Crise politique

O vírus, os estados,
os coletivos : interações
semiopolíticas

Franciscu Sedda
Universidade de Cagliari

Publié en ligne le 4 mars 2021
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2021n1.54176
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Premissa

O presente artigo foi publicado inicialmente em italiano em 15 de abril de 20201. Ele foi escrito, por assim dizer, “no calor do momento”, ou, se preferirmos, “ao vivo”, enquanto o evento da pandemia explodia e ia se desenvolvendo. A análise almejava captar a resposta dos diversos Estados-nação, entendidos enquanto atores coletivos, diante de um evento imprevisto (ainda que não totalmente imprevisível) como aquele representado pelo vírus. No momento da tradução do texto para o português, nos pareceu apropriado e útil não atualizar seus conteúdos. Tal escolha responde à intenção de mostrar como este trabalho pretendia (e pretende ainda) falar não apenas da relação entre os Estados-nação e a imprevisibilidade, como também dos limites e das potencialidades de uma análise semiótica feita “em ato”, enquanto o processo que ela pretende investigar acaba de emergir e o horizonte de seu desenvolvimento está ainda aberto, se não totalmente indefinido.



1 F. Sedda, “Il virus, gli stati, i collettivi : interazioni semiopolitiche”, E/C, revista da Associação italiana de estudos semióticos (www.ec-aiss.it). O autor agradece a Micaela Altamirano pela tradução para o português e Paolo Demuru pela leitura, comentários e revisão do texto.

Introdução

O coronavírus se apresentou em nossas vidas como um verdadeiro “acidente”, não só porque seu surgimento não foi humanamente programado, como teriam desejado os teóricos da conspiração que surgem como fungos diante de todo acontecimento trágico e inesperado, mas também porque a extensão de seus efeitos é tal que se apresenta como sem precedentes para a imensa maioria das pessoas que vivem no planeta hoje.

A Covid-19 foi imediatamente interpretada como um fenômeno planetário, porém o curso de seu desenvolvimento e as condições geopolíticas concretas do mundo atual favoreceram uma resposta de base estatal. A coordenação e a liderança assumidas, no plano científico, por entidades transnacionais como a Organização Mundial da Saúde não impediram que a resposta imediata ao vírus tenha sido em muitos aspectos local, evidenciando, entre outras coisas, o problema da função e manutenção das instituições supranacionais, como a União Europeia, e recolocando no centro da discussão o valor da cooperação internacional, tensionada entre explosões de solidariedade e movimentos atribuíveis a formas mais ou menos explícitas de soft power.

 

Se por um lado a crise, ao dar centralidade à ciência e à pesquisa médica, enfatizou a dimensão global e cooperativa da resposta, por outro lado a concretude das escolhas institucionais feitas para enfrentar a ameaça representada pela Covid-19 tornou tangível a desunião do mundo, ou pelo menos suas discordâncias institucionais, as diferenças culturais de governos e sociedades diante do risco. E, especificamente, um risco inesperado, peculiar, invisível, como aquele produzido por um vírus que pode se espalhar de forma assintomática.

É significativo, neste sentido, que no espaço de poucas semanas o debate sobre a Covid-19 tenha acolhido reconstruções histórico-antropológicas sobre a forma como locais e culturas específicas responderam no passado às pandemias. Daí nossa ideia de tentar uma indagação semiótica sobre o tema, que toma como referência o modelo dos regimes de sentido desenvolvido por Eric Landowski em seu livro Interações Arriscadas e em outros trabalhos mais recentes, que aqui adequaremos às nossas exigências2. Utilizaremos, portanto, a grelha de análise que se baseia na oposição entre uma interação programada e uma aleatória e que se desenvolve identificando as posições de uma interação manipulatória (não-aleatória) e outra por ajustamento (não-programada). Explicaremos melhor conceitos e termos no decorrer do artigo ; no entanto, devemos prontamente notar uma diferença com a abordagem landowskiana, que também pode ser lida como uma especificação ou um avanço do modelo : ao passo que este implicitamente se refere a interações entre dois termos, a interação que o acidente pandêmico desencadeou põe em jogo pelo menos três termos. Com efeito, não se limita à relação entre a ação do vírus e a resposta dos Estados, mas convoca, diante e dentro desses últimos, os governados. Em outras palavras, o vírus sempre nos força a redefinir a relação entre governantes e governados e, portanto, a forma do coletivo como um todo.

2 Cf. Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

Isso é visto muito claramente na diferença entre respostas ao vírus de tipo programador ou aleatório, por um lado, e respostas manipulatórias ou de ajustamento, por outro. Os dois primeiros, apesar de contrários, nesta conjuntura tendem a estar unidos pelo fato de tratar os governados de forma objetivante : o Estado, diante do vírus, os trata em ambos os casos como um objeto passivo, uma população sobre a qual atuar no caso da programação, ou um conjunto de indivíduos e facções abandonados em sua condição de fragilidade e relativa desorganização no caso da aleatoriedade assumida como modo de ação.

Já nos casos da manipulação e do ajustamento, o vírus é o gatilho para trazer à tona duas outras modulações subjetivantes da relação entre governantes e governados : no caso da manipulação, a instauração do coletivo como povo dotado de uma vontade de coagir ou mobilizar, no caso do ajustamento a instauração de uma cidadania dotada de sensibilidade partilhada e autônoma. O esquema que relatamos abaixo tem como objetivo resumir parte dos resultados que surgirão da análise. No entanto, algumas especificações devem ser feitas.

A primeira é que nosso trabalho tem um objetivo mais exploratório que teórico. Portanto, visa aproveitar “no calor do momento” o arcabouço semiótico para captar aspectos da experiência inesperada na qual estamos imersos. Como se verá, isso significa também permitir que surjam dúvidas e problemas de tipo metodológico e teórico, cujas soluções são apenas sugeridas, hipotetizadas ou adiadas para outro tipo de trabalho.

A segunda questão é que uma visualização mais precisa, melhor do que a aqui apresentada, deveria conseguir dar conta da dimensão dinâmica e complexa das interações políticas em jogo. Deste ponto de vista, o esquema deve ser entendido como um “campo” — saturado de relações, tensões, figuras — dentro do qual operam posicionamentos e movimentos3. Retornaremos a essas questões no item 6.

3 Para um exemplo nosso, veja o campo sociossemiótico construído a partir da oposição entre as posições de “cidadão” e “consumidor”, em Imperfette traduzioni. Semiopolitica delle culture, Roma, Nuova Cultura, 2012, cap. 3.

Todos esses avisos nos dão a oportunidade de retornar a algumas questões teóricas gerais. Em primeiro lugar, o fato de que os quatro regimes — aleatoriedade, ajustamento, manipulação e programação, com as relativas respostas ao risco (negação, convivência, contenção, eliminação), os relativos modos de interação (confusão, responsabilização, motivação, controle) e de formação de coletivos (individualidade, cidadania, povo, população) — na prática acontecem em conjunto e em níveis diversos. Veremos, por exemplo, como cada escolha feita pelas instituições convoca ou implica como pano de fundo alguma pressuposição no que refere à sensibilidade, aos hábitos de seus próprios governantes. É também evidente que os mesmos modos de interação entre vírus, Estados e coletivos estão sujeitos a uma dimensão processual e, portanto, à possibilidade de variar ao longo do tempo, em função das situações e contingências. Daí, por exemplo, a passagem gradual ou repentina entre diferentes lógicas (da aleatoriedade para programação, da manipulação para ajustamento, etc.) ; a sensação geral de estar diante de um processo incerto de ajustamento (não apenas entre sensibilidades mas também entre vontades humanas ou não humanas, como aquela representada pelo vírus) ; a possibilidade de que a própria mutabilidade das escolhas de ação institucional possa provocar um efeito global de aleatoriedade que replica de fato a lógica do acidente que as desencadeou.

No entanto, parece-nos claro que existem dominantes, ou seja, lógicas que de Estado para Estado tendem a se impor como diretrizes na resposta ao vírus e na gestão da relação entre governantes e governados. Essas lógicas são ao mesmo tempo linguagens, ou seja, formas de moldar a resposta ao risco, o modo de interação entre governantes e governados, a forma do coletivo, mas ao mesmo tempo a forma das polaridades, dos pontos que orientam a ação, tendências, transformações. Vamos agora examinar essas dominantes com mais detalhes. Antes, porém, queremos sublinhar que nos concentraremos nas reações imediatas, ou pelo menos relativas aos primeiros momentos da crise, implementadas pelos Estados : nomeadamente, aquelas em que a exposição ao acidente tornou mais evidentes as diferentes modalidades culturais e políticas — ou, como preferimos dizer, semiopolíticas — para lidar com ele4.

4 As presentes elaborações baseiam-se nas múltiplas e fragmentárias visões e leituras induzidas por este tempo de crise. Relataremos apenas aquelas das quais extraímos algumas citações.

1. Entre autoritarismo e tecnocracia :
a programação da China e da Coréia do Sul

China e Coreia do Sul foram os primeiros países a enfrentar o coronavírus e parecem ser os primeiros a conter seus efeitos. Daí uma discussão acalorada sobre os métodos e significados de suas políticas. Na verdade, ambos se situam no campo da programação, ou seja, uma ação que trata os governados como um objeto sobre o qual operar para se contrapor ao risco ; entretanto, esses programas apresentam diferenças cuja análise abre para reflexões mais amplas sobre o tema do controle de dados e da corporeidade, bem como da segurança e da liberdade em um mundo cada vez mais complexo.

 

1.1. A programação autoritária da China

No caso da China, este modo de ação certamente explorou os meios de tecnologia que encontraremos também no modo de ação da Coréia do Sul ou do confinamento que seria posteriormente operado na Itália e em muitos outros países. No entanto, o mais impressionante é que esse modo de ação na China parece agir mais diretamente sobre os corpos. As imagens de pessoas que foram violentamente colocadas em quarentena confirmam essa tendência de agir sobre o controle do corpo ; uma ideia que também é reforçada por ações institucionais de longo prazo na República Popular da China, como a “política do filho único”.

A violenta arregimentação dos corpos encontra apoio, ao mesmo tempo, nas notícias relativas ao tratamento reservado pelo Estado aos médicos que denunciaram a propagação da epidemia. Essa reação inicial, composta de descrédito e censura, reforça a ideia de uma resposta autoritária à crise. Ao mesmo tempo, esta forma de programação projeta sua luz para trás, evidenciando como sua radicalidade é também uma tentativa de remediar uma condição inicial de aleatoriedade, dada não tanto pelo efeito surpresa do vírus como um evento inesperado, mas devido à recusa em reconhecer o inesperado como tal :

No início, seu regime [de Xi Jinping] parecia estar caminhando para uma espiral de crise, interna e internacional. O encobrimento das notícias sobre o contágio em Wuhan, as censuras e as mentiras, a perseguição aos heroicos médicos que deram o alarme : tudo isso determinou uma verdadeira catástrofe, obviamente sanitária, mas também política. Apesar do poder dos meios de censura, o descontentamento e os protestos sobre a má gestão da emergência foram galopantes também dentro da China.5

Assim Federico Rampini reconstrói aquela primeira fase que a ação de programação subsequente tentou ao mesmo tempo superar e esconder, conseguindo até certo ponto fazê-la ser esquecida e transformando o governo chinês, na opinião pública internacional, de culpado pela disseminação de vírus a sujeito virtuoso no confronto e na oferta de apoio a outros países.

5 F. Rampini, “La lezione di Confucio”, Il Venerdì di Repubblica, 27 de março de 2020, p. 22.


1.2. A tecnoprogramação sul-coreana

No caso da Coreia do Sul, a ênfase recai sobre o controle dos corpos por meio da mediação do contact tracing, um sistema de rastreamento algorítmico que reconstrói a rede de contatos de pessoas infectadas tanto por meio de entrevistas como por meio de imagens de câmeras de segurança, dos dados dos cartões de crédito e dos smartfones. Tudo para poder interceptar e isolar mais infectados antes que eles possam espalhar ainda mais o vírus.

Trata-se, portanto, de uma programação tecnocrática, que levanta dilemas e expectativas de grande importância, mas resumidas pela diferença que Yuval Noah Harari vê nas formas de ação da China, por um lado, e da Coréia do Sul (mas também de Taiwan e Cingapura) por outro. As várias medidas impostas aos cidadãos pelo governo chinês, incluindo a obrigação de relatar a temperatura corporal, são de fato vistas pelo intelectual israelense como uma possível porta de entrada para uma normalização do rastreamento de dados biométricos e, portanto, como mais um passo na invasão do corpo e sua privacidade, o que pode levar à rastreabilidade de estados de espírito e sensações, bem como à previsibilidade de preferências e comportamentos. O risco é que regimes autoritários, iliberais ou nas mãos de governos de extrema direita, dentre os quais Harari inclui também o Israel de Netanyahu, possam tomar como certas essas formas de controle, que podemos definir infra-corpóreas, mesmo depois de terem voltado à normalidade, não mais pela emergência sanitária, mas com o propósito de monitorar e manipular consensos e consumos.

Onde está, então, a peculiaridade da Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura ? De acordo com Harari,

embora esses países tenham usado aplicativos de rastreamento em certa medida, eles também se concentraram sobre um maior número de testes de saúde, sobre informações corretas e sobre a colaboração de uma opinião pública bem informada.6

Tudo ao contrário da China, que teria simplesmente se concentrado no “monitoramento generalizado e punição severa”. É claro que, mesmo assim, o limite entre uma programação autoritária e uma tecnocrática parece borrado, assim como parece incerta a possibilidade de realizar na prática a medida corretiva proposta por Harari : um acesso aos dados a ponto de permitir a uma população “motivada e consciente” contra-controlar os governantes, examinando o uso adequado dos dados coletados. Voltaremos a alguns desses dilemas ao final deste item.

6 N.Y.Harari, “Il mondo dopo il virus”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março de 2020, p. 20.


1.3. Biopolítica e eliminação do risco

Apesar das distinções, e tendo em conta o que outros definiram como os limites do modelo sul-coreano,7 parece-nos que tanto os modos de ação chinês como sul-coreano não prevêem, ou não colocam em primeiro plano, uma intencionalidade, uma sensibilidade ou uma possibilidade de ação inesperada ou inventiva por parte dos próprios governados. Estes são de fato instituídos como uma população, um todo indistinto e quantitativo, função de uma ação governamental — misto de “estado policial” e de “tecnoburocracia” — que em troca desse tratamento objetivante garante a saúde, a vida mesmo, ao coletivo. Estamos, portanto, no campo da biopolítica e diante de uma tentativa de eliminar o risco inerente não só à relação entre o vírus e o coletivo, mas também o relativo à interação entre governantes e governados : em troca da segurança em relação ao vírus, estes cedem parcial ou plenamente sua capacidade de agir e sentir com autonomia.

7 Cf. J. Won Sonn, “I limiti del modello sudcoreano”, The Conversation, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março de 2020, pp. 29-30.


1.4. Sensibilidades presumidas ou induzidas

Certamente, se esse regime de ação e interação pode ser eficaz e se pode pensar em colocá-lo em prática, é também porque pressupõe uma sensibilidade que se conforma com ele quase naturalmente, que o baseia a priori e o torna eficaz em ato.

Bastará simplesmente acenar a todos os discursos sobre a ética coletiva da China nutrida pelo senso de harmonia confucionista como prática incorporada e valor dominante ; ou à normalização do controle algorítmico em uma sociedade como a sul-coreana que fez da fusão entre o vivido e a tecnologia um dos símbolos de seu surgimento no cenário global, a ponto de se falar do vício em tecnologia como uma verdadeira doença nacional.

A programação e a sensibilidade, portanto, perseguem-se e buscam apoiar uma à outra. O fato é que a programação é aqui a dominante, usufruindo uma sensibilidade implícita ou talvez instaurando-a ao mesmo tempo em que a evoca como pressuposto das escolhas do governo.


1.5. Contágio chauvinista

Interessante ainda é como esses programas chineses e sul-coreanos, também pelo tempo recorde de enfrentamento e contenção do vírus, geraram de imediato debates e posicionamentos em cadeia no resto do mundo.

A China, por exemplo, prestou-se a ser uma fonte de evocação por parte das forças políticas europeias que, embora não aspirem abertamente a cenários autoritários, têm, no entanto, aproveitando-se dos sucessos chineses para defender um modelo de Estado forte e seguro, dotado de plenos poderes para poder intervir na vida dos cidadãos e também no fechamento rígido das fronteiras.

Não se deve banalizar o fato que aqueles que podem explorar o modelo chinês de gestão do vírus são os mesmos que provavelmente apontaram a China e os chineses à zombaria pública nos estágios iniciais da crise, a fim de despertar e capitalizar em um sentido nacionalista a fobia pelo outro “infectado” que vem de fora. Os mecanismos discursivos do populismo xenófobo exploram igualmente bem tanto o conflito em direção a uma alteridade decididamente móvel e situacional (pense na Liga antigamente nortista contra os sulistas, depois separatista contra os italianos, depois cristã contra os muçulmanos, depois italiana contra os migrantes, então, novamente italiana contra os chineses etc.) quanto o contágio de chauvinismo mútuo : ou seja, a possibilidade de validar o sucesso doméstico no espelho dos sucessos de outros nacionalismos xenófobos, de validar a própria identidade política como o caso local-nacional de um tipo de identidade política bem-sucedida ao redor do mundo, isto é, em outras esferas locais-nacionais.

Pensemos na eficácia desse jogo de espelhos comunicativo — dado pela evocação de seus respectivos sucessos — entre o Front National de Le Pen, a Lega de Salvini, o alt-right de Trump, a extrema direita de Bolsonaro, no âmbito do qual Steve Bannon age como embaixador de uma espécie de “internacional paradoxal” da direita, baseada na primazia dos Estados Unidos sobre as outras nações. Trata-se de um uso dos simulacros de uma ideologia comum, ou mesmo do contato direto entre formações, funcional a um contágio semiótico : a possibilidade de infundir, por intermédio do simulacro, humores e sensações positivas em torno da própria posição ideológica, ativando na opinião pública uma profecia que visa sua própria “autorrealização” por meio da construção de uma analogia com os sucessos já obtido pelos outros.


1.6. Vigiar ou proteger : inovação tecnológica
e a esquerda globalista

Por outro lado, o papel e o significado do modelo sul-coreano são diferentes. Este, como dito anteriormente, demanda uma reflexão sobre os limites da relação entre democracia e tecnologia. Se por um lado, de fato, aparenta a enésima frente em que as liberdades civis e a privacidade parecem poder ceder, por outro nutre as expectativas de uma democracia à altura da complexidade do mundo de hoje. Uma democracia que encontra na inovação tecnológica a resposta aos males da contemporaneidade, inclusive os causados pela própria tecnologia.

Esse modelo poderia estar associado, no Ocidente, ao que podemos definir de esquerda globalista ou talvez, de forma mais neutra, àquela parte da classe dirigente que, transitando transversalmente pelos diferentes níveis de governança territorial, estatal ou supranacional, vê a política como um prática técnico-administrativa e encontra nas ferramentas informáticas-estatísticas (aplicadas tanto à segurança quanto à economia) um meio para responder de forma objetiva e competente aos desafios que se colocam a um mundo ao mesmo tempo heterogêneo e interconectado.

A alternativa que a resposta ao risco da Coréia do Sul coloca diante de nós poderia ser resumida, misturando Foucault e Harari, na fórmula supervisionar ou proteger. O mito ou o projeto de uma tecnologia sob controle humano, institucional, capaz tanto em situações de emergência quanto no cotidiano de aprimorar as possibilidades dos cidadãos e do governo — por exemplo, protegendo o coletivo de vírus e ataques ou agilizando a burocracia e facilitando processos de tomada de decisão — em vez de tornar eles e seus dados vítimas do apetite das multinacionais ou das próprias forças políticas.


1.7. Serendipidade ?

Concluindo esta incursão no contexto da programação, vale a pena retornar à reação imediata ao acidente produzido pelo coronavírus. Os países do Extremo Oriente nos colocam diante da aleatoriedade desse tipo de evento em sua forma mais pura. Vimos como a China inicialmente negou a si mesma e à comunidade internacional o significado e a dimensão do que estava acontecendo, tornando, posteriormente, uma rígida programação a forma mais eficaz para se recuperar tanto em termos sanitários quanto de credibilidade (pelo menos em termos de gestão da crise) perante a opinião pública internacional.

O caso sul-coreano, por outro lado, nos expõe a outro tipo de situação que evidencia o vínculo complexo e o limite incerto entre a previsibilidade das crises e a aleatoriedade dos eventos. A resposta rápida e eficaz da Coreia do Sul dependeu também do fato de todo o sistema de prevenção desenvolvido pelo Estado após as crises da SARS de 2003 e da MERS de 2005 ter sido testado com uma simulação em dezembro mesmo. O vírus, portanto, encontrou a Coreia do Sul à sua espera. Um golpe de sorte ou uma demonstração de que os apelos científicos, que durante anos alertaram sobre nos prepararmos para uma pandemia global, poderiam realmente prevenir o risco ? É inevitável ver neste evento um certo grau de serendipidade, mas também a confirmação secular do lema Ajuda-te que o céu te ajudará.

 

2. Exposição, confusão, indiferença : formas da aleatoriedade
na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Brasil

Do lado oposto do modelo e das formas de lidar com o inesperado, temos uma resposta ao acidente do vírus que realmente segue, imita ou reproduz sua lógica. É uma modalidade de interação, com o vírus e com os governantes, muitas vezes retraída, mas não menos relevante justamente por se situar sob a égide da aleatoriedade.

No entanto, sob este rótulo se situam modos parcialmente diferentes de ação e significação. Para compreender seu alcance, é necessário antes de tudo sublinhar a diferença entre acidentes programados e acidentes involuntários : enquanto os primeiros seguem a lógica acidental do vírus ao mesmo tempo que tentam direcioná-la a um resultado esperado, os últimos parecem evitar assumir o modo de ação do vírus como seu, mas acabam, na verdade, reproduzindo seus efeitos. Em outras palavras, no primeiro caso o risco inerente é levado em conta na interação entre humanos e vírus, no segundo acaba por se expor (e expor os governados) ao risco do vírus justamente por ser negado ou subestimado.


2.1. O risco programado da Grã-Bretanha de Boris Johnson

Uma forma de risco programado é o inicialmente previsto pela Grã-Bretanha, ou seja, a ideia de Boris Johnson de dar rédea solta ao coronavírus, mesmo à custa de inúmeras mortes, para alcançar rapidamente aquela imunidade disseminada que entrou no jargão popular por meio da imagem da imunidade de rebanho. Um risco assumido abertamente a fim de garantir a estabilidade do tecido socioeconômico britânico. Esse regime de interação pode ser reconduzido àquela forma de aleatoriedade que Landowski chama de probabilidade matemática.8 A aposta inicial de Boris Johnson foi, na verdade, baseada em um cálculo, tanto sobre os efeitos potenciais do vírus na população quanto sobre sua curva evolutiva e, ainda, sobre as consequências socioeconômicas relacionadas. É, portanto, numa forma de aposta em um cenário e não noutro e, desta forma, nas relativas relações custo/benefício, que o risco pode ser assumido e ao mesmo tempo transformado em uma forma de programação.

8 Interações arriscadas, op. cit., pp. 78-80.

No entanto, isso não seria possível sem uma modelização matemática que, mesmo partindo do curso de epidemias anteriores, torna tais apostas pensáveis e minimamente críveis. Bruno Latour, escrevendo no Le Monde, enfatizou o papel constitutivo da estatística nesta crise9. Com sua abordagem usual, ele argumentou efetivamente que o vírus se constitui como um fenômeno pandêmico justamente pela possibilidade, agora disponível, de medir global e instantaneamente sua evolução. Ao mesmo tempo, torna-se um ator unitário, socialmente identificável mesmo fora dos circuitos científicos, graças às imagens das curvas de evolução e dos gráficos de disseminação que, sendo relançados de mídia em mídia, tornam sua existência e sua ação perceptíveis a nível popular, tanto em escala global, bem como de modo desagregado em outra escala. Ampliando o campo, seria possível comparar esse papel da modelização matemática relativa ao vírus aos modelos usados na área financeira para fazer apostas para o futuro. Na verdade, o mercado financeiro há muito aposta no risco, como no caso da compra de derivativos ou de investimentos na possibilidade de ocorrência de desastres naturais de diversos tipos.

9 “La crise sanitaire incite à se préparer à la mutation climatique”, Le Monde, 25 de março de 2020.

Nesse sentido, não é de se estranhar que uma certa potencialidade, uma certa lógica economicista e de alguma forma darwinista aplicada ao coronavírus, seja levada em consideração e talvez mesmo inicialmente aplicada : essa é efetivamente parte da sensibilidade liberal e das forças conservadoras que mais abertamente encarnam seu espírito.

Certamente é por acaso, mas a suposição dessa sensibilidade aberta ao risco se materializou em máximo grau no momento em que Boris Johnson foi internado na terapia intensiva por causa do coronavírus. Essa incorporação do risco se oferece ao olhar coletivo, a posteriori, como uma cadeia de causa e efeito : o indivíduo que hipotetizou uma exposição coletiva ao vírus o contraiu. Obviamente, essa reconstrução narrativa pode resultar tanto nas formas de retaliação irônica quanto nas de um heroísmo que aproxima os poderosos das pessoas comuns que lutam contra o vírus na linha de frente — médicos, enfermeiros, voluntários etc. O alcance democratizador do vírus encontra aqui, precisamente onde aparentava mais evidente uma sensibilidade elitista, senão cínica, uma aparente confirmação narrativa. Na realidade, esse evento único oculta a ambiguidade inerente ao próprio estatuto democratizante do vírus. Se é verdadeiro que todos estamos expostos, é igualmente verdade que a Covid-19 fez explodir as contradições planetárias e tornou evidentes as pequenas e grandes desigualdades sociais que marcam o presente10, como demonstram os estudos que nos EUA atestam a maior incidência do vírus entre minorias afro-americanas e latinas mais pobres em comparação com a população branca11.

10 “Le impreviste rivoluzione del Covid-19”, in A. Guigoni e R. Ferrari (orgs.), Pandemia 2020. La vita quotidiana in Italia con il Covid-19, Danyang, M&J Publishing House, 2020.

11 I.X. Kendi, “What the Racial Data Show”, The Atlantic, 6 de abril de 2020.


2.2. O caos e o acaso : a propagação do risco nos EUA de Trump
e no Brasil de Bolsonaro

Dentre aqueles os quais chamamos riscos involuntários poderia incluir as atitudes dos EUA de Donald Trump e do Brasil de Jair Bolsonaro, assim como as da China no início da crise. No entanto, o estatuto da natureza involuntária deste risco não isenta os governos de responsabilidades, mas, se possível, enfatiza o seu papel. Precisamente porque o risco do qual o vírus é portador não é considerado real, ele é a causa de uma condição saturada de incertezas e um prenúncio de novos acidentes. Poderíamos, portanto, dizer que enfrentamos um risco involuntário, mas causado. Tanto Trump como Bolsonaro não dando crédito ao vírus e seu perigo, não tendo posto em prática uma estratégia clara de contenção, de fato se prestam à acusação de terem favorecido sua disseminação. Vamos reiterar : aqui está precisamente a ausência de um agir programático ou estratégico, mas também poderia se dizer de um agir claro, para fazer a diferença e nos conduzir no campo da lógica do acidente.

O que precisa ser focalizado é que essa condição de aleatoriedade não se refere simplesmente à disseminação do vírus entre a população, mas remete a uma condição político-institucional mais ampla. Em outras palavras, esses atores políticos transferem o sentido da aleatoriedade a que o vírus expõe a população ao nível do funcionamento da sociedade como um todo : ao fazer isso, sua própria conduta torna-se “o vírus” que provoca novos acidentes semiopolíticos.

No caso de Trump, a crítica a esse modo de (in)ação levou a uma série de reviravoltas já clássicas, completadas por tweets autocongratulatórios (e contraditórios) sobre suas habilidades de tomada de decisão. Como escreveu Ed Yong,

Convencer um país inteiro a ficar em casa voluntariamente por semanas não é fácil, e visto que não havia diretrizes claras da Casa Branca, os prefeitos, os governadores e os empregadores tiveram que decidir por si próprios. (...) uma coordenação bem definida é essencial (...). Em vez disso, Trump muitas vezes minimizou a gravidade da situação, dizendo aos cidadãos que “tudo está sob controle” quando não era o caso, e alegando que as infecções estavam “caindo quase a zero” quando na realidade estavam aumentando. Ele até propôs o uso de medicamentos que ainda necessitam ter sua eficácia comprovada.12

Igualmente no caso do presidente brasileiro, estamos diante de uma série de acidentes em cascata — não apenas aqueles relacionados à propagação do vírus, mas também os de origem institucional causados pela (não) gestão da pandemia em curso. Essa múltipla “acidentalidade” é representada de maneira icástica pelas imagens do presidente apertando a mão e tirando selfies com seus apoiadores, enquanto vários estados da República federativa já haviam ordenado o isolamento em casa para seus cidadãos, gestos que geraram acusações de cientistas (“É uma loucura. Não há justificativa para esse tipo de comportamento” ; “Ele está fazendo uma aposta perigosa ...” ; “Tudo o que ele diz e faz tem forte impacto nas pessoas ...” ; “Precisamos de um discurso unitário”; “Está confundindo as pessoas”13) e os relativos enxames de polêmica online e protestos ruidosos das varandas — os chamados panelaços.

O acidente nesses casos se apresenta como ação pessoal — em franco contraste com as escolhas adotadas por outros atores institucionais legitimados e determinados a seguir as diretrizes ditadas pela OMS e pelo discurso científico — que gera incerteza sobre a conduta individual a se manter diante do vírus ; ou como ação política que gera contradições entre partes do corpo social que se encontram profundamente divididas sobre o significado do vírus e sobre como lidar com ele. Em ambas as situações, o que resulta é, portanto, uma sensação de caos que expõe novamente ao acaso.

12 E. Yong, “La superpotenza malata”, The Atlantic, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 3 de abril de 2020, p. 22.

13 Cf. T. e D. Phillips, “Bolsonaro dragging Brazil towards coronavirus calamity, experts fear”, The Guardian, 12 de abril de 2020.


2.3. Absolutismo de retorno

Se esse caos é politicamente sustentável, é somente graças a dois pressupostos. O primeiro é que a mutabilidade arbitrária das decisões desses líderes, tão forte a ponto de fazer suas ações parecerem provocações deliberadas, é parte fundamental daquela estética política “fora da caixa” que favoreceu seu surgimento e aprovação14. Isso permite caracterizar esse regime político, segundo uma fórmula inteligente de Landowski, como uma forma de absolutismo15. Ou melhor ainda, diríamos, um absolutismo de retorno, em que os “príncipes”, por mais que eleitos democraticamente, elevam o “capricho” a um estilo de governo, bem como a uma causa ou a uma consequência da própria aprovação. De tudo isso resulta um estado de contínua ameaça do acidente — real ou potencial.

14 F. Sedda e P. Demuru, “La rivoluzione del linguaggio social-ista : umori, rumori, sparate, provocazioni”, Rivista Italiana di Filosofia del Linguaggio, 13, 1, 2019 ; ids, “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, Carte semiotiche-Annali, 6, 2020.

15 E. Landowski, “Politiques de la sémiotique”, Rivista Italiana di Filosofia del Linguaggio, 13, 1, 2019.

No entanto, isso não teria acontecido se o correspondente desta forma de vida não fosse a transposição da expectativa religiosa para o campo político que Juri Lotman, estudando o estatuto divino e o comportamento errático dos czares, definiu como o confiar a si mesmo um poder que assim ganha um estatuto “divino”, oposto ao modelo contratual de relação entre governantes e governados que funda uma ideia “laica” de política16. Não entraremos aqui nas complexas hipóteses sobre as condições históricas, culturais, psicológicas que podem favorecer o surgimento dessa relação. No entanto, é interessante observar como a lógica dos seguidores fanáticos — aqueles que se tornam quase indistinguíveis dos bots — repropõe no mundo contemporâneo a ideia de uma devoção unilateral, uma confiança quase cega no “imperador” do momento. No Brasil, Marvel Pereira, colunista do jornal O Globo, chegou a acusar Bolsonaro de atuar como “um líder místico que leva seus seguidores ao suicídio coletivo”17.

16 Cf. J.M. Lotman, Testo e contesto. Semiotica dell’arte e della cultura, Roma-Bari, Laterza, 1980.

17 In T. e D. Phillips, art. cit.

A crise da pandemia, como ocorre na maioria das crises percebidas como um “ataque de fora”, pode reacender essa dinâmica de confiança : não é por acaso que a aprovação imediata ao presidente Trump, empenhado em um trabalho árduo de comunicação para rotular a Covid-19 como um “vírus chinês”, se mostrou em crescimento. Além disso, essa dinâmica pode facilmente estender-se a quem se coloca na posição de agente da “salvação” coletiva, como pareceram atestar as inesperadas formas de enamoramento e seguimento nas redes sociais que no momento da crise envolveram a figura até então anódina do chefe do governo italiano Giuseppe Conte.

Permanece, no entanto, a questão se é possível pensar um acidente político do tipo positivo. As reflexões recentes de Landowski parecem não deixar espaço para essa possibilidade18. Entretanto, não é difícil pensar em figuras de líderes políticos que basearam sua carga carismática na inventividade e em um estilo de ação política em muitos aspectos imprevisível, capaz de surpreender e desconcertar tanto seus adversários quanto seus seguidores. Um caso emblemático é certamente o de Gandhi, não surpreendentemente lembrado como contraexemplo por comentaristas sobre as estratégias de Modi e seu governo diante da chegada do vírus à Índia. Voltaremos a isso falando sobre as formas de ajustamento sensível diante do risco e da crise.

18 “Politiques de la sémiotique”, art. cit.


2.4. Rebanhos, facções, indivíduos : formas do caos

Deixando em aberto as considerações teóricas mais gerais e voltando ao nosso percurso relativo à gestão semiopolítica do coronavírus, é preciso dizer que o risco e o acidente também podem ser gerados por incompetência, indecisão, incapacidade de agir, como talvez tenha acontecido na Espanha : nesses casos, como veremos, ainda estamos inseridos em uma tentativa de manipulação, isto é, de uma ação estratégica que, no entanto, falha. Os casos da Grã-Bretanha, do Brasil e dos EUA nos parecem nada mais do que uma manipulação fracassada ou ineficaz. Estes, na verdade, ao se exporem ao risco, geram não apenas mais incidentes semiopolíticos, mas articulam, de modo correlato, uma identidade específica dos respectivos governados.

No caso da Grã-Bretanha, a escolha da ação, surgida enquanto os demais estados envolvidos no combate ao vírus optaram por formas de programação ou manipulação, parece remeter a uma ideia de excepcionalidade que vem sendo marcada e impulsionada pela recente conclusão do processo Brexit. Também aqui, portanto, uma sensibilidade — um estado humoral e, ao mesmo tempo, mental — parece fazer parte da escolha do modo de interação : no entanto, parece ainda mais profundamente referir-se a uma lógica posicional e opositiva, a uma busca por distinção. Sobre o nome a ser dado ao coletivo resultante nos debruçaremos mais adiante. No entanto, é preciso já dizer que na lógica do acidente as figuras que tornam o coletivo concebível tendem a se pluralizar mais facilmente, em consonância com sua natureza intimamente elusiva e polimórfica.

 

No caso do Brasil, o caos gerado parece tratar o coletivo como um conjunto de facções : o que na época de Lula era Um País de todos, um país de todas as partes que o compunham, já com Bolsonaro encontra-se articulado segundo um modelo polarizador que se reproduz em vários níveis19. As ações de Bolsonaro diante do vírus parecem confirmar e reforçar essa modelagem paradoxal do coletivo, unido sobretudo por sua conflituosa desunião. Certamente não se pode descartar que o atual presidente, pelo menos inicialmente, quisesse se entregar àquela sensibilidade cotidiana, generalizada, que faz do contato e do saber “ter o jeito” se virar uma tendencia de fundo da forma de vida dos brasileiros20. Um saber viver que mesmo nas condições mais difíceis euforiza a liberdade e a estetização das vivencias cotidianas, tornando plausível, senão popular, deixar as coisas seguirem por si mesmas na direção certa, talvez sob a proteção divina, como atestam os encontros evangélicos que enquanto transgrediam todas as regras de distanciamento faziam da oração um instrumento de salvação do vírus.

19 Cf. P. Demuru, “Simboli nazionali, regimi di interazione e populismo mediatico : prospettive sociosemiotiche”, Estudos semióticos, 15, 1, 2019 ; F. Sedda e P.Demuru, “La rivoluzione del linguaggio social-ista”, art. cit.

20 Cf. P. Demuru, Essere in gioco. Calcio e cultura tra Brasile e Italia, Bologna, Bononia University Press, 2014.

No caso dos Estados Unidos, a forma do coletivo estabelecida pelas ações de Trump parece referir-se, ainda mais do que a um corpo social fragmentado segundo uma lógica partidária, a uma ideia de sociedade formada por uma série de indivíduos essencialmente livres para determinar o modo de ação adequada para sua proteção. É muito fácil corroborar com essa abordagem lembrando as imagens de estadunidenses fazendo fila em frente às lojas de armas, mais do que em frente aos supermercados, com o avanço do medo do vírus. Embora esses exemplos brasileiros e americanos sejam certamente parciais e banais, remetem a uma força dos estereótipos ; à sua capacidade de condensar ideologias e estilos de vida difundidos, que em condições de crise podem ser politicamente ativados ou oferecer suporte a determinadas políticas. Não é difícil, de fato, ver o confiar no divino ou na força das armas como um correlativo do investimento no risco. Ou ainda mais precisamente, se nos permitem utilizar esse termo, um incitamento involuntário ao risco : correr riscos acreditando que se protege.

Os casos da Grã-Bretanha, do Brasil e dos EUA nos mostram que, onde a lógica do risco prevalece, a individualidade passa a ser uma característica dominante. Porém, onde é reconduzida a uma dimensão programática, assume uma forma totalizante, ao passo que, onde sustenta a lógica do risco, assume uma fragmentação. Portanto, pode-se dizer que, no caso da Grã-Bretanha, estamos diante de um individualismo holístico, enquanto nos Estados Unidos e no Brasil estamos diante de um individualismo partitivo. No que tange ao nível atorial, no caso da Grã-Bretanha, essa dinâmica se resolve na oscilação entre a imagem do império, uma figura nostalgicamente removida do debate sobre a excepcionalidade britânica e seu papel planetário, e a imagem, mais prosaica e talvez mais correta, do rebanho, uma massa indistinta mas pronta a seguir o seu pastor, sempre de acordo com o estereótipo, já que a ideia seria desmentida por quem tem uma cultura agro-pastoril (ou pelo menos viu o cartoon britânico Shaun a ovelha). Nos outros dois casos, ao invés disso, nos deparamos com as facções brasileiras e com os indivíduos estadunidenses : formas de uma fragmentação que agudizando o conflito social, temendo um retorno ao estado de anarquia, tornam a figura de um líder leviatã ainda mais indispensável.

A situação não é paradoxal visto que se o caos foi semioticamente associado à ideia de uma massa tendencialmente amorfa, como aquela que o senso comum associa ao rebanho, por outro lado ele tem um equivalente menos evidente na individualização extrema, conflitante, não comunicante, como mostramos em nossa análise semiopolítica da descrição do campo de concentração de Primo Levi21.

21 Cf. Imperfette traduzioni. Semiopolitica delle culture, Roma, Nuova Cultura, 2012.


2.5. Negacionismo e vagueza

A lógica do acidente, como vimos, é dominada por figuras “individualistas”. No entanto, o que nos parece mais relevante aqui, como já antecipamos, é que a dimensão caótica acidental é dada, mais ainda do que pela entrada repentina do vírus nas várias semiosferas, pela resposta oferecida diante do vírus : uma resposta que quando não esteve ausente, foi vaga ou vacilante.

Pensemos nas recentes intenções de Trump de reabrir os EUA sem nem mesmo ter respeitado um verdadeiro confinamento e enquanto o país apresentava o maior número de contágios do mundo. A atitude trumpiana em relação ao vírus rima em profundidade com o que o presidente dos Estados Unidos sustentou com relação à questão da emergência climática : um substancial negacionismo alimentado, em momentos, por reviravoltas desorientadoras. A crise induzida pela pandemia também destacou as escolhas feitas por Trump em questões sanitárias : o escritório de preparação para pandemias, que fazia parte do conselho de segurança nacional, foi fechado por seu governo em 2018.

Quando o vírus chegou aos EUA, o fato mais surpreendente não foi, portanto, a chegada da pandemia em si, mas a incapacidade do país mais avançado do mundo de oferecer as respostas mais basilares : “Que um país na vanguarda do campo da biomedicina como os Estados Unidos falhasse em criar um teste diagnóstico muito simples era, literalmente, inimaginável”22. Ou, para citar Alexandra Phelan, da Universidade de Georgetown : “Nenhuma simulação, até onde eu sei, considerou a possibilidade de que havia problemas com os testes”23.

22 E. Yong, “La superpotenza malata”, art. cit., p. 20.

23 Citado por E. Yong, art.cit.

Daí aquela cadeia de erros, para usarmos os termos de Yong, e, então, aquele caos em cascata, aquela imprevisibilidade causada, a qual mencionamos antes. Se tratava, portanto, de uma espécie de serendipidade negativa, inversa àquela positiva sul-coreana ? Ou um caos politicamente induzido pelas escolhas negativas de Trump e sua administração ? Este não é o lugar para responder. Afinal, também hipotetizar ou comprovar uma correlação entre as escolhas de Trump e a crise em que o coronavírus lançou os EUA — no momento o lugar com mais infectados do mundo — não implica, pelo menos no curto prazo, perda de credibilidade e aprovação do atual presidente aos olhos de seus eleitores, seus “fiéis”.

O que nos parece útil aqui é aproveitar esse caso para refletir mais profundamente sobre a dinâmica da imprevisibilidade. Parece-nos que esse cenário nos oferece uma forma de irmos além do paralelismo com as mudanças climáticas : perante estas, o que nos assusta não é tanto que o tempo mude ou que possam ocorrer catástrofes atmosféricas, mas mais sutilmente o fato de não existir (mais) um ritmo reconhecível em suas transformações. Não nos habituamos a tempo à ideia de que “já não existem mais estações amenas” de forma que hoje nos parece que num dia, todos os dias, todas as estações podem acontecer. É assim mesmo ? Provavelmente não, mas a percepção de que os eventos carecem de previsibilidade — aquela previsibilidade que os torna controláveis cognitivamente, emocionalmente, praticamente — nos dá uma sensação de acidente constante. O mesmo vale para a turbulenta instabilidade das esferas políticas (e geopolíticas) que explodiram desde o fim da ordem criada pela Guerra Fria24. No entanto, nada se comparado às atitudes erráticas de alguns dos principais líderes atuais, como precisamente Trump ou Bolsonaro, tornadas ainda mais evidentes pelo caso Covid-19 : quanto mais seu agir e comunicar criam ou transmitem um sentimento de instabilidade subjacente, mais a imprevisibilidade tende a se tornar uma presença constante e um ator importante na vida de seus cidadãos e do planeta como um todo.

24 Cf. J. Rosenau, Turbulence in World Politics. A Theory of Change and Continuity, Princeton, Princeton University Press, 1990.

3. O povo a motivar ou mobilizar : as manipulações da Itália
e da Alemanha

Uma outra forma de enfrentar o vírus é definida como manipulação, entendida segundo Landowski como uma ação estratégica que fundamenta a interação na defrontação entre subjetividades, ambas movidas por uma dimensão intencional-motivacional. É o que acontece na maioria dos Estados democráticos e para o qual se dirigem de forma geral mesmo os países que inicialmente sustentaram a lógica do risco. Não podendo ou não querendo implementar medidas puramente repressivas ou tecnocráticas, não conseguindo sustentar uma situação de abertura inicial ao acidente, esses Estados se concentram sobre uma ação de convencimento das pessoas de modo que respeitem uma série de regras de autossegregação, distanciamento, higiene.


3.1. Uma vez feita a Itália, tem que fazer-fazer os italianos

O quanto isso se baseia na capacidade do Estado de fazer-fazer, de convencer seus cidadãos a fazer, é revelado pela enorme quantidade de ação comunicativa e legislativa desenvolvida ad hoc na Itália para inculcar regras que de outra forma, muito provavelmente, não seriam seguidas porque pressupõem uma sensibilidade social adversa em relação às próprias regras e, portanto, à renúncia a um estilo de vida específico. Basta dizer que só no período da Páscoa na Itália foram impostas 13.000 sanções relacionadas ao não cumprimento das regras impostas pelo governo, dados relatados por Sebastiano Messina no La Repubblica de 14 de abril, enquanto na Nova Zelândia, sobre cujo civismo voltaremos adiante, em 8 de abril apenas 45 pessoas foram multadas25. Desta tensão entre manipulação e sensibilidade, mesmo as entidades, no fim das contas, aliviaram as penalidades aos infratores dispondo-se a uma abertura a um regime de adaptação (inclusive normativo) aos hábitos dominantes, que, no entanto, desaguou no caos burocrático das autocertificações e, portanto, na geração de novas tensões, novas incertezas, novas formas de aleatoriedade.

25 Ver I. Artiaco, “Il caso Nuova Zelanda, che in due settimane ha (quasi) sconfitto il Coronavirus”, fanpage.it, 8 de abril de 2020.

A estratégia manipulatória, aliás, mais do que abordar o vírus, se baseia aqui em um jogo simulacral entre governantes e governados : estes últimos tornam-se, efetivamente, alvos de uma comunicação, inicialmente institucional e aos poucos cada vez mais autoproduzida pelas publicações informativas, empresas, particulares, que visam mobilizá-los. E, para isso, os instaura no jogo simulacral como uma subjetividade dotada de intencionalidade e vontade unitária. O resultado é uma ênfase na figura do povo, que pode ser carregada tanto de valores nacionalistas (como no apelo inicial de italianos contra “os chineses”), bem como patrióticas, como na posterior enfatização das virtudes cívicas dos italianos, cujo aplauso coral para o pessoal de saúde, a música compartilhada de varanda em varanda, de tela em tela, seria o aspecto visível.

O mais recente tweet de um dos principais nomes do jornal La Repubblica, Luca Bottura, é um testemunho sintético do quanto essas lógicas foram levadas ao extremo : “Quem está cheio da publicidade motivacional sobre o orgulho italiano, retuite ou coloque um coração #covid19”, que obteve mais de 6.000 curtidas em poucas horas (4 de agosto). O tom sempre irônico de Bottura não diminui essa sensação de estratégia que se tornou excessiva. Principalmente porque o próprio Bottura, com todos os outros nomes do La Repubblica, havia, no ápice da crise, participado dessa ativação do patriotismo italiano, por exemplo, por meio do especial Agora cabe a nós — O momento da unidade.

Por outro lado, dentro de um mesmo Estado a lógica manipulatória pode ser refratada em diferentes níveis e, portanto, evidenciar as tensões internas entre as partes do coletivo que, por razões ideológicas ou territoriais, históricas ou contingentes, se sentem depositárias de uma vontade própria e que, por sua vez, podem instaurar a si mesmas na interação como um povo no povo ou como outro povo. O amargo conflito entre Estado central e a região da Lombardia (e também com a do Vêneto) é, nesse sentido, sintomático. Na verdade, não se trata apenas de uma questão de olhar e de escala analítica, mas do fato que as crises colocam à prova os laços “voluntários” que constituem o Estado-nação, mesmo onde a presença de uma vontade coletiva possa parecer dada e estabelecida.


3.2. Uma vontade distribuída : a Alemanha (e a Nova Zelândia)

Nesse sentido, se mostra interessante o caso da Alemanha, em que o Estado agiu recomendando uma série de restrições que são, no entanto, da competência dos 16 diferentes Länder, os estados que compõem a República Federal, com seus 400 institutos de saúde pública. Isso deu origem a soluções às vezes conflitantes, de modo que, enquanto em Berlim ainda era possível comprar um livro na livraria, não se podia mais fazer piqueniques nos parques, ao passo que em Baden-Württemberg a regra era exatamente oposta. Embora inicialmente estigmatizada sob o olhar exterior como paquidérmica ou anárquica, a situação alemã não só não causou a proliferação do acidente pandêmico, mas se mostrou capaz, a médio prazo, de impelir uma particular forma de resiliência, tal que a complexidade causada pelo acidente foi respondida colocando em movimento um sistema de respostas igualmente complexo e variado.

O caso alemão é interessante para nossa discussão porque é habitado por uma alma dupla. Por um lado, solicita a imaginação de um corpo fortemente organizado, precisamente porque é descentralizado, e disciplinado, precisamente porque é movido por uma vontade que se torna concreta e efetiva. Nesse sentido, surge como a concretização de uma ideia cívica de povo, a qual não é produzida bajulando-o, oferecendo-lhe ad hoc um simulacro positivo ao qual se conformar, apoiado pelo simulacro oposto das sanções que, caso contrário, inevitavelmente se seguiriam (dinâmica nacionalista italiana “da vara e da cenoura”) ; ao contrário, parece ser um “povo” precisamente porque valida a ideia de uma interação bem-sucedida entre uma vontade coletiva e uma vontade distribuída, entre um governo que soberanamente recomenda e aqueles governados que livremente assumem e dão substância a essa vontade : um paradoxo alimentado por um trabalho de motivação mútua que a emergência ressalta, mas não necessariamente cria. Por outro lado, isso nos leva a enxergar no caso alemão um modelo fortemente institucionalizado de ajustamento recíproco. Ou, se se preferir, um modelo de ajustamento entre sensibilidades institucionais.

No rastro da Alemanha poderíamos situar com proveito o caso da Nova Zelândia, capaz de merecer o elogio do Washington Post que falou de um sucesso baseado em uma estratégia não de contenção, mas de eliminação do vírus possibilitada pela combinação entre ciência e liderança. O Estado oceânico liderado pela jovem dirigente Jacinda Ardern de fato usufruiu sua condição de insularidade para blindar o país e impor prontamente as medidas restritivas recomendadas pelos cientistas. Essas medidas se tornaram efetivas por meio de um civismo generalizado e da colaboração bipartidária entre a maioria progressista e a oposição conservadora. O exemplo dado pela classe dirigente tornou as duras medidas adotadas ainda mais credíveis. Mesmo o ministro da saúde, David Clark, uma das poucas pessoas flagradas violando o confinamento, renunciou imediatamente e fez uma anistia pública declarando que era “um idiota” — comportamento que lhe rendeu a recusa da renúncia.


3.3. O primado do Estado e da cidadania

O regime manipulatório, em seu conjunto, reafirma a primazia da política estadista, sua capacidade de mobilizar e orientar os coletivos convocando seu nacionalismo ou patriotismo, valendo-se da organização institucional da vontade, potencializando a autoridade e o consenso em torno de um governo ou liderança. Não se trata sempre do mesmo tipo de manipulação, mas em certa medida o que está sempre em jogo é a ideia de uma vontade em ação da qual o Estado é o eixo decisivo.

Poderíamos dizer que no caso do ajustamento, no qual nos concentraremos para concluir esta exploração, é a sensibilidade da cidadania, que já emerge nos casos apenas vislumbrados, que se torna ainda mais central. Como se na passagem da manipulação para o ajustamento, o centro de gravidade mudasse dos governantes para os governados. No entanto, é difícil fazer uma distinção clara e talvez o que realmente caracterize os dois regimes seja o fato de que no segundo a relação entre governantes e governados se apresenta mais dialética e baseada na premissa de uma relação complexa de confiança mútua que, apesar de uma ligação de interdependência, faz da chamada sociedade civil um ator autônomo, dotado de uma sensibilidade que não somente pode ser estimulada, mas ela mesma estimula as escolhas do Estado. Além de ser o controlador dessas escolhas, como sugeriu Harari.

Veremos agora o quão difícil é atingir este último cenário, especialmente em um contexto de crise inesperada como a induzida pela pandemia, mas também como é necessário pensar sobre isso e talvez até mesmo defini-lo como um horizonte a ser perseguido.

4. Sensibilidade a valorizar-se : Grécia, Índia, Suécia

O ajustamento é uma forma de relação paritária, em que duas sensibilidades se realizam explorando juntas as potencialidades uma da outra. Ao passar de relações inter-corpóreas, como a dança, um exemplo clássico no modelo de Landowski, para a política, sua aplicação corre o risco de torná-la um regime “utópico”. Em que termos, de fato, podemos pensar em um governo que se modifica e cresce a partir da transformação da sensibilidade de seus governados ? E como pensar em tal ajustamento diante do acidente, isto é, quando as sensibilidades são convocadas por uma contingência radical ? Vimos como o tema da sensibilidade se insinua em todos os outros regimes. Para dar uma explicação mais detalhada, consideraremos primeiro o caso particular da Grécia, que também nos mostra o quanto as interações se complexificam com o andamento da crise. Veremos depois dois casos, os da Índia e da Suécia, que nos permitirão explorar, de modo mais abrangente, os paradoxos e peculiaridades do ajustamento.

 

4.1. Grécia no espelho da Itália : ajustamento como
modelização analógica ?

Os acontecimentos italianos que analisamos anteriormente nos dão a oportunidade de nos debruçar sobre um caso, o da Grécia, que pelas conexões que estabelece nos permite refletir sobre a ligação entre contágio e ajustamento, ao mesmo tempo em que mostra como o avanço da crise muda ainda mais o foco das relações : ao jogo tríplice entre vírus, Estado e coletivo se some efetivamente a interação entre Estados e entre coletivos, tanto na forma de um olhar que um Estado dirige a outros Estados para decidir o que fazer, quanto pelo modo como um coletivo, espelhando-se em outros coletivos, molda seus humores, suas expectativas, seu comportamento.

As políticas manipulatórias implementadas pela Grécia, semelhantes às da Itália, seriam de fato realizadas, de acordo com alguns analistas, segundo o que poderíamos definir como uma modelização sensível. Filippos Filippidis, pesquisador do Imperial College London, observou no site Greek Reporter :

A Grécia teve, em certo sentido, a sorte de testemunhar o drama enquanto ocorria em um país, a Itália, do qual Atenas se sente próxima, semelhante e familiar. A Europa não levou o caso chinês a sério porque é “muito longe” e “muito diferente”. Em vez disso, para todos os gregos, a Itália era impossível de subestimar. Assim, o governo reagiu de forma mais rápida e eficaz do que a maioria dos parceiros europeus.26

A Grécia, com seu estilo de vida caloroso tão parecido com a Itália, potencialmente difícil de administrar justamente pelo hábito dos corpos em contato, frequentando espaços públicos, teria encontrado no “vivido” italiano o elemento no qual se basear, uma modelização eficaz não apenas para uma compreensão cognitiva de seu valor, mas também para uma consonância mais profunda, uma espécie de con-sentimento capaz de gerar consenso acerca de medidas impopulares.

26 Cf. T. Kokkinidis, “Greece Emerges as International Model for Coronavirus Early Response”, Greek Reporter, 30 de março de 2020.

As manipulações gregas foram certamente eficazes graças à possibilidade de usufruir a antecipação da chegada da crise : um fator aleatório que, aliás, suscita em muitos cientistas a procura de fatores causais atualmente desconhecidos que determinam a temporalidade, intensidade e formas de circulação do vírus que, como lembrou a bióloga Siddhartha Mukherjee, só podem ser obtidas “medindo o vírus dentro das pessoas”27. Fato que renova, ainda que sob a égide da ciência, as tensões entre a privacidade dos corpos e a necessidade de seu controle. Porém, as manipulações gregas, conforme a reconstrução que vimos, encontram um gatilho e uma legitimidade na sintonia “natural” de um coletivo com uma outra experiência.

27 S. Mukherjee, “Il virus fuori e dentro di noi”, The New Yorker, 26 de março 2020, p. 25.

Essa naturalidade remete, em um nível superficial, ao mecanismo da metáfora narrativa que faz da história de uns a parábola eficaz para os outros ; em profundidade, ao invés disso, a situação questiona um raciocínio analógico não verbal, não representacional28, que nos permite apreender a estrutura que sustenta esse jogo (mediado) entre sensibilidades : ou seja, uma analogia do tipo “se eles são como nós e tiveram de fechar tudo, então devemos também fechar (embora isso vá contra a nossa sensibilidade e de momento não pareça necessário fazê-lo)”.

28 Cf. P. Fabbri, La svolta semiotica, Bari, Laterza, 1998 ; I. Pezzini (org.), Semiotic efficacity and the effectiveness of the text. From effects to affects, Turnhout, Brepols, 2001 ; G. Marrone, Corpi sociali, Torino, Einaudi, 2001.

O caso da Grécia no espelho da Itália, portanto, nos permite pensar quanto e como no momento do risco muitas escolhas quanto à modalidade de ação (ou um certo nível de escolha) ocorrem por meio de uma modelização analógica, que alguns também poderiam definir como inconsciente : um corpo social ajusta-se ao outro, encontrando na trama de estereótipos, imagens, histórias, experiências alheias, na correlação profunda com elas, a forma efetiva de redefinir sua própria sensibilidade.

Há, no entanto, um aspecto a sublinhar : a Grécia pode mudar sem que isso mude a Itália. Essa, portanto, parece ser mais uma influência unilateral do que um ajustamento recíproco : um contágio no sentido estrito ao invés de um contágio no sentido semiótico. Sendo assim, tentemos observar outros casos que podem nos aproximar da ideia semiótica de ajustamento.


4.2. Ajustamento como compaixão : a Índia de Modi
no espelho de Gandhi

No universo da política, pode-se se talvez vislumbrar uma forma de ajustamento — ou, pelo menos, uma de suas dimensões — sob o aspecto de um ajustamento mal sucedido. É o caso da Índia, onde o governo Modi decretou repentinamente o fechamento do país, dando apenas quatro horas de prévio aviso, desencadeando a fuga em massa de trabalhadores pendulares das cidades para o campo e colocando em dificuldade multidões de pessoas pobres que de repente se viram sem nada para viver. O que alguns observadores criticaram foi a falta de compaixão da parte do governo nacionalista hindu, uma categoria moral, individual, que pressupõe não apenas a capacidade de sentir o sentir do outro, mas também de antecipar as consequências de suas próprias ações :

A Índia poderia aprender com países como Coréia do Sul e Taiwan, que lutaram contra o vírus sem fechar completamente o país. Precisamos considerar a possibilidade de um passo atrás. O Estado não tem a compaixão, a capacidade e a vontade de apoiar a todos, ricos e pobres. Não há melhor momento para lembrar Mahatma Gandhi. Quando estamos em dúvida e confusos, aconselhava, precisamos pensar na pessoa mais vulnerável que conhecemos e nos perguntar se nossas medidas vão melhorar sua vida e torná-la mais livre.29

Não é por acaso que esta concepção de um Estado capaz de sentimentos morais, bem como de um comportamento ditado por uma capacidade de prever, ou melhor, de pré-sentir imaginativamente o sentimento dos outros, surge de forma tão explícita no contexto indiano e em conexão com a figura de Gandhi que atribuía à individualidade do Estado as mesmas características morais da individualidade pessoal.

Num contexto alimentado por esta sensibilidade ideológica, face a uma programação que se expõe de forma tão brutal às imagens do drama dos corpos em fuga ou famintos, o questionamento da (in)sensibilidade do Estado e das suas escolhas leva a acolher a possibilidade de uma política que deve saber modificar a si mesma baseada em um sentir popular ao mesmo tempo imaginado, compartilhado e em devir.

Pode ser útil notar, extraindo outro fragmento da massa de posições desencadeadas pela crise do coronavírus, que a categoria da compaixão também foi questionada por Barack Obama em discurso dirigido a administradores locais dos EUA. A frase que se espalhou pelo mundo — “Speak the truth. Speak it clearly. Speak it with compassion. Speak it with empathy for what folks are going through” — parece salientar uma abordagem da crise em que os governantes devem saber modificar sua própria atitude em relação ao sentir das pessoas a fim de poderem alcançar objetivos comuns. O corpo político e o corpo da cidadania se veriam então envolvidos em um trabalho de ajustamento recíproco.

Além disso, essa compaixão é a causa e o efeito de um discurso verdadeiro, claro e sem distorções (“the biggest mistake any of us can make in these situations is to misinform”) sobre a própria crise. Se esta afirmação obviamente joga para derrubar os traços da posição falsa, vaga e distorcida de Trump, ao mesmo tempo parece ressaltar que apenas um modo de ação capaz de entrar em uma interação de ajustamento sensível pode efetivamente se abrir para outros regimes, como o da manipulação.

29 H. Mander, “L’India si è fermata e i più poveri moriranno”, The Indian Express, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março 2020, pp. 27-28.

De maneira mais geral, e como logo veremos, o ajustamento na política parece se correlacionar dentro do discurso político não apenas com o tema da compaixão, mas também com o da confiança mútua. Para compreendê-lo, vamos voltar mais uma vez às ações do governo indiano diante do vírus e de sua própria comunidade. Arundhati Roy descreveu sua forma e seu sentido da seguinte maneira : “Os métodos de Modi definitivamente dão a impressão de que ele considera os cidadãos uma força hostil que não pode ser confiável e à qual se deve emboscar de repente”30. Vemos aqui, em negativo, as qualidades que fazem um ajustamento. E também podemos ver como uma conduta política incapaz de entrar em um regime de ajustamento parece se recompensar com um investimento na interação aleatória. Isso nos leva de volta ao comportamento errático de Trump e Bolsonaro, mas, ao mesmo tempo, abre uma questão teórica de grande importância.

30 A. Roy, “L’altra pandemia”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 10 de abril 2020, p. 18.


4.3. Ajustamento e aleatoriedade : diferença ou complementaridade ?

Do ponto de vista do modelo landowskiano, o ajustamento e a álea estão efetivamente em uma relação de complementaridade, ao passo que essas reflexões parecem colocá-los em uma relação de contradição.

Uma primeira explicação desse efeito óptico é que essa aleatoriedade é frequentemente vista por seus críticos, como Roy e Mander no caso da Índia, como resultado de uma programação. Veremos melhor ao concluir, quando, ao falar das posições complexas oferecidas pelo modelo, situaremos o caso indiano (mas o raciocínio talvez seja válido também para os casos de Trump e Bolsonaro) no âmbito da programação do risco, de sua calculada exploração caótica-acidental. Desse ponto de vista, o ajustamento sensível proposto por seus observadores críticos aparece como uma tentativa de contradizer essa lógica que superficialmente mostra-se aleatória, mas que em maior profundidade seria programada.

Em segundo lugar, deve-se notar que, de um certo ponto de vista, embora de modo diverso, os regimes interacionais da responsabilização e da confusão deixam entrever um espaço de complementaridade baseado em uma osmose, ou em um certo grau de reversibilidade, entre governantes e governados. Ou seja, a lógica da confiança mútua, que veremos exaltada no caso seguinte, e aquela de uma confiança difusa, embora em nossa análise pareçam claramente distintas, em outros casos, e a partir de outras perspectivas, poderiam em certa medida se conjungir. Claro, pode-se dizer facilmente que a confusão é apenas uma ficção de osmose que reforça o poder absolutista do líder, ou que a confiança mútua da responsabilização não derruba realmente as distâncias entre governados e governantes. Porém, se pensarmos no modo como, nas formas de controle, o poder se dá como esfera completamente separada, ou como, na motivação, a ação parte resolutamente dos governantes, então a aproximação ou sobreposição entre governantes e governados — que a partir do dialogismo da responsabilização pode chegar à mística da unidade própria da confusão — pode se tornar mais perceptível e plausível, pelo menos como um efeito de sentido produzido por meio das diferentes práticas discursivas.

Em terceiro lugar, o próprio tema da individualidade, que nos casos analisados tende a formas de isolamento esclerótico e conflituoso, em outros aspectos e em outros casos, está, ao invés disso, na base da própria ideia de responsabilidade : a ideia de cidadão ativo, enquanto informado, autônomo, responsável por suas escolhas e por isso mesmo detentor de algum poder e participante dos processos transformadores do coletivo, é um clássico que não precisa ser aprofundado aqui.

Assim, mesmo um exame rápido mostra como o espaço, aqui disjuntivo, entre ajustamento e a aleatoriedade poderia ser ocupado conjuntamente em outro lugar.

Retomando positivamente o tema do ajustamento veremos agora um exemplo que nos leva a pensar a cidadania como uma força dotada de uma autonomia responsável e dialógica, capaz de fundar com o governo, com aqueles que ocupam temporariamente o seu cargo, um regime de ajustamento. Ou, como diremos, de co-cidadania.


4.4. Ajustamento como crescimento da responsabilidade compartilhada : a Suécia

Se poderia pensar que o único ator estatal que real e voluntariamente praticou um ajustamento com a chegada do vírus é a Suécia. O Estado efetivamente interveio deixando quase todas as atividades sociais abertas, mas recomendando às pessoas um certo tipo de comportamento prudencial. Essa escolha foi feita e valorizada não apenas com base em uma série de opiniões científicas : ela decorre de uma tradição cultural anti-quarentena e de uma sensibilidade social compartilhada, que informa tanto o campo da proxêmica entre os indivíduos, a normal gestão do espaço público, as relações inter-geracionais e entre a cidade e o campo, bem como a diferente concepção da relação riscos / benefícios que sustenta o senso comum (laico, senão ateu) da maioria da população sueca31. A partir daqui, partindo desse pressuposto de uma sensibilidade a que as escolhas político-sanitárias devem se conformar, desenvolve-se uma estratégia baseada na ideia de “ajustamentos progressivos” entre as necessidades de saúde e as de estabilidade socioeconômica do país, a ser construída mais uma vez a partir da reação situacional às exigências e contingências do momento.

É claro que podem surgir dúvidas e objeções de que uma pura sensibilidade reativa32 esteja em jogo aqui e, portanto, que alavancar uma sensibilidade coletiva atestada nada mais é do que uma forma mais sutil de programação. Isso não pode ser descartado e nos leva de volta, em termos gerais, ao fato de que todo regime de sentido é habitado por tensões contraditórias que o empurram para outros regimes33.

31 Cf. S. Modeo, “Ma perché la Svezia ha lasciato tutto aperto per il Coronavirus, per settimane ?”, Corriere della Sera, 2 de abril 2020.

32 Interações arriscadas, op. cit., pp. 51-52.

33 Ibid., pp. 82-85.

Vale, portanto, voltar à questão inicial : em que termos podemos pensar um governo que se modifica e cresce a partir da transformação da sensibilidade de seus governados ? Já se disse que essa utopia é exatamente o que se condensa no apelo populista à democracia direta, à possibilidade de governantes e governados estarem em uma espécie de simbiose transformadora contínua. Landowski acertadamente criticou a possibilidade de que se trate de um verdadeiro “ajustamento”34, assim como nós, anteriormente, havíamos mostrado que a tradução para a prática desse modelo na verdade impossibilita o processo decisório próprio da política35. O ajustamento populista, portanto, parece estar reduzido ou a uma “retórica”, um apelo instrumental ao sentimento do povo que recai de fato nos regimes manipulatórios, ou à sua programação, talvez apoiada na leitura algorítmica de tendências online e, portanto, na possibilidade de “sintonizar-se” sobre os humores coletivos36.

34 “Politiques de la sémiotique », art. cit.

35 Cf. F. Sedda, “L’emersione del nuovo o l’elogio della semplicità. Da Berlusconi a Papa Francesco, passando per Bersani, Grillo e Renzi”, in I. Pezzini e L. Spaziante (orgs.), Corpi mediali. Semiotica e contemporaneità, Pisa, ETS, 2014.

36 F. Sedda e P. Demuru, “Da cosa si riconosce il populismo. Ipotesi semiopolitiche”, Actes Sémiotiques, 121, 2018 ; id., “La rivoluzione del linguaggio social-ista”, art. cit. ; id., “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, art. cit.

Contudo, levando o raciocínio às suas consequências extremas, deve-se observar que as condições de interação entre governantes e governados implementadas pelas redes sociais permitem de fato um jogo contínuo de ajustamento de sensibilidade recíproco, em que se faz a distinção entre quem influencia e quem é influenciado basicamente indiscernível. Certamente, pode-se reclamar que hoje essa nova dinâmica se apresenta a nós como opaca em suas modalidades profundas ; que mais do que uma relação entre sensibilidades, aparece como um contágio entre humores ; e, sobretudo, que é evidente que o “potencial” que este ajustamento atinge é muitas vezes “negativo” e “destrutivo”. Também no caso da Covid-19, por exemplo, a relação entre redes e política, entre fake news, enxames de opiniões, ações políticas, tem favorecido preconceitos anti-chineses ou chauvinismos anti-solidariedade e anti-europeus. Não há, portanto, espaço para um ajustamento positivo no campo político ? A questão do crescimento das responsabilidades e capacidades coletivas, ligadas à capacidade de inovação política e à rotatividade da classe dirigente, poderia fornecer uma contrapartida positiva que, embora seja mais teórica do que prática, ainda encontra nos países escandinavos algumas possibilidades de exemplificação, também reforçadas pela taxa de felicidade individual e apreço pela política, que é constantemente medida em lugares como a Suécia ou a Dinamarca.

Tudo isso considerado — portanto sem subestimar as imperfeições e contradições que também habitam o contexto escandinavo —, a Suécia pode legitimamente aparecer como um caso de ajustamento, alimentado em particular pela confiança mútua entre governantes e governados que estabelece a possibilidade de que a crise leve ao exaltar o potencial cívico e político, a capacidade de representação e inovação recíproca, formas cada vez mais desenvolvidas de crescimento ao mesmo tempo interdependente e autônomo entre governos e governados, em vez de ver o país desmoronar sob o peso do inesperado e da emergência.

5. Orientar-se na complexidade

5.1. Dinâmicas em andamento e bússolas semiopolíticas

O que acabamos de dizer não exclui, é claro, que a Suécia possa passar do campo do ajustamento para o da manipulação (mas isso não seria também, naquele contexto, um sinal de ajustamento ?), tal como na Itália já se pensa uma estratégia de ajustamento para permitir uma reabertura parcial das atividades. Da mesma forma, vimos como certos países podem aproveitar a crise para passar de situações manipulatórias a outras de tipo programatório, como no caso da Hungria, levantando a suspeita fundamentada de que tal programação mire no pleno estabelecimento puro e simples de políticas autoritárias, bem mais que na segurança sanitária. Por fim, não é impensável que certos Estados possam recair, por escolha ou por incapacidade, em uma situação caótica, em que a lógica do acidente se impõe. O temor que surge cada vez que se pensa que a reabertura das atividades possa desencadear “segundas ondas” do vírus remete a este tipo de imprevisibilidade — ou seja, à impossibilidade de prever o ressurgimento ou não daquela situação inesperada que deu vida à crise.

Isso nos permite reiterar que as quatro modalidades principais que usamos para descrever o campo de interações desencadeadas pelo vírus não devem ser entendidas como identidades fixas, mas como posições relativas, polaridades que orientam escolhas e movimentos, um pouco como pontos cardeais em uma bússola. Na prática, porém, essas modalidades não só se sucedem, mas, como vimos, coexistem e se estratificam, definindo hierarquias ou articulações locais, ou vão compor uma arquitetura em que uma das modalidades é utilizada para apoiar outras.


5.2. Respostas ao risco

Dadas essas premissas, vamos, então, tentar traçar um quadro resumido. Ou melhor, dar forma à nossa bússola. Em primeiro lugar, vimos como se apresentam quatro maneiras de lidar com o risco. Vamos alinhá-las começando com a abordagem que maximiza o risco.

A escolha mais arriscada é aquela que podemos definir negação e que com vários graus e formas vimos em ação nas escolhas de Bolsonaro e Trump : negar o risco, deixando que o acaso, o acidente, representado pelo vírus, possa provocar mais aleatoriedade, tanto a nível sanitário como a nível da sociedade em geral.

A segunda escolha é o que podemos definir como convivência : um regime que se abre a uma forma de ajustamento entre os atores humanos e o ator não humano representado pelo vírus, que vimos praticada na Suécia. O vírus surge, assim, como uma força cuja presença não é totalmente incompatível com aquela outra força representada pela vida socioeconômica do país. Essa segunda força deve ser capaz de se modular em correlação com a arriscada presença do vírus.

A terceira escolha, praticada por exemplo na Itália, subverte esse conjunto de forças. Podemos defini-la contenção. O vírus é uma presença, mas o risco de sua circulação deve ser contido sacrificando a força da vida socioeconômica, a chamada “normalidade”. O bloqueio da maioria das atividades econômicas e o confinamento dos corpos nas próprias casas passam a ser a forma de minimizar o risco sem que isso signifique pensar em eliminá-lo, já que a contenção visa antes “ganhar tempo”, como se costuma dizer, principalmente em vista da identificação de uma vacina.

O quarto modo de ação pode ser chamado de eliminação. A atitude visa eliminar por completo o risco, mesmo ao custo, como vimos ao falar da China, de sacrificar as liberdades mínimas e básicas, como a intangibilidade do próprio corpo, a expressão do dissenso, o sigilo dos próprios dados vitais. Embora esta modalidade de resposta possa, em certas condições, maximizar a segurança em relação ao risco representado pelo vírus, ela afeta, no entanto, outros valores cuja preservação, na esfera democrática, se considera imprescindível, mesmo em contextos de crise.


5.3. Modos de interação entre governantes e governados

A essas quatro formas de resposta ao risco representado pelo vírus correspondem quatro modos de interação entre governantes e governados.

No caso da eliminação, a forma de interação é o controle, ou seja, o tratamento dos governados como uma totalidade indistinta e um objeto passivo sobre o qual atuar para melhor administrar o risco, custe o que custar. No caso da contenção, podemos falar de motivação37 : o governo, e as instituições em geral, produzem uma série de ações (legislativas, comunicativas etc.) para convencer os cidadãos a fazerem algo que, de outra forma, provavelmente não fariam.

No caso da convivência a modalidade de interação pode ser definida como responsabilização : os governantes contam mais com recomendações do que com ordens, confiam na capacidade de agir de forma autônoma e responsável por parte dos governados, incluindo aqueles governados muito particulares que são os atores delegados localmente para exercer poder e tomar decisões (como os Estados dentro das Repúblicas federais, ou as Regiões, ou os institutos de saúde pública ...).

37 O termo “motivação” (assim como os a seguir, “convivência” etc.) tem obviamente equivalentes que podem enfatizar tal ou outro aspecto : vimos, por exemplo, como no caso da manipulação também poderíamos falar de “mobilização”. No entanto, esse termo associado à ideia de contenção pode parecer incongruente, enquanto a motivação indica melhor o acionamento de uma vontade, como a de ficar em casa, que de outra forma permaneceria inativa ou ausente.

No caso de negação, a forma da interação é a confusão, termo que merece uma explicação mais detalhada. Por um lado, tende a enfatizar um dos efeitos que vimos emergir de uma ação de negação do risco : as posições negacionistas são de fato posições vagas e vacilantes, que tendem a se contradizer; daí o efeito confuso que introjetam nas pessoas sobre as respostas ao risco. Confusão que também se fortalece quando, em uma sociedade democrática e interconectada, as pessoas, por meio dos canais de comunicação, percebem alternativas credíveis de escolha em relação às indicadas pelos detentores do poder. No entanto, mais profundamente, a ideia de confusão nos parece indicar a tendência dos governantes “negacionistas” de criar uma relação de confusão entre eles e seus governados (ou pelo menos uma parte deles). Resulta a geração de uma confiança que faz dos líderes — que não por acaso aqui mais do que alhures se apresentam no cenário social com nome próprio (América “de Trump”, Brasil “de Bolsonaro) e corporeidade exposta38 — o espelho dos humores e expectativas coletivas. A confusão é, portanto, tanto uma modalidade, desejada e procurada, de interação quanto o efeito paradoxal dessa interação que, ao negar o risco, o maximiza.


5.4. Figuras do coletivo

Chegamos agora às figuras do coletivo que resultam dessas diferentes formas de responder ao risco e construir a relação entre governantes e governados.

No caso da eliminação-controle, trata-se de um coletivo tratado como população, ou como uma corporeidade nua, uma totalidade qualitativamente indistinta que, portanto, se presta a ser tratada “numericamente”, despojando os corpos de qualquer individualidade (pensemos também, neste sentido, nas diferenças relativas ao anonimato dos mortos, isto é, à sua redução a números, que se alastrou na opinião pública do Estados democráticos).

No caso da contenção-motivação, o coletivo se estabelece como um povo, ou como um sujeito dotado de uma vontade unitária a ser mobilizada, inclusive por um discurso de sedução que incentive a corresponder a uma imagem positiva de si projetada por meio de práticas discursivas institucionais e não institucionais.

38 Cf. P. Demuru e F. Sedda, “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, art. cit.

No caso do vínculo convivência-responsabilização temos a cidadania, sobre a qual é necessário discorrer um pouco mais. Através da distinção entre povo e cidadania nos focamos efetivamente, seguindo Benveniste, não somente a sublinhar a diferença entre demos e civitas, isto é, entre uma totalidade em certa medida compacta (e, portanto, mais estática) e uma difundida (e, portanto, mais dinâmica), mas acima de tudo para traduzir civis não apenas como “cidadão”, mas mais exatamente como “concidadão”39. Esta interpretação benvenistiana enfatiza, no interior da civitas, a dimensão da reciprocidade, ou melhor, de um coletivo fruto de uma coparticipação que é ao mesmo tempo responsabilizante e afetivamente marcada. (Ver a conexão que Benveniste estabelece com a raiz sânscrita ?eva e o termo grego philos, ambos ligados ao sentimento e ao ideal da amizade). Por estas razões, a ideia de cidadania — ou, melhor, de co-cidadania — parece-nos referir a essa dimensão sensível própria do ajustamento. Pode-se dizer, portanto, que se o demos é portador de uma vontade, por mais apaixonada que seja, a civitas é portadora de uma sensibilidade, ainda que conscientemente assumida.

39 Cf. E. Benveniste, Le vocabulaire des institutions indoeuropeennes. 1. Economie, parenté, societé, Paris, Minuit,1969, pp. 258-259.

No caso da conexão negação-confusão, podemos falar do surgimento da figura da individualidade. Este termo, como já vimos, refere-se em particular ao coletivo como conjunto de elementos em conflito, não comunicante, separados, como tais arautos de uma condição exponencialmente arriscada, tanto no que diz respeito ao vírus quanto no que diz respeito à relação dos governados com o poder, bem como ainda nas relações internas do próprio coletivo.


5.5. Agenciamentos complexos

O fato de que o campo semiopolítico possa se orientar de acordo com essas polaridades não impede ventos do sudeste e passagens para noroeste. Ou, dito em outras palavras, que se pode e deve pensar em posições complexas. Limitemo-nos a dois âmbitos e a alguns exemplos : aquele que combina programação e acidente, por um lado, e aquele que mistura manipulação e ajustamento, por outro.

Vimos no caso da Grã-Bretanha como se pode imaginar um risco programado (que segundo algumas revelações recentes parece ter sido hipotetizado também por Trump) : assumir o risco como eixo de sua estratégia, justificando-o dentro de uma cadeia específica de previsões e ações / paixões. Resumindo em nossas próprias palavras, “muita gente vai morrer, vamos chorar pelos nossos entes queridos, mas vamos sair mais cedo e não sacrificaremos nossas vidas e nossa economia”.

Podemos, no entanto, também falar de uma programação do risco. Se trata de uma posição escorregadia porque obviamente remete a todas as narrativas conspiracionistas e conspiratórias sobre algum planejamento e disseminação direcionada do vírus. No entanto, também caem neste campo as hipóteses sobre o uso instrumental que um governo pode fazer da presença do vírus no âmbito da coletividade. Arundhati Roy, por exemplo, denunciou abertamente o governo de Narendra Modi de ter explorado o vírus, inclusive por meio da mídia e fundações por ele controladas, para fins de enriquecimento, de fortalecimento da própria liderança narcisista, bem como para aprofundar preconceitos anti-muçulmanos dentro da Índia, sobre o qual em boa parte se baseia sua aprovação :

A mídia do regime inseriu a história da Covid-19 na campanha venenosa que rea- lizam sem parar contra os muçulmanos. Eles descobriram que uma organização chamada Tablighi jamaat, que organizou um comício em Nova Delhi antes do anúncio do bloqueio total, “está espalhando o contágio por toda parte”. Usando essa notícia para culpar e demonizar os muçulmanos. O tom geral [da história] sugere que eles inventaram o vírus e estão deliberadamente espalhando-o como uma forma de jihad.40

Em outras palavras, este como tantos outros exemplos, nos lembra que o vírus e o risco que ele representa podem se tornar uma ferramenta dentro de uma ação programada para outros fins.

40 A. Roy, “L’altra pandemia”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 10 de abril 2020, p. 20.

Vimos que pode haver cruzamentos entre programação (controle) e manipulação (motivação), como no caso da Coréia do Sul e de outros países que, embora operando com um forte controle tecnológico, ainda assim perseguiram o caminho de informar e motivar seus cidadãos. Mais difícil é encontrar neste momento uma posição que pressupõe ajustamento e aleatoriedade, justamente porque as análises realizadas até aqui nos levaram a associar o primeiro a um sentido de responsabilização e o segundo a um sentido de confusão. No entanto, os modelos também são úteis quando deixam posições vazias, o que por sua vez pode nos ajudar a ver o que acontece diante de fenômenos vagos, ambíguos, paradoxais, inéditos e menos fáceis de apreender.

Finalmente, parece útil recordar a posição complexa que combina motivação e ajustamento. Um bom exemplo disso é o discurso proferido em 11 de abril pelo presidente alemão Frank Walter Steinmeier, que foi amplamente divulgado por seu contraste com a tão repetida metáfora de “estar em guerra” e o apelo contextual à solidariedade europeia e internacional :

Peço a todos vocês [alemães] que continuem a confiar — pois aqueles que governam nos níveis federal e regional estão cientes de que têm uma grande responsabilidade. No entanto, as decisões sobre o que fazer, quando e como as restrições podem ser abrandadas não dependem apenas de políticos e especialistas. Em vez disso, elas dependem de todos nós, da nossa paciência e disciplina, agora, em um momento em que isso pesa mais do que nunca. O grande esforço que estamos a fazer nestes dias, não o fazemos porque existe uma mão de ferro para nos obrigar, mas porque somos uma democracia vital com cidadãos responsáveis. Uma democracia na qual confiamos uns nos outros para ouvir fatos e argumentos, para agir com bom senso, para fazer a coisa certa. Uma democracia, em que cada vida conta e em que cada um tem um papel indispensável : do trabalhador da saúde ao chanceler federal, do Comitê Científico aos pilares visíveis e invisíveis da sociedade, aos caixas de supermercado, aos motoristas de ônibus e caminhões, em padarias, no campo ou na coleta de lixo. Vocês estão se superando. Sou grato a vocês. E é claro que sei que todos nós desejamos a normalidade. Mas o que isso significa ? Só voltar o mais rápido possível à velha rotina, aos velhos hábitos ? Não, o mundo será diferente. Como vai ser ? Depende de nós. Vamos aproveitar as experiências, as boas e as más, que todos nós temos, todos os dias, nesta crise.41

Nesta longa passagem, volta uma evidente estratégia de motivação, mas também o apelo à responsabilização, à confiança mútua e à capacidade de mudar, governantes e governados, por meio da crise, de alguma forma “graças” a ela. Parece-nos um bom exemplo, entre muitos, de como uma sensibilidade motivada e uma motivação sensível podem se cruzar e o risco pode se tornar não apenas um inimigo a ser negado ou derrotado, mas uma presença por meio da qual repensar as muitas relações que marcaram o presente que acaba de passar e convocar todos a produzir novos presentes. Um verdadeiro teste para a humanidade.

41 A tradução completa (para o italiano) está disponível no seguinte site : https://www.ilfoglio.it/esteri/2020/04/13/news/un-banco-di-prova-per-la-nostra-umanita-il-discorso-di-frankwalter-steinmeier-312759/.

Referências bibliográficas

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1 F. Sedda, “Il virus, gli stati, i collettivi : interazioni semiopolitiche”, E/C, revista da Associação italiana de estudos semióticos (www.ec-aiss.it). O autor agradece a Micaela Altamirano pela tradução para o português e Paolo Demuru pela leitura, comentários e revisão do texto.

2 Cf. Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2014.

3 Para um exemplo nosso, veja o campo sociossemiótico construído a partir da oposição entre as posições de “cidadão” e “consumidor”, em Imperfette traduzioni. Semiopolitica delle culture, Roma, Nuova Cultura, 2012, cap. 3.

4 As presentes elaborações baseiam-se nas múltiplas e fragmentárias visões e leituras induzidas por este tempo de crise. Relataremos apenas aquelas das quais extraímos algumas citações.

5 F. Rampini, “La lezione di Confucio”, Il Venerdì di Repubblica, 27 de março de 2020, p. 22.

6 N.Y.Harari, “Il mondo dopo il virus”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março de 2020, p. 20.

7 Cf. J. Won Sonn, “I limiti del modello sudcoreano”, The Conversation, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março de 2020, pp. 29-30.

8 Interações arriscadas, op. cit., pp. 78-80.

9 “La crise sanitaire incite à se préparer à la mutation climatique”, Le Monde, 25 de março de 2020.

10 “Le impreviste rivoluzione del Covid-19”, in A. Guigoni e R. Ferrari (orgs.), Pandemia 2020. La vita quotidiana in Italia con il Covid-19, Danyang, M&J Publishing House, 2020.

11 I.X. Kendi, “What the Racial Data Show”, The Atlantic, 6 de abril de 2020.

12 E. Yong, “La superpotenza malata”, The Atlantic, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 3 de abril de 2020, p. 22.

13 Cf. T. e D. Phillips, “Bolsonaro dragging Brazil towards coronavirus calamity, experts fear”, The Guardian, 12 de abril de 2020.

14 F. Sedda e P. Demuru, “La rivoluzione del linguaggio social-ista : umori, rumori, sparate, provocazioni”, Rivista Italiana di Filosofia del Linguaggio, 13, 1, 2019 ; ids, “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, Carte semiotiche-Annali, 6, 2020.

15 E. Landowski, “Politiques de la sémiotique”, Rivista Italiana di Filosofia del Linguaggio, 13, 1, 2019.

16 Cf. J.M. Lotman, Testo e contesto. Semiotica dell’arte e della cultura, Roma-Bari, Laterza, 1980.

17 In T. e D. Phillips, art. cit.

18 “Politiques de la sémiotique”, art. cit.

19 Cf. P. Demuru, “Simboli nazionali, regimi di interazione e populismo mediatico : prospettive sociosemiotiche”, Estudos semióticos, 15, 1, 2019 ; F. Sedda e P.Demuru, “La rivoluzione del linguaggio social-ista”, art. cit.

20 Cf. P. Demuru, Essere in gioco. Calcio e cultura tra Brasile e Italia, Bologna, Bononia University Press, 2014.

21 Cf. Imperfette traduzioni. Semiopolitica delle culture, Roma, Nuova Cultura, 2012.

22 E. Yong, “La superpotenza malata”, art. cit., p. 20.

23 Citado por E. Yong, art.cit.

24 Cf. J. Rosenau, Turbulence in World Politics. A Theory of Change and Continuity, Princeton, Princeton University Press, 1990.

25 Ver I. Artiaco, “Il caso Nuova Zelanda, che in due settimane ha (quasi) sconfitto il Coronavirus”, fanpage.it, 8 de abril de 2020.

26 Cf. T. Kokkinidis, “Greece Emerges as International Model for Coronavirus Early Response”, Greek Reporter, 30 de março de 2020.

27 S. Mukherjee, “Il virus fuori e dentro di noi”, The New Yorker, 26 de março 2020, p. 25.

28 Cf. P. Fabbri, La svolta semiotica, Bari, Laterza, 1998 ; I. Pezzini (org.), Semiotic efficacity and the effectiveness of the text. From effects to affects, Turnhout, Brepols, 2001 ; G. Marrone, Corpi sociali, Torino, Einaudi, 2001.

29 H. Mander, “L’India si è fermata e i più poveri moriranno”, The Indian Express, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 27 de março 2020, pp. 27-28.

30 A. Roy, “L’altra pandemia”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 10 de abril 2020, p. 18.

31 Cf. S. Modeo, “Ma perché la Svezia ha lasciato tutto aperto per il Coronavirus, per settimane ?”, Corriere della Sera, 2 de abril 2020.

32 Interações arriscadas, op. cit., pp. 51-52.

33 Ibid., pp. 82-85.

34 “Politiques de la sémiotique », art. cit.

35 Cf. F. Sedda, “L’emersione del nuovo o l’elogio della semplicità. Da Berlusconi a Papa Francesco, passando per Bersani, Grillo e Renzi”, in I. Pezzini e L. Spaziante (orgs.), Corpi mediali. Semiotica e contemporaneità, Pisa, ETS, 2014.

36 F. Sedda e P. Demuru, “Da cosa si riconosce il populismo. Ipotesi semiopolitiche”, Actes Sémiotiques, 121, 2018 ; id., “La rivoluzione del linguaggio social-ista”, art. cit. ; id., “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, art. cit.

37 O termo “motivação” (assim como os a seguir, “convivência” etc.) tem obviamente equivalentes que podem enfatizar tal ou outro aspecto : vimos, por exemplo, como no caso da manipulação também poderíamos falar de “mobilização”. No entanto, esse termo associado à ideia de contenção pode parecer incongruente, enquanto a motivação indica melhor o acionamento de uma vontade, como a de ficar em casa, que de outra forma permaneceria inativa ou ausente.

38 Cf. P. Demuru e F. Sedda, “Social-ismo. Forme dell’espressione politica nell’era del populismo digitale”, art. cit.

39 Cf. E. Benveniste, Le vocabulaire des institutions indoeuropeennes. 1. Economie, parenté, societé, Paris, Minuit,1969, pp. 258-259.

40 A. Roy, “L’altra pandemia”, Financial Times, trad. nossa, a partir da tradução italiana in Internazionale, 10 de abril 2020, p. 20.

 

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Palavras chave : acaso, acidente, ajustamento, cidadania, confiança, controle, convivência, motivação, negacionismo, povo, programação, responsabilização.

Mots clefs : accident, ajustement, citoyenneté, confiance, contrôle, hasard, motivation, négationnisme, peuple, programmation, responsabilisation, vivre-ensemble.

Auteurs cités : Emile Benveniste, Paolo Demuru, Paolo Fabbri, Eric Landowski, Jurij Lotman, Gianfranco Marrone, Isabella Pezzini.


Plan :

Premissa

Introdução

1. Entre autoritarismo e tecnocracia: a programação da China e da Coréia do Sul

1.1. A programação autoritária da China

1.2. A tecnoprogramação sul-coreana

1.3. Biopolítica e eliminação do risco

1.4. Sensibilidades presumidas ou induzidas

1.5. Contágio chauvinista

1.6. Vigiar ou proteger : inovação tecnológica e a esquerda globalista

1.7. Serendipidade ?

2. Exposição, confusão, indiferença : formas da aleatoriedade na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Brasil

2.1. O risco programado da Grã-Bretanha de Boris Johnson

2.2. O caos e o acaso : a propagação do risco nos EUA de Trump e no Brasil de Bolsonaro

2.3. Absolutismo de retorno

2.4. Rebanhos, facções, indivíduos : formas do caos

2.5. Negacionismo e vagueza

3. O povo a motivar ou mobilizar : as manipulações da Itália e da Alemanha

3.1. Uma vez feita a Itália, tem que fazer-fazer os italianos

3.2. Uma vontade distribuída : a Alemanha (e a Nova Zelândia)

3.3. O primado do Estado e da cidadania

4. Sensibilidade a valorizar-se : Grécia, Índia, Suécia

4.1. Grécia no espelho da Itália : ajustamento como modelização analógica ?

4.2. Ajustamento como compaixão : a Índia de Modi no espelho de Gandhi

4.3. Ajustamento e aleatoriedade : diferença ou complementaridade ?

4.4. Ajustamento como crescimento da responsabilidade compartilhada : a Suécia

5. Orientar-se na complexidade

5.1. Dinâmicas em andamento e bússolas semiopolíticas

5.2. Respostas ao risco

5.3. Modos de interação entre governantes e governados

5.4. Figuras do coletivo

5.5. Agenciamentos complexos

 

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