Brazil at different historical moments. E. Landowski’s interactional model serves as theoretical basis. Thus, it was observed that the effects of meaning are based on routine, manipulation, adjustment and accident. Moreover, it was reflected on the political consequences of each effect of meaning for the relationship between Brazilian society and immigrants, pointing to the preference for immigrants more familiar in cultural terms, as opposed to the segregation of immigrants whose culture caused greater estrangement.


Mots clefs : étrangeté, familiarité, reconnaissance, régime d’interaction, immigration.


Auteurs cités : Sigmund Freud, Algirdas J. Greimas, Julia Kristeva, Eric Landowski, Yuri Lotman, Francesco Marsciani, Donald Pierson.


Plan :

Introdução

1. Formas da rotina : do insignificante ao familiar

2. O infamiliar e o sensível

3. Alteridade e acidente : o novo, o exótico e o estranho

4. A intencionalidade e a construção do (re)conhecimento

Conclusão

 

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Recebido em 10/03/2023. / Aceito em 15/05/2023.