La présence perdue

Igrejas fechadas :
rezar na pandemia ?

Rafael A. Alves
Universidade de São Paulo/FFLCH
PUC-SP, Centro de Pesquisas Sociossemióticas

Publié en ligne le 4 mars 2021
https://doi.org/10.23925/2763-700X.2021n1.54169
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Introdução

Entre muitos outros efeitos, a imposição do isolamento social destinado a diminuir a propagação do novo coronavírus teve por consequência a interrupção de atividades que costumam reunir grande número de pessoas. Notadamente no Brasil a partir do mês de março de 2020, crentes em geral foram impedidos de participar fisicamente das celebrações prescritas por suas instituições religiosas. Para os católicos, tais medidas impossibilitaram o cumprimento “presencial” da principal de suas obrigações — participar semanalmente da missa dominical, um rezar institucionalizado. Segundo o dicionário Houaiss, rezar é ao mesmo tempo “celebrar”, “dizer” e “fazer”. Na missa, é, mais precisamente, celebrar dizendo — enunciando juntos a fala sagrada —, e também fazendo — cumprindo juntos os gestos prescritos pelo ritual. Todos juntos no mesmo espaço, ao mesmo tempo físico e sagrado, que é a igreja. Com o isolamento, foram suprimidos, portanto, dimensões essenciais do rezar na missa, celebração constituída por um tempo e um espaço compartilhados pela comunidade reunida dos crentes. Dai a questão : sendo excluída a interação em copresença entre fiéis e celebrantes num mesmo espaço-tempo, como rezar na pandemia ?

Começaremos por analisar a missa na sua forma tradicional, enquanto experiência estésica, procurando compreender a centralidade de tal ritualização do rezar na construção da identidade do fiel católico. Procuraremos, em seguida, depreender as estratégias de reconstrução de uma forma de interação entre celebrantes e fiéis durante o período de proibição considerado. E, por fim, tentaremos analisar nessa perspectiva um momento de oração conduzido pelo Papa Francisco e retransmitido pelas mídias como exemplar das estratégias de criação de um substituto do presencial no remoto, por meio da produção de novas formas midiáticas de encenação do sensível.

 

1. A missa como experiência estésica

Para iniciarmos uma reflexão sobre os modos do rezar na pandemia, é preciso estabelecer paralelos com a mesma prática tal como era realizada tradicionalmente antes das medidas de distanciamento social. Como era rezar antes de as igrejas terem de fechar suas portas ? Quais regimes de produção de sentido eram mobilizados nesse tipo de interação com o sagrado institucionalizado nos ritos da missa ?

A fim de identificarmos as dimensões semioticamente mais relevantes que condicionam o sentido da participação em uma missa tradicional, por comparação com as transmitidas remotamente, não vamos recorrer a textos que descrevam o ritual nem proceder à analise de uma dada missa gravada antes da pandemia. Uma gravação assim poderia oferecer somente uma visão muito parcial do vivido. Ora, o que precisamos identificar no presente caso são justamente as dimensões vividas da experiência mesmo, tais como o sentido da copresença com os outros fieis ou o sentir do ambiente espacial, sonoro, olfativo desse lugar sui generis que é uma igreja. Isso, por definição, escapa a todo e qualquer vídeo. Por essa razão, objetivando apreender os elementos estruturais que condicionam os efeitos de sentido da situação vivida dentro da igreja durante uma missa, vamos nos basear, por pouco ortodoxo que possa parecer, em lembranças da nossa própria experiência. Isso, evidentemente, não para evocar impressões subjetivas evanescentes, mas focalizando-nos sobre os elementos objetivos e analisáveis que são os componentes figurativos e plásticos dessas experiências.

Entre os fieis católicos, a celebração da missa é o ponto central da vivência da fé. Por meio do escutar a “Palavra de Deus” (leituras bíblicas), partilhar os bens materiais (ofertório) e consumir a eucaristia (pão consagrado) — programa geral de toda missa — é que o batizado na Igreja Católica Apostólica Romana interage, inteligível e sensivelmente, com o que o constrói como fiel e, paralelamente, com o que constrói a sua fé. Esse vivido no rito, portanto, não é tomado aqui como realidade apriorística, mas como construção interativa. É pelo modo como cada fiel se inscreve na relação com os demais fiéis e com o padre (e com o templo) que se criam discursivamente um espaço e um tempo próprios desse programa de vivência do sagrado, em que o fiel vai interagir, portanto, com um construto da sua própria fé.

 

Nessa articulação discursiva, também a categoria actancial — o “eu” e o “outro” — se define e se presentifica. Trata-se, portanto, de presença como efeito de sentido dessas relações discursivas, conforme propõe Landowski1. No caso da celebração da missa, trata-se de uma presença com alta densidade estésica, em torno da qual se articulam formantes do plano da expressão — elementos de uma arquitetura característica e bastante específica do templo (frequentemente com pé direito mais alto), as cores de vitrais que projetam a luz do externo no interno, um cheiro inconfundível de incenso e flores, sons de um coral, de uma orquestra ou de uma pequena banda, os gestos exagerados e desacelerados do padre no momento da consagração, destacados pelo movimento do excesso de panos nos paramentos que cobrem seu corpo. Antes mesmo de se tornarem distintivos inteligivelmente, esses elementos e gestos concorrem para fazer sentido, em ato, sensivelmente, no desenrolar da celebração.

1 Presenças do outro, São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 69.

Como num teatro ou num cinema, a arquitetura de uma igreja tende a destacar os atores dos quais depende mais ativamente o desenrolar da ação litúrgica. No caso da igreja, o destaque está no altar que, como o palco do teatro ou a tela do cinema, reclama para si todas as atenções — seja pela centralidade de sua localização no espaço, pela maior iluminação que recebe ou pela disposição dos bancos voltados para ele. É clara, portanto, a diferença entre os papéis a serem exercidos por quem está no altar, destacado, e, pelo contrário, por quem ocupa o restante da chamada assembleia. Em catedrais góticas, por exemplo, todas as janelas são projetadas para que a luz do sol incida com maior intensidade, e por maior período de tempo ao longo do dia, no altar, deixando a nave, onde estão distribuídos os bancos dos fiéis, mais escura. Inevitável homologar o excesso de luz no altar à presença de Deus e sua escassez nos bancos à falta de Deus. A oposição entre sagrado e profano está, portanto, dada já nessa disposição do espaço de uma igreja2.

2 Disposição topológica que tecnicamente podemos chamar de “semi-simbólica”. Cf. J.-M. Floch et F. Thürlemann, verbete “semi-symbolique”, in A.J. Greimas et J. Courtés (orgs.), Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage II, Paris, Hachette, 1986, pp. 203-206 ; e J.-M. Floch, Petites Mythologies de l’œil et de l’esprit, Paris-Amsterdam, Hadès-Benjamin, 1985, p. 79.

Na nave, os bancos estão dispostos de maneira tal que os fiéis passam a formar, sentados lado a lado, um único ator daquele enunciado missa. Não se distinguem por suas alteridades. Pelo contrário, a identidade do conjunto de fiéis em uma igreja lotada se define justamente pela homogeneização das diferenças individuais desses fiéis. É verdade que seria possível identificar diferentes tipos de fiéis que se destacam nesse corpo, mas aqui interessa essa característica unificadora dos gestos no ritual da missa, de um modo tal que mesmo os não iniciados passam a fazer junto imitando os gestos dos fiéis que são assíduos — por eles contagiados3.

3 Sobre a noção de presença contagiosa, cf. E. Landowski, Além ou aquém das estratégias, a presença contagiosa, São Paulo, Ediçoes CPS, 2005.

Em geral, a roupa de cada fiel não se destaca (pelo respeito ao sagrado, deve-se evitar o uso de peças muito coloridas ou estampadas, decotes ou shorts que deixem ver o corpo mais do que se possa considerar aceitável), ainda que a “roupa de domingo”, com seu requinto particular, seja tomada como apropriada enquanto “roupa da missa”. Ao narrar uma missa, o escritor Guimarães Rosa anotou que “saía da gente toda ali uma vontade de respeito, um suor de paz, de roupa nova e dia diferente (...)”4. “Roupa nova” e “dia diferente” marcam a excepcionalidade e a solenidade da participação na missa.

4 J. Guimarães Rosa, Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001.

Somado a esse procedimento de apagamento dos traços identitários dos fiéis, espera-se dos que frequentam regularmente o rito uma forma de conhecimento somaticamente interiorizado das sequencias gestuais que correspondem à cada fase da celebração (levanta-se para ouvir a leitura do Evangelho, senta-se para ouvir a pregação do padre, dão-se as mãos para a oração do “Pai Nosso” e, se o corpo permitir, ajoelha-se depois de receber a eucaristia). São gestos automatizados (algumas vezes, mesmo dessemantizados) que, no conjunto, performam como um grande e único corpo.

São diversos os modos como cada fiel pode colocar-se em relação com esse conjunto significante e passar a integrar esse “corpo” da igreja. Está estabelecido entre os católicos uma diferença entre participar ativamente e assistir passivamente a celebração da missa5. Semioticamente, podemos homologar tais modos aos conceitos opostos de hábito e de rotina. Em Da imperfeição, Greimas, ao refletir sobre a mobilização do sensível na construção do sentido, atribui o sem sentido à repetição que caracteriza a rotina6. Reinterpretando essa proposta de Greimas, Landowski, em Passions sans nom, opõe à repetição automatizada da rotina o hábito, redefinido como repetição criadora de sentidos7. Se a surpresa instala uma novidade, as repetições do hábito assumido são vividas com uma consciência que ressemantiza o objeto a cada nova interação8.

5 Cf. José Antonio Pagola, Para católicos, assistir à missa não é o mesmo que participar dela, https://domtotal.com/noticia/1452298/2020/06/para-catolicos-assistir-a-missa-nao-e-o-mesmo-que-participar-dela/.

6 Greimas fala de significação dessemantizada. Cf. Da Imperfeição, São Paulo, Hacker, 2002, pp. 23-30.

7 Cf. “Pour l’habitude”, Passions sans nom, op. cit., pp. 149-158.

8 Ibid., p. 157.

Muitos documentos da Igreja insistem na orientação para que os fiéis participem ativamente da missa. O parágrafo 48 da Constituição Sacrosantum Concilium, sobre a liturgia, afirma que :

(...) a Igreja com diligente solicitude zela para que os fiéis não assistam a este mistério da fé como estranhos ou espectadores mudos. Mas cuida para que bem compenetrados pelas cerimônias e pelas orações participem consciente, piedosa e ativamente da ação sagrada, sejam instruídos pela Palavra de Deus, saciados pela mesa do Corpo do Senhor e dêem graças a Deus.9

Participar pressupõe engajamento e compromisso no atuar juntos, fiéis entre si e com o celebrante. Assistir, pelo contrário, é uma atitude inscrita numa regularidade mais ou menos automatizada na qual o sentido se perdeu. Não pretendemos aqui esgotar a descrição das marcas discursivas que distinguiriam esses dois modos de estar presente na missa, mas assumimos que são dois modos que pressupõem a presença física, efetiva, do fiel no templo. Há alguns momentos da celebração em que os fiéis são especialmente, e sensivelmente, mobilizados e é fundamental a sua copresença no mesmo tempo e espaço do padre e dos outros fiéis — explicitamente o abraço da paz, a oração do Pai Nosso e, principalmente, o momento da comunhão.

9 Compêndio do Vaticano II, Petrópolis, Vozes, 1968 (29ª edição), p. 279 (grifos nossos).

Não há uma prescrição para que a oração do Pai Nosso seja feita de mãos dadas, mas o gesto é muito comum e importante na construção de sentido daquele momento da missa, especialmente no Brasil. Ao ouvir do padre a frase “obedientes à palavra do Salvador e formados por seu divino ensinamento, ousamos dizer...”, fórmula que antecede a oração, os fiéis já estendem as mãos uns aos outros. Há um contágio reativo entre eles e, mesmo os que não estão acostumados a frequentar missas, dão-se as mãos para rezar. É uma oração que traz mesmo um sentido de unidade familiar. A primeira frase, “Pai Nosso que estais nos céus...”, coloca todos os fiéis em uma comunhão fraterna, como filhos do mesmo “pai nosso”, e as mãos dadas reforçam expressivamente esse sentido de união dado no conteúdo da oração.

Logo em seguida, na continuidade do rito, no gesto do abraço da paz, os fiéis reconhecem-se a si e aos outros como partes de uma comunidade, mesmo de uma família. Ainda que a recomendação formal da Igreja seja que se cumprimente com moderação apenas as pessoas que estão sentadas mais próximas, não é raro ver quem circula por toda a extensão do templo distribuindo abraços mais afetuosos. No verbal oral, o padre diz “A paz do Senhor esteja sempre convosco”, ao que os fiéis respondem, em uníssono, “o amor de Cristo nos uniu”. A frase seguinte dita pelo padre é mesmo uma ordem, marcada por um vocativo : “Irmãos e irmãs, saudai-vos em Cristo Jesus”.

 

Ponto central da celebração, o rito da comunhão é marcado por gestos eloquentes do padre, que repete os gestos de Jesus Cristo na última ceia. Tomando para si o cálice com vinho e a hóstia, o padre ergue esses objetos lentamente e, ao proferir a benção, eles se tornam, para os católicos, o próprio corpo e sangue de Jesus. Tanto não se trata de uma metáfora ou de um recurso retórico para explicitar alguma ordem de representação, que a Igreja chama esse momento da celebração de transubstanciação. A substância vinho transforma-se na substância sangue e a substância da hóstia se transforma na substância corpo. É o apogeu da unificação10. Ao comungar, cada fiel se alimenta do corpo literal de Jesus Cristo e funde seu próprio corpo ao dele. O fiel, portanto, constrói em ato, na copresença com o padre, o ponto mais alto de uma possível comunhão com Deus. Do ponto de vista de quem tem fé, comungar é integrar-se carnalmente com Jesus, filho de Deus.

10 Por razoes óbvias, a comunhão, esse momento da transmissão do corpo do Cristo aos fieis, constitui por natureza o momento mais crítico do ponto de vista das transmissões midiáticas da missa. Contrariamente ao que pode advir na ficção literária, a hóstia não pode passar “do outro lado da tela” ! É também neste ponto que a Igreja se posiciona contrariamente à possibilidade de participação na missa por meio dos meios de comunicação — falta o que é mais central no rito, ou seja, a comunhão de fato entre fiel e Deus por meio do consumir a eucaristia.

Uma igreja, como edifício, é, por si, uma construção que reitera figurativamente um caráter transcendental — as torres que culminam no crucifixo e apontam para o alto, o formato e o cromatismo especial da fachada que se destacam nos cenários urbanos, a centralidade da localização (pensemos nas igrejas que ficam na praça principal das cidades, e que se tornam o ponto de referência para um fazer social). Além disso, o edifício de uma igreja deve ser dedicado exclusivamente ao uso do serviço religioso. Isso se faz por meio de uma benção especial, que só pode ser presidida por um bispo, na qual as paredes do templo são ungidas com óleo abençoado. O altar, local em que se renova o sacrifício de Cristo, recebe atenção especial nessa celebração. Tais procedimentos tornam aquele espaço um espaço sagrado próprio para a realização dos ritos.

 

Rezar na igreja tem, portanto, uma configuração própria e instala um percurso de interação fortemente acentuado — é na igreja que estão reunidos os elementos próprios que possibilitam uma experiência de viver o sagrado inteligível e sensivelmente. Do lado do “inteligível”, é por um procedimento de leitura que o fiel compreende várias figuras dispostas no templo — o altar centralizado, a cruz, algumas imagens de santos que tem importância para aquela comunidade específica. Durante a missa, esses elementos simbólicos também estão fortemente presentes, notadamente nos próprios gestos do rito que se ligam a uma memória que constrói um efeito de tradição. Mas para além da leitura possível desses elementos que têm uma significação previamente codificada, o fiel presente em uma igreja tem a oportunidade de apreender sentidos outros ao interagir sensivelmente com o edifício. Enquanto ambiente, o edifício se impõe também como um “corpo”. Imediatamente, ou seja, sem necessidade de conhecimento de algum código de leitura, ele faz sentido por sua simples presença11. As grandes dimensões que as igrejas frequentemente tem impõem ao fiel uma consciência da sua pequenez e finitude diante das “coisas de Deus”. Greimas já apontava para esse caráter julgador das linguagens do divino em relação ao humano, afirmando que

(...) o sagrado finda por subjugar o cotidiano narrativizado ou narrativizável, por quebrar seu ritmo “natural” de duas maneiras : transcendendo-o ou sustentando-o, afirmando o frenesi do mundo ou insinuando a anulação do sujeito.12

11 Sobre a diferença entre significação e sentido, cf. E. Landowski, Antes da interação, a ligação, São Paulo, Edições CPS (Documentos de Estudo, 8), 2019, p. 25.

12 Da Imperfeição, op. cit., p. 87.


De fato, participar da celebração dominical da missa na igreja rompe o ritmo cotidiano do sujeito, suspendendo-o e o isolando do resto do mundo.

O sonoro e o olfativo de uma celebração corroboram esse deslocar-se do mundo. Os cânticos em uma missa são colocados de modo tal que conduzem o sujeito em oração numa projeção corporal que facilita a realização do programa exigido em cada parte do rito. Nos momentos de louvor, a música é festiva e faz o corpo mexer-se também festivamente ; nos momentos de contrição, as músicas tendem a ser mais melódicas e lentas, colaborando para uma postura de reflexão e submissão do sujeito ao sagrado. Pelo olfato, o perfume de incenso e flores característico das igrejas também é de uma ordem diferente da do cotidiano do sujeito.

A articulação dessas expressividades — dimensão exagerada que desreferencializa o sujeito em relação ao seu corpo (no Mosteiro São Bento, no centro de São Paulo, por exemplo, um conjunto de imagens em tamanho natural que retrata a crucificação de Jesus dá a impressão de ser bem menor, em função da distância a que está colocado em relação aos fiéis), sonoridade e odores que suspendem ou ao menos diminuem a percepção do sujeito em relação ao resto do mundo, acentuando o seu estar presente ali naquele instante — explica a proposição da missa como experiência estésica.

Quando, em meados de março, a Justiça de diversas cidades e Estados brasileiros determinou a proibição da presença física de fiéis em celebrações religiosas, a Igreja Católica se viu diante de um dilema teológico-moral : como garantir a manutenção da identidade dos fiéis católicos, tão intimamente ligada à copresença em comunidade, sem descuidar da saúde dos outros ? Seria possível midiatizar essa experiência do rezar como vivência do sagrado ?

 

2. A missa midiatizada

Não é de hoje, nem é consequência da pandemia, que missas são transmitidas pelos meios de comunicação. Começou com o rádio, passou para a TV e atualmente está, também, nas redes sociais. O tema envolve uma questão litúrgico teológica também antiga : qual a validade de uma missa acompanhada pela mídia, em que os fiéis não tem possibilidade de comungar ? Em geral, considera-se a missa transmitida válida apenas como recurso para auxiliar na evangelização. Sem possibilidade de comunhão, trata-se de uma missa inválida para o fiel, que não cumpre seu preceito semanal (o dever participar da missa aos domingos imposto a todo católico batizado). Na Enciclopédia da Eucaristia, o teólogo Arno Schilson assume ser possível uma “participação de alguma qualidade do espectador (crente) na transmissão de uma celebração eucarística”13. Não se trata, portanto, da participação com a qualidade plena, mas de parte da qualidade. Voltaremos a isso.

13 Cf. A. Schilson. “A missa na televisão e na rádio”, in M. Brouard (org.), Eucharistia : Enciclopédia eucarística, São Paulo, Editora Paulus, 2006, p. 726. (Grifo nosso).

Estendendo a reflexão que Schilson faz sobre a transmissão da missa pela televisão e pelo rádio também à transmissão pela internet, compreendemos que todos esses dispositivos...

(...) tem a particularidade de poder ultrapassar o tempo e o espaço, sendo assim [capazes] de transformar fundamentalmente as condições da comunicação humana fundada na presença física imediata [e sendo capazes] de transmitir ultrapassando os limites do espaço e de alterar o tempo por uma difusão diferida.14

Do ponto de vista semiótico, importa investigar quais as características dessa capacidade de ultrapassar o tempo e o espaço, como essas possibilidades instauram novas formas de interação e como essas novas formas engendram significações e/ou sentidos.

Em primeiro lugar, o que se tem na missa midiatizada ? Uma tela, diante da qual o fiel passa a ser, necessariamente, espectador15. Há no mínimo dois níveis de enunciação — o primeiro refere-se ao da missa em si, celebrada pelo padre no espaço da igreja. O segundo é o da mídia que veicula tal missa. Entendemos, desde logo, que o efeito de presença será tanto mais efetivo para o fiel espectador quanto mais o enunciador de um desses níveis levar em consideração o enunciatário instalado do outro lado da câmera.

14 Ibid., p. 726.

15 Seria tema igualmente relevante, e que aqui deixaremos de lado, uma reflexão a partir do ponto de vista do padre celebrante. No lugar dos fieis, o que ele tem sob os olhos a não ser, no meio de uma igreja vazia, somente uma câmera e uns técnicos ? Nem sequer a imagem de três ou quatro interlocutores numa tela de computador, como acontece com o professor dando um curso a distância. Não apenas pelos fieis mas pelo padre também, portanto, se coloca essa questão : como rezar em tais condições ?

O fiel espectador interage com esse segundo nível enunciativo por meio das imagens em movimento e do som. Consideramos neste estudo transmissões de missas realizadas pelo Facebook sem incluir os comentários que alguns internautas deixam nos vídeos durante as transmissões. Tais comentários podem ser tomados como uma das interações possíveis com a missa midiatizada, a interação discursivizada e prescrita pela rede social, mas que está já num outro nível de enunciação, em que há uma transitividade mais explícita entre enunciador e enunciatário16. A própria Igreja assumiu a complexidade dessa comunicação ao afirmar que :

O caráter interativo e bilateral da internet já está ofuscando a antiga distinção entre aqueles que comunicam e os destinatários da comunicação, e dando forma a uma situação em que, pelo menos potencialmente, cada um pode desempenhar ambas as funções.17

Ana Claudia de Oliveira propõe depreender as marcas que o enunciador deixa no discurso como índices de um caminho possível de interação com aquele objeto :

Com os usos dos sistemas, ou linguagens, uma série de escolhas são realizadas para dizer, mostrar, a organização do discurso. O processo comunicacional instaura percursos do sentir o sentido, assim como percursos de articulação lógica dos elementos integrantes (...) da significação18.

O uso dos meios audiovisuais para a transmissão da missa via internet instala percursos possíveis de interação nesse nível mesmo e passa por certas estratégias daquele enunciador na mobilização de seu enunciatário. Trata-se, portanto, de compreender como as estratégias de uso do audiovisual inscrevem um determinado tipo de fiel.

16 Ana Claudia de Oliveira propõe homologar os regimes de sentido e risco de Landowski a interações que se manifestam já no nível discursivo do percurso gerativo de sentido. Ela divide essas interações entre intransitivas (sem possibilidade de intercâmbio das funções de enunciador e enunciatário) e transitivas (em que enunciador e enunciatário trocam de papéis numa dinâmica em ato). Cf. A.C. de Oliveira, “As interações discursivas”, in id. (org.), As interações sensíveis. Ensaios de sociossemiótica a partir da obra de Eric Landowski, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2013, pp. 235-249.

17 Documento “Igreja e internet”, do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, 22 de fevereiro de 2002 (https://cutt.ly/XjwRe7g). (Grifos nossos).

18 “As interações discursivas”, art. cit., p. 235.

Ao analisar as formas da propaganda populista, Landowski mostra como, nesse contexto, as estratégias do contágio sensível (que, em princípio, remetem ao regime de ajustamento19) servem enquanto “programas de uso” colocados ao serviço de um “programa principal” mais abrangente, da ordem da manipulação (“fazer votar” em tal direção). Dai a fórmula “manipular por contágio20. Em alguns casos, um tal processo pode se dar numa relação de copresença física face a face direta entre candidato e eleitores, tal como acontece por ocasião de comícios organizados durante uma campanha eleitoral. Mas, na sua imensa maioria, os cidadãos nunca encontraram de perto, “em carne e osso”, nenhuma das grandes figuras públicas do mundo político.

19 E. Landowski, Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2014, pp. 246-260.

20 Cf. E. Landowski, “La politique-spectacle revisitée : manipuler par contagion”, Versus, 107, 2008.

Entretanto, apesar disso, todos os “conhecem”, “sentem” o “jeito” deles, seu modo de falar e se comportar, como se fossem familiares mais próximos. Ora, isso se dá exclusivamente por meio das telas de TV ou de computador, que, de fato, permitem a cada um, a cada espectador da mídia, apreender as mesmas qualidades plásticas características dos homens públicos — o tom, o ritmo, a hexis corporal característica de cada um deles — que são susceptíveis de contagiarem os participantes como em um comício. Isso significa que o “contágio” sensível não se limita a casos de contato imediato. Ele transita também pela mídia, uma vez que sua tecnologia seja suficientemente sofisticada para permitir perceber o essencial dessas qualidades estésicas em jogo na copresença direta.

Partindo do princípio de que é possível que interações mediadas pela tela do computador mobilizem o sensível por meio das suas qualidades plásticas, temos de distinguir teoricamente, para ambos os tipos de relação — presencial ou remota — estabelecida com a celebração, modos de acompanhamento basicamente distintos. Como já apontamos, o fiel presente na igreja pode acompanhar a missa de dois modos diferentes. A sua presença efetiva (e só ela) lhe permite participar ativamente, no sentido de co-atuar num face a face direto com o celebrante, os outros fieis e o ambiente (presença realizada). Mas a sua presença factual, física, não exclui a eventualidade dele se limitar em assistir passivamente, num acompanhamento sem fervor nem envolvimento, “descomprometido” em relação com o aqui-agora da celebração — quase como se ele não estivesse aí (presença virtualizada). Por outro lado, embora a participação ativa, no sentido concreto que acabamos de indicar, seja por definição excluída para o fiel remoto que acompanha a missa apenas olhando uma tela, fica para ele, contudo, a possibilidade de assistir não passivamente à liturgia, isto é, com fervor, envolvendo-se sensivelmente com a celebração, mesmo que à distância e sem contato. Nesse sentido, tanto a audiência remota quanto a presença efetiva podem ser “engajadas”, cada uma a seu modo. Mas ainda fica uma última possibilidade : do mesmo modo que o fiel fisicamente presente na igreja pode ficar mentalmente “alhures”, seguindo a celebração de modo desatento (assistindo passivamente), o fiel remoto arrisca — ainda mais, provavelmente — participar não ativamente, olhando a tela do computador ou da TV e, neste sentido, “acompanhando a missa”, com certeza, mas de modo distraído, descomprometido, como se fosse um espetáculo qualquer.

O seguinte esquema (que inclui alguns elementos adicionais que serão justificados mais adiante) interdefine essas posições :

 

Antes da pandemia, a missa transmitida era apenas a missa regular, celebrada para os fiéis presentes no templo, com câmeras que veiculavam a celebração como um enunciado inteligível a ser lido pelo fiel enunciatário presente pela mídia. Não havia preocupação, no nível da enunciação do padre e nem no nível da enunciação da mídia, com esse fiel espectador ausente do templo, mas presente na celebração — o padre celebrava para o fiel presente na igreja e a câmera apenas registrava a ação com um efeito de narração em terceira pessoa. Com a imposição do isolamento social, a missa transmitida passou a ser para o fiel a única possibilidade de participar da missa — de participar, ou apenas assistir ? Isso é a questão crucial que vamos agora tentar compreender.

Houve um movimento grande por parte da Igreja para encontrar caminhos de oferecer as celebrações durante esse período de fechamento. Algumas transmissões seguiram sendo apenas a colocação em vídeo da missa que estava sendo realizada para um público presente na igreja — auxiliares, outros padres, coroinhas. Em tais celebrações, o fiel enunciatário, agora instalado como espectador, encontra-se na posição de um receptor discursivamente passivo. Ele não é convocado a interagir, nem a rezar junto propriamente dito. Ele está convidado a assistir sem participar ativamente. São inúmeros os exemplos desse procedimento, que seguiu ativo na pandemia. Em alguns casos, o enquadramento faz ver que o padre celebra para um grupo reduzido de fiéis presentes na igreja. Em outros, o foco está no padre, que segue, no entanto, celebrando como que para o vazio. Em todos esses casos, não há, no enunciado da missa ou da mídia que a transmite, nenhum elemento capaz de instalar um fiel que possa ser mobilizado a rezar junto. Esse fiel é apenas espectador.

 

Por outro lado, muitas paróquias adaptaram as transmissões prevendo a presença dos fiéis do outro lado da câmera. Tomamos como exemplo os procedimentos empreendidos por algumas paróquias brasileiras para compreender quais estratégias possibilitam esse efeito de presença que se configura por um assistir não passivamente essas celebrações. Já em 21 de março, apenas um dia após a proibição da presença de fiéis durante as celebrações no Estado de São Paulo, o padre da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto (São Paulo, capital), celebrou uma missa que foi improvisadamente transmitida pela página da paróquia no Facebook21. A improvisação pode ser verificada de modo bastante explícito na figuratividade dos recursos audiovisuais usados de maneira amadora — o cenário da celebração não está inteiramente enquadrado no vídeo, com a imagem projetada na vertical (uma marca de que a gravação era feita por um smartphone) recortando ora parte do altar, ora parte de um outro padre que concelebrava. As imagens são oscilantes, com momentos de aproximação e distanciamento do celebrante.

21 Ver em https://cutt.ly/ch64dM5.

Olhando diretamente para a câmera e instalando um enunciatário em copresença, numa relação eu-tu, ainda que mediada, o padre inicia o vídeo circunscrevendo o momento histórico : “Cumprindo ordem judicial de não celebrar a missa para o público, estamos aqui na capela da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, ao vivo, para celebrar essa eucaristia”. Em seguida, ele lê algumas intenções recebidas com pedidos de oração, entre elas a de uma moradora próxima da paróquia, “falecida vítima do coronavírus”. Dando nome a uma vítima da epidemia, o discurso mobiliza e faz acender o sinal de alerta num momento em que as pessoas ainda demonstravam maior preocupação com a doença. Na sequência da fala, antes de dar início de fato à missa, o padre explica a presença dos outros dois padres na celebração (um deles é o que está responsável pela filmagem) e do leigo que faria a parte do canto (todos vivem na mesma casa paroquial e estão tomando “as precauções conforme as orientações dadas pela força sanitária e política do Brasil”).

Ele lamenta o fato de não poder estar “junto de vocês, juntos da nossa comunidade”, explicitando, num primeiro plano, a relação eu-tu já mencionada, mas acrescentando um componente afetivo ao especificar quem são os fiéis previstos como enunciatários daquela celebração — não quaisquer fiéis, mas aqueles da “nossa comunidade paroquial”. Manter esse vínculo comunitário é tão fundamental que o padre reitera que as celebrações online são “uma maneira de nos aproximarmos e estarmos juntos como uma única família, uma única casa, a Igreja, casa de todos”. Para iniciar a celebração, o padre chama o “canto de abertura”. É possível ouvir o toque do violão e a câmera se distancia do celebrante, revelando uma visão mais ampla da capela. Vê-se, então, a presença de um homem tocando o instrumento de cordas ao lado esquerdo do padre.

O vídeo tem pequenas falhas aparentemente causadas por problemas de conexão da internet. Num momento da transmissão, quem opera a câmera aciona inadvertidamente a função selfie e deixa-se flagrar com parte do rosto cortado. De volta à espacialização do local da missa, com a imagem mantida num enquadramento aberto, é possível ver detalhes daquela capela : trata-se de uma igreja menor (não é o templo principal da paróquia), com um pé direito baixo. Esse foi um procedimento usado com bastante recorrência pelas paróquias brasileiras analisadas — transmitir a missa não na grandiosidade do templo principal, mas em alguma capela menor da própria igreja. Tal recurso contribui para que o fiel que acompanha a missa pela internet tenha uma sensação de maior proximidade com tal celebração.

 

Na capela escolhida pela Paróquia do Bom Parto, é possível identificar um altar rústico de madeira que tem como fundo um painel de azulejos dourados. O chão traz um elemento de grande destaque : incrustrado no piso, sob a proteção de um vidro e com iluminação própria, um enorme crucifixo de madeira com a figura de Jesus pregado nele. A plasticidade de tal peça será usada ao longo da celebração por quem conduz a transmissão — em momentos que exigem silêncio e oração, a câmera permanece enquadrando o rosto do crucificado de madeira.

Não há uma preocupação em mostrar a espacialidade da igreja como excepcional. Mesmo que em alguns momentos a câmera focalize o crucifixo incrustado no chão — um elemento que chama atenção esteticamente —, os enquadramentos amadores não estabelecem uma relação sensível com os fiéis instalados naquele enunciado. Se o visual fica deficiente, em compensação, o sonoro do canto de entrada contribui para que o fiel espectador entre em conjunção com aquele momento do rezar institucionalizado. O fato de usar os recursos enunciativos do audiovisual de maneira estratégica, levando em consideração a presença de um fiel espectador, faz com que tal celebração tenha um componente de mobilização sensível do enunciatário — que é, inclusive, convidado a participar ativamente da missa em diversos momentos.

 

Essa preocupação com a presença de um fiel espectador do outro lado da câmera é o traço discursivo que melhor projeta o efeito de interatividade. Esse mecanismo fica bastante evidente na missa transmitida por outra paróquia da capital paulista, a Santo Antônio de Vila Mazzei, no dia 22 de março22. Logo no início da transmissão, o padre olha diretamente para a câmera — ou seja, diretamente para o enunciatário daquela missa transmitida — e explica que a celebração remota é uma forma de cuidado com a vida das pessoas. Em seguida, ele pede que os fiéis compartilhem o link daquele vídeo e convoquem os conhecidos para também acompanhar a missa e, antes mesmo de iniciar a celebração, passa a ler uma série de orientações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)23. São prescrições que manipulam os fiéis a realizarem ações de preparação para a missa, algumas mais abstratas — por exemplo, “preparar a mente”, pois “não é uma transmissão qualquer” e “preparar o teu espírito”, para entrar no clima como se estivessem entrando numa igreja — e outras mais concretas — como “preparar teu corpo”, sugerindo que os fiéis se levantem da cama e se vistam adequadamente, e “preparar a tua casa”, com indicação de que seja arrumada uma mesa com toalha, vela, crucifixo e imagens de santos.

22 Disponível em https://cutt.ly/8h64r77.

23 Trata-se, na verdade, de um conjunto de dicas organizado pela Diocese de Jundiaí, interior do Estado de São Paulo, republicado pelo site da CNBB. Cf. https://cutt.ly/bjqr4m1.

Em uma série de trabalhos em que problematiza os modos de presença durante as transmissões ao vivo da televisão, Yvana Fechine mostra como a simultaneidade do tempo compartilhado entre enunciador e enunciatário nas transmissões ao vivo faz sentido na caracterização muito específica desse tipo de transmissão24. Nas transmissões da missa pelo Facebook, a única marca discursiva que indica que o vídeo é o da transmissão de algo que está acontecendo naquele mesmo tempo é uma espécie de carimbo vermelho com a expressão “ao vivo” que fica no canto superior esquerdo da tela. É verdade que a própria Igreja tem regras que orientam para que a missa seja sempre transmitida ao vivo, nunca gravada. No Facebook, no entanto, as transmissões ao vivo podem permanecer disponíveis para que os internautas assistam quando quiserem. Tais gravações não podem ser editadas e ficam disponíveis exatamente como foram transmitidas. Gerados a partir de uma transmissão ao vivo, tais vídeos permanecem como um simulacro do “ao vivo”.

24 Cf. Y. Fechine, Televisão e presença. Uma abordagem semiótica da transmissão direta, São Paulo, Estação das Letras e Cores-CPS, 2008 ; id., “Ainda faz sentido assistir à programação da TV ? Uma discussão sobre os regimes de fruição na televisão”, in A.C. de Oliveira (org.), As interações sensíveis, op. cit. ; “Interações discursivas em manifestações transmídias”, in Y. Fechine et al. (orgs.), Semiótica nas práticas sociais. Comunicação, artes, educação, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2014.

No momento mesmo em que se está ocorrendo a celebração, o fiel internauta pode construir um simulacro de presença mais palpável. Em tais casos, a sua intenção de oração é “compartilhada”, naquele mesmo tempo, pelo padre que está celebrando, de tal modo que se pode projetar um efeito de sentido de efetividade e concretude de que aquela intenção está sendo “levada em conta” pelo padre. Mas tal sentimento pode ser igualmente construído se o internauta assiste inadvertidamente uma celebração gravada sem saber que ela é gravada. Como as marcas discursivas mostram a celebração como se fosse ao vivo, com exceção da falta do carimbo “ao vivo”, parece-nos que, do ponto de vista da construção do efeito de presença, não tem grande relevância a celebração estar sendo de fato ao vivo ou apenas aparecer como sendo ao vivo.

 

Num outro movimento de estratégias para oferecer as celebrações aos fiéis impedidos de estarem presentes fisicamente nas igrejas, algumas paróquias passaram a transmitir as missas tendo como cenário o quarto ou a sala de estar/TV das casas dos padres. Com um altar improvisado, tais missas convidam o fiel, além de rezar, a entrar na intimidade dos celebrantes e conhecer uma parte dela. Na celebração transmitida no dia 27 de março, por exemplo, o padre da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto estava na sala da sua casa — o que se revela pelos móveis que compõem a cena. No início da transmissão, ele usa alguns minutos para explicar a origem das imagens colocadas ao fundo do altar montado provisoriamente naquele ambiente. A câmera acompanha o movimento de suas mãos, que vai destacando vários objetos, notadamente uma fotografia em que o padre aparece com uma família negra e um pote de vidro em que está depositada areia do local onde foram martirizados os protomártires do Brasil25.

25 Sobre os protomártires, ver https://cutt.ly/qjqenZ5.

Outras paróquias recorreram a mecanismos e estratégias parecidos. É bem provável que muitos fiéis não se deixem mobilizar e também assistam distraidamente a essas missas em que o celebrante enuncia-se preocupado com a efetividade da “presença” do fiel enunciatário do outro lado da tela. Mas como explicamos anteriormente, nossa preocupação é identificar qual é a figura do “enunciatário modelo” (lembrando a expressão de Umberto Eco26), tal como a constroem as escolhas discursivas do enunciador. Ao projetar-se como um eu, o padre se relaciona diretamente com um tu, ou seja a figura do fiel instalada no enunciado e construída por ele. Não se trata do padre mesmo ou do fiel de carne osso que pode assistir a missa, quer compenetrado, quer apenas deixando a tela ligada enquanto realiza outros afazeres, mas desse sujeito semiótico complexo que é forjado no próprio discurso.

26 Sobre “leitor modelo”, cf. U. Eco, Lector in fabula (1979), São Paulo, Perspectiva, 1988.

Recorrendo ainda a outra estratégia discursiva, a Paróquia São Roque de Taquarituba, município do interior de São Paulo, foi das primeiras a lançar mão da impressão em tamanhos grandes de fotografias enviadas pelos fiéis. Já no dia 20 de março, antes mesmo de os clubes de futebol comercializarem “totens” para ocupar arquibancadas vazias, a referida igreja transmitiu uma celebração em que, no momento do salmo, a câmera circulou entre os bancos vazios mostrando a “presença” dos fiéis, simulada nas fotografias impressas. Antes de a transmissão mostrar as imagens, o padre explicou que era uma forma de as pessoas sentirem-se em comunhão física com a paróquia27.

27 Vídeo disponível em https://cutt.ly/yjwSx2b.

Na missa celebrada na Quinta-feira Santa, 9 de abril, dia em que os padres refazem o gesto de Jesus de lavar os pés dos discípulos, a Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto também fez uso de fotografias, que foram dispostas ao redor do altar para figurativizar os fiéis enunciatários daqueles ritos transmitidos pela internet. Sobre a iniciativa, o padre explicou :

Rezamos e celebramos aqui e vocês participam conosco. Saudável ideia foi a ideia de convidá-los pelas redes sociais, vocês, os membros aderentes da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, a enviarem suas fotografias e nós as pusemos aqui ao redor do altar, ao redor dessa mesa sagrada, já que não podemos estar tão juntos, a não ser por mecanismos que nós adaptamos o uso justamente para essa celebração, trazer a imagem de vocês e de quantos mais para as próximas celebrações quiserem e, assim, nos sentirmos bem próximos, bem juntos uns dos outros.

Assim como na paróquia de Taquarituba, a transmissão mostra os detalhes das fotos enviadas de maneira tal que é possível aos fiéis reconhecerem-se naquelas imagens dispostas ao redor do altar ou nos bancos. É um dispositivo de ordem simulacral que, supostamente, recoloca o fiel no espaço físico do padre. Há obviamente nesta “astúcia” — neste “fazer de conta” — algo quase infantil, que, porém, por falta de outra solução, talvez seja uma resposta mínima à demanda de “presença” sob sua forma mais ingênua.

 

Fotografias dos fiéis ocupam os bancos vazios da Paróquia São Roque
de Taquaritiba, no interior de São Paulo. (Foto de divulgação da paróquia).

Parece ser essa ilusão que o padre da Bom Parto tenta reforçar ao estabelecer um paralelo entre, por um lado, a situação enunciva da qual ele fala (a dos judeus martirizados) e a situação enunciativa, aquela vivida pelos seus destinatários do momento presente da celebração :

A primeira leitura de hoje para nós se tornou ainda mais familiar porque judeus na escravidão do Egito trancaram-se em casa e pintaram com sangue do cordeiro os umbrais das portas das suas casas para que o anjo da morte quando passasse, devorador, poupasse quem naquela casa marcada estivesse. E nós estamos em casa para nos poupar também, pessoal e coletivamente.

O objetivo dessa construção é explicitamente incentivar os fieis a se relacionar com aquela missa de um modo ativo e dinâmico, ou seja passar da posição de espectador passivo a espectador interativo, de um crente que participa. Mas antes do crer religioso (que talvez não precise de tais simulacros), tal estratégia pressupõe um “crer” de ordem bem diferente, que se assemelha ao crer de qualquer espectador no teatro ou no cinema, que consente em entrar no jogo da ficção. Sabe-se que é ficção, e porém entra-se no jogo, acreditando por um momento (ao menos pela duração do espetáculo) no que se reconhece como sendo pura fantasia ou fantasma. Fica por se perguntar até que ponto tal procedimento, com seu caráter deliberadamente simulacral, funciona no presente caso, em que além de crer na verdade pretendida de algum relato enunciado, trata-se, em suma, de crer na própria presença dentro de um espaço fictício. Até que ponto o dispositivo consegue fazer os enunciatários entrarem num tal jogo ?

 

Um último procedimento, encontrado com menor frequência, é a inclusão dos fiéis no próprio enunciado da missa por meio de videoconferência28. Nessa modalidade, o fiel entra na transmissão para fazer as leituras e os cânticos da missa diretamente da sua casa e sua imagem é compartilhada na mesma tela que a do celebrante. É mais um recurso que simula a presença do fiel que acompanha a missa pela internet, criando um efeito de mais dinamicidade uma vez que esse fiel pode se reconhecer naqueles que aparecem no vídeo.

28 Exemplo dessa utilização pode ser verificado na transmissão da missa da capela do Colégio La Salle São João, em Porto Alegre (https://cutt.ly/FjwC2Ei) e, também, na transmissão da missa de encerramento do acampamento promovido pela Associação Missionária Amanhecer na cidade de Gravatá, no Pernambuco (https://cutt.ly/9jtiu6P).

No esquema introduzido mais acima já apareciam, no eixo inferior, os dois modos de acompanhamento que resultam dos efeitos de presença que a tecnologia atualmente oferece para suprir a impossibilidade de presença efetiva. Tanto no polo da “presença efetiva” quanto naquele dos “efeitos de presença”, articulam-se modos de interação que se apresentam seja como “rotina” — repetições automatizadas e desprovidas de significação —, seja como “hábito”, repetições conscientes e desejadas porque criadoras de novas possibilidades de sentido. Participar da missa pressupõe o compartilhar ativo do espaço e do tempo entre o padre enunciador e o fiel enunciatário. Constrói-se aí o papel do fiel engajado, que aproveita todas as condições inerentes à missa na igreja. Em oposição a ele está a figura do fiel desatento, cuja participação rotineira na missa dessemantizou os gestos do rito. Ele assiste passivamente a tudo.

Fora da participação ativa, no eixo dos subcontrários (o dos “efeitos de presença” gerados pelo acompanhamento midiatizado), está a figura do fiel espectador instalado pela missa enunciada em terceira pessoa : o fiel apenas assiste à distância o que se passa num da igreja. Ao contrário, quando a negação é a da passividade do assistir (e não mais a do aspecto ativo do participar), pode aparecer a figura do fiel interativo. Nesse caso, o fiel que acompanha a missa remotamente encontra-se efetivamente mobilizado pelas qualidades plásticas do ritual midiatizado, qualidades capazes de incentivá-lo a construir o sentido em ato, na relação com o rezar do padre. A produção de um tal efeito de presença por detrás da tela supõe, da parte do produtor da transmissão, um uso de grande qualidade técnica dos recursos tanto estéticos quanto estésicos do audiovisual, bem como de astúcias enunciativas bem pensadas.

 

3. A benção na praça vazia

Olharemos agora para um outro modo de rezar mais específico e excepcional, fora da missa, mas ainda institucionalizado. Um rezar que se manifestou como súplica — pedido — a Deus pelo fim da pandemia e que foi, desde o início, pensado para ser um rezar midiatizado.

Papa Francisco caminha sozinho a praça São Pedro, em Roma, vazia, no dia 27 de março de 2020, durante benção Urbi et Orbi extraordinária pelo fim da pandemia
(Vídeo completo em https://cutt.ly/JjwBO1N)

Apesar de, no nível da ação desse rezar, não ser possível depreender a instalação direta de uma relação eu-tu entre enunciador e enunciatário, no nível da organização das linguagens da mídia que veiculou tal rezar, no entanto, há uma forte preocupação com esse enunciatário implícito por detrás das telas : é para ele e, sobretudo, com ele, em primeira e última instância, para quem o Papa rezava — ainda que, no nível do discurso, Francisco não se dirigisse diretamente a esse fiel previsto. Trata-se da transmissão pelo Youtube do canal Vatican News em português do “Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia presidido pelo Papa Francisco”, com a benção Urbi et Orbi29. Escolhida pelo jornal O Estado de S. Paulo como “uma das cenas mais icônicas destes novos tempos”30, a imagem do Papa Francisco cruzando, sozinho e com passos frágeis, a praça São Pedro vazia, em Roma, num fim de tarde chuvoso, marcou simbolicamente o início das medidas mais severas de isolamento social. Era 27 de março de 2020, e as pessoas ainda conheciam muito pouco ou quase nada sobre o novo coronavírus. As quarentenas compulsórias determinadas por governos de diferentes países já começavam a transformar cenários famosos de grandes cidades do mundo, que passavam a mostrar-se vazios. Ao substituir a visão de ruas e praças geralmente lotadas pela da ausência de qualquer movimento de pessoas, essas cenas explicitam, por assim dizer, a figurativização espacial da fobia do contato, do medo da contaminação.

29 Vídeo da transmissão disponível em https://cutt.ly/ZjrnT1j.

30 Em “Retrospectiva 2020”, edição de 27 de dezembro de 2020, Caderno Especial, p. A.

O momento protagonizado pelo Papa solitário projeta-se, ao mesmo tempo, como representativo desse distanciamento social compulsório e como ruptura do medo do contágio, figurativizando a esperança expressa no ato de Francisco que, apesar da idade, sai do seu próprio isolamento e reza pela fim da enfermidade que assola o mundo. Ao anunciar, alguns dias antes, que conduziria tal “momento de oração” pelo fim da doença, Francisco afirmou que gostaria de “responder à pandemia do vírus com a universalidade da oração, da compaixão, da ternura”31. Nesse convite, feito durante tradicional oração dominical do Ângelus já reconfigurada — no lugar do Papa na janela abençoando o povo na praça, viu-se Francisco “enjaulado”32 na biblioteca do Palácio Apostólico, sem a presença do povo —, ele exortou “todos a participar espiritualmente [da benção] através da mídia” (grifo nosso).

31 Texto completo do discurso disponível em https://cutt.ly/Fg5AdWE.

32 Expressão usada pelo próprio Papa quando precisou, no início de março, mudar seus compromissos na praça para o formato de videoconferências transmitidas a partir da biblioteca do Palácio Apostólico. Ver em https://cutt.ly/zjrWVod.

O convite desse rezar “através da mídia” é exemplar da reconfiguração forçada que a Igreja Católica precisou empreender em suas práticas de vivência da religiosidade que, em princípio e por natureza são, como procuramos mostrar ao longo deste estudo, essencialmente coletivas e presenciais. Diferentemente de outras tradições, que promovem uma experiência mais individual da fé, a prática católica valoriza o aspecto comunitário da vivência religiosa enquanto ritual compartilhado no espaço de uma igreja. Isso remonta à convivência dos apóstolos relatada nos evangelhos.

A benção Urbi et Orbi (ou seja, à cidade de Roma e ao mundo, em latim) é uma oração especial que só pode ser concedida pelo Papa ordinariamente em três ocasiões — logo após sua eleição, ao fim de um conclave, na Páscoa e no Natal. Por meio dessa benção, os fiéis que cumprem alguns requisitos prescritos pela Igreja recebem a indulgência plenária, que é a “remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa”33. Tratava-se, portanto, de um momento excepcional, ou, como o próprio título já indicava, extraordinário34. Essa excepcionalidade também pode ser depreendida a partir de um olhar para o conjunto do programado pela Igreja — a benção especial aconteceu apenas uma semana antes da Páscoa, quando já havia, pela regularidade, uma Urbi et Orbi prevista, e que, de fato, foi realizada. Com tal gesto, Francisco projeta a atuação daquela como um objeto de valor extraordinário no espaço-tempo do seu destinatário. Ademais, ao mesmo tempo que a benção tem, tradicional e socialmente, uma significação, ela pode fazer sentido de um modo diverso, em ato, pois está inscrita numa ruptura do programado35.

33 Sobre a prática de conceder indulgências na Igreja Católica, ver Catecismo da Igreja Católica, São Paulo, Edições Loyola, 2000, parágrafos 1.471-1.484.

34 2020 foi um ano de momentos excepcionais. No dia 5 de abril, a rainha Elizabeth fez circular sua quinta “mensagem extraordinária” em 68 anos de reinado. Assim como a benção do Papa, tal discurso figurativiza as rupturas que a pandemia causou nas narrativas do mundo.

35 Cf. Eric Landowski, “Modos de presença do visível”, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker, 2004, pp. 111-112.

A repercussão do momento foi ampla. No mundo todo, além das transmissões pela internet nos vários canais do Youtube do Vatican News, com compartilhamento simultâneo em centenas de outros canais e redes sociais católicos, emissoras da chamada grande imprensa também exibiram quase a íntegra da oração. No Brasil, por exemplo, além de estar em todos os canais católicos de televisão, a benção Urbi et Orbi do dia 27 de março foi exibida pelo canal fechado de notícias Globo News até o momento em que o Papa parou para rezar em silêncio, pouco antes da benção eucarística, já quase no fim da oração extraordinária.

No Youtube do Vatican News em português que analisaremos aqui, a transmissão teve a duração de uma hora, cinco minutos e 48 segundos e não era possível aos internautas escreverem comentários nem durante e nem depois do ao vivo, pois a função havia sido desabilitada pelo veículo. Projeta-se desde logo um destinador programador, que não quer dividir a responsabilidade daquela enunciação com seus enunciatários. O vídeo tinha, no momento de nossa análise, pouco mais de 393 mil visualizações. Nos primeiros quase seis minutos da transmissão, a edição intercala imagens que mostram diferentes ângulos da praça, valorizando o seu amplo espaço vazio que costumeiramente está ocupado por fiéis nessas ocasiões de presença do Papa. Além disso, alguns ângulos estão sob um filtro que é o das lentes molhadas das câmeras, intensificando o gesto do Papa : além de romper com a ausência necessária das pessoas em ambientes públicos para impedir a propagação do vírus para o qual o próprio Francisco constitui-se como grupo de risco, ele o faz em meio a chuva.

 

Enquanto aguarda-se a chegada do Papa nesses minutos iniciais da transmissão, um locutor, cujo timbre é conhecido, entre os católicos brasileiros, como o “da voz do Papa no Brasil”, vai explicando os elementos figurativos que compõe o cenário da benção especial – notadamente uma imagem de Nossa Senhora e um crucifixo de madeira com o Cristo nele pregado. O locutor explica que são dois objetos sacros muito importantes : a imagem de Nossa Senhora é a do ícone Salus Populi Romani (que significa “Protetora do Povo Romano”), “ícone muito amado pelos romanos, e um dos mais (...) venerados ícones marianos, que se encontra na Basílica de Santa Maria Maior” ; ele teria sido levado a Roma por Santa Helena, mãe do imperador Constantino. O outro objeto é o crucifixo da Igreja de São Marcelo, ao qual são atribuídos dois milagres. O primeiro, no ano de 1519, foi o de ser a única peça salva de um grave incêndio que consumiu todo o edifício da igreja. Desde então, segundo o locutor, o povo se reúne às sextas-feiras diante dele para rezar (a benção acontecia justamente em uma sexta-feira). O segundo milagre, que tem uma significação mais acentuada no contexto da pandemia, data de 1522, quando Roma foi tomada por uma peste que dizimava todos os seus cidadãos. O crucifixo foi levado da Igreja de São Marcelo até a Basílica de São Pedro. As autoridades da época tentaram impedir a procissão por medo do contágio, “mas o desespero coletivo falou mais alto”. Crentes italianos atribuíram ao gesto o fim quase imediato da doença. Como em 1522, o Papa quis levar o crucifixo até a basílica para pedir pelo fim da pandemia — ainda que essa exposição em praça pública representasse um perigo de contaminação para ele próprio.

 

A benção pode ser analisada em cinco partes : a oração inicial, as leituras bíblicas, a homilia com a reflexão do Papa, a adoração e a benção eucarística, concedida “à cidade e ao mundo”. É interessante sublinhar aqui que tal benção foge às regras de validade de um ato litúrgico midiatizado. Ao refletir sobre o tema, o teólogo Leomar Brustolin, atualmente bispo auxiliar na Arquidiocese de Porto Alegre, sublinha que a Igreja “reconhece como suficiente a copresença dos fiéis por rádio, televisão ou internet para a aquisição da indulgência. A ressalva que se faz, nesse caso, é que a ação litúrgica não seja gravada, mas transmitida ao vivo”36. Aqui, novamente nos questionamos se do ponto de vista semiótico há diferença significativamente relevante entre o ao vivo propriamente dito e o simulacro do ao vivo, projetado pela disponibilização de uma gravação gerada a partir de uma transmissão ao vivo que não sofreu nenhuma edição. Concordamos com os já citados estudos de Yvana Fechine sobre a configuração temporal das transmissões diretas pela TV, mas parece-nos, como já afirmamos, que se um fiel assiste inadvertidamente uma gravação gerada a partir de uma transmissão ao vivo, as marcas discursivas ali presentes irão mobilizar esse fiel enunciatário igualmente como se ele estivesse vendo aquilo de fato ao vivo.

36 L. Brustolin, “Eucaristia na era digital : a questão da presença e da participação”, Telecomunicação, 42, 2, 2012.

Diferentemente de outras bênçãos em que o Papa está na sacada da basílica ou na janela do palácio apostólico, neste rezar excepcional Francisco ocupa — também excepcionalmente — o lugar dos fiéis, no meio da praça, e o vazio ali instalado dá uma imagem de solidão no espaço, de isolamento no sentido mais literal da palavra, que figurativiza de modo hiperbólico o distanciamento social de cada um no momento mesmo da celebração. Assim, essa benção de 27 de março nos parece exemplar do uso estratégico da dimensão estésica para mobilizar sensivelmente o enunciatário na sua relação com a tela do computador, da TV ou do celular. Para além do conteúdo sensível que o Papa engendra nas suas falas — comparando, por exemplo, a pandemia com um momento de mar revolto, narrado no evangelho, em que Jesus havia sido convocado para acalmar as tormentas — é a própria colocação em vídeo daquele rezar que faz sentir aqueles sentidos.

 

Já no início da homilia, Francisco recorre à metáfora do entardecer e do cair da noite para se referir à pandemia37, como fez Susan Sontag ao falar do câncer e da tuberculose em ensaio originalmente publicado em 1978 : “a doença é a zona noturna da vida”38. Essa metáfora colocada no discurso coincide com as imagens veiculadas da praça : vê-se no vídeo a cidade de Roma escurecendo com o cair da noite. Essa homologação entre o dito do Papa e o dizer do vídeo sensibiliza o enunciatário que assiste a benção ele próprio com medo desse entardecer causado pela pandemia.

37 O texto da homilia pode ser lido em https://cutt.ly/LjrHtAE.

38 Cf. S. Sontag, Doença como metáfora. AIDS e suas metáforas, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 11.

Apesar de não interagir diretamente, olho no olho — olho na câmera — com o fiel enunciatário que assiste à benção, Francisco assume o falar desse enunciatário. O uso da primeira pessoal do plural — do nós — do Papa não é o do plural majestático que se instala como autoridade distante, mas o do nós que integra Papa e fiéis num único ator que está sofrendo as mazelas do vírus : “a nossa fé (...) é fraca e sentimo-nos temerosos”, confessa o Papa. Francisco aceita também como sua a condição de “vulnerabilidade” na qual se encontram os fiéis e compartilha seu atuar com o atuar desses enunciatários a quem se dirige, reconhecendo que o coronavírus “deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construíamos os nossos programas, os nossos hábitos e prioridades” (grifos nossos).

 

A alternância de diferentes ângulos produzidos pelas câmeras contribui para projetar efeitos que, por assim dizer, “fazem sentir” o estado de alma do outro, no caso a força da concentração piedosa enquanto paixão vivida pelo Papa em nome de todos que o assistem e, no limite do simbolismo, em nome de toda a humanidade. Sentimentos que se opõem às “paixões tristes”39 figurativizadas por outras autoridades políticas40. Os enquadramentos instalam o enunciatário ora como espectador de olhar distante, objetivante, ora como observador-participante, quase numa relação de copresença. A partir dai a tendência é que se estabeleça uma forma de “fazer juntos” (figurativizada também no uso do nós pelo Papa) apesar da não-presença figurativizada pelo vazio da imensa praça.

39 Expressão de F. Dubet em O tempo das paixões tristes, São Paulo, Vestígio, 2020.

40 Como, por exemplo, as banalizações das mortes causadas pela pandemia protagonizadas pelos presidentes do Brasil e dos EUA. Franciscu Sedda analisa comparativamente o semantismo da linguagem do Papa Francisco em relação a de políticos italianos, no texto “Imprevedibile Franciscus”, in A.M. Lorusso e P. Peverini (orgs.), Il racconto di Francesco. La comunicazione del Papa nell’era della connessione globale, Roma, Luiss University Press, 2017, p. 51.

Os ângulos alternados entre próximo do Papa — instalando um sujeito íntimo — e distante, instalando um sujeito que tem a vista privilegiada da praça vazia, criam dinamicidade na transmissão da benção. Acompanhar, logo no início da transmissão, os passos frágeis do Papa idoso ecoa aquela fragilidade do fiel enunciatário que participa da benção pela mídia. Esse compartilhar as vicissitudes do próprio corpo com as do corpo do Papa coloca enunciador e enunciatário em face a face, num sentir até certo ponto compartilhado.

Vemos, portanto, que a transmissão da benção lança mão de uma grande variedade de recursos disponíveis para criar esses efeitos de mobilização sensível. O silêncio do Papa entrecortado com a chuva aumenta essa densidade sensível da cena midiatizada. Em certo momento da oração, o Papa caminha em direção ao ícone de Nossa Senhora. A câmera acompanha seus passos, e é como se (graças ao saber fazer do editor) fosse o próprio enunciatário acompanhando a lenta progressão do Papa. No plano seguinte, o fiel vê o Papa em close com o olhar fixo para Nossa Senhora. A perspectiva então muda, focalizando agora o quadro. É quase como se olhássemos para a Virgem com o Papa. Francisco põe as mãos no ícone — e logo vai repetir o mesmo gesto na cruz de madeira. Esse tocar focalizado rememora a devoção popular do tocar objetos sagrados e de novo integra o enunciatário que assiste a benção no próprio enunciado da benção. Outros enquadramentos com close no crucifixo tido como milagroso mostram a água da chuva escorrendo pelo corpo de Jesus, projetando o simulacro de que ele está, de novo, sangrando. Essas plasticidades, valorizadas por diferentes ângulos da câmera, têm o poder de nos fazer apreender estesicamente um sofrimento :
aquele, para um cristão, do próprio Cristo, e que é também o sofrimento do Papa, ali representando a humanidade, pela nova e letal doença.

 

Conclusão

Sabemos que a força da ligação estésica (da “prise”) que o dispositivo tradicional de qualquer igreja (ou da maioria delas) exercita não somente sobre os crentes, mas também sobre todo visitante desse gênero de edifício, é o resultado de uma elaboração arquitetônica coletiva de muitos anos — em alguns casos, mesmo de muitos séculos. Ao passar subitamente, hoje, para um gênero de espaço-tempo de natureza inteiramente diversa, quer dizer remota, surge a necessidade de se encontrar meios de captação sensível comparáveis senão equivalentes no plano da comunicação midiatizada, ou seja da “presença” como efeito dos arranjos plásticos e enunciativos mobilizados nessas novas interações.

 

Frequentemente, o enunciado da missa midiatizada apareceu ainda longe do que se pode esperar nesse domínio, mesmo que algumas estratégias tenham conseguido mobilizar sensivelmente o fiel, tanto do ponto de vista tecnológico quanto do ponto de vista religioso. Ainda que tais modos mediados de rezar tenham sido reconhecidos como fundamentais para manter os vínculos entre fiéis e celebrantes durante os períodos mais críticos do isolamento social, o Vaticano, em comunicado de agosto de 2020 intitulado “Voltemos com alegria à Eucaristia!”, ressalta que, para a Igreja Católica, a “dimensão comunitária tem um significado teológico” importante41. O documento reforça, ainda, que :

41 Comunicado da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, 15 de agosto de 2020 (https://cutt.ly/tjtiex7).

Por muito que os meios de comunicação desempenhem um prestimoso serviço em prol dos doentes e de quantos estão impedidos de se deslocar à Igreja, e prestam um grande serviço na transmissão da Santa Missa no tempo em que não era possível celebrar comunitariamente, nenhuma transmissão se pode equiparar à participação pessoal ou a pode substituir. (Grifos nossos).

A transmissão da benção extraordinária do Papa Francisco talvez nos indique o caminho mais certo rumo um objetivo que, apesar de tudo, não pode deixar de ser problemático na sua essência mesma : simples paradoxo que essa presença almejada na ausência, esse querer ser juntos na separação mantida ? Ou verdadeira aporia ? Aí, de qualquer forma, encontra-se um enorme desafio, tanto no plano dos estudos semióticos, quanto no plano da imaginação criativa necessária aos responsáveis pela comunicação religiosa.

 

Obras citadas

Brustolin, Leomar, “Eucaristia na era digital : a questão da presença e da participação”, Telecomunicação, 42, 2, 2012.

Fechine, Yvana, Televisão e presença. Uma abordagem semiótica da transmissão direta, São Paulo, Estação das Letras e Cores-CPS, 2008.

— “Ainda faz sentido assistir à programação da TV ? Uma discussão sobre os regimes de fruição na televisão”, in A.C. de Oliveira (org.), As interações sensíveis, São Paulo, Estação das Letras e Cores-CPS, 2013.

— “Interações discursivas em manifestações transmídias”, in Y. Fechine et al. (orgs.), Semiótica nas práticas sociais. Comunicação, artes, educação, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2014.

Floch, Jean-Marie, Petites Mythologies de l’œil et de l’esprit, Paris-Amsterdam, Hadès-Benjamin, 1995.

Greimas, Da Imperfeição (1987), São Paulo, Hacker, 2002.

— e Joseph Courtés, Dicionário de semiótica, São Paulo, Cultrix, 1983 ; reed., São Paulo, Contexto, 2008.

Guimarães Rosa, João, Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001.

Landowski, Eric, Presenças do outro (1997), São Paulo, Perspectiva, 2002.

Passions sans nom, Paris, P.U.F., 2004.

Interações arriscadas (2005), Estação das Letras e Cores/CPS, São Paulo, 2014.

Além ou aquém das estratégias, a presença contagiosa, São Paulo, Ediçoes CPS, 2005.

— “La politique-spectacle revisitée : manipuler par contagion”, Versus, 107, 2008.

Antes da interação, a ligação (2009), São Paulo, Ediçoes CPS, 2019.

Oliveira, Ana Claudia de, “As interações discursivas”, in id. (org.), As interações sensíveis, São Paulo, Estação das Letras e Cores-CPS, 2013.

Sedda, Franciscu, “Imprevedibile Franciscus”, in A.M. Lorusso e P. Peverini (orgs.), Il racconto di Francesco. La comunicazione del Papa nell’era della connessione globale, Roma, Luiss University Press, 2017.

Sontag, Susan, Doença como metáfora. AIDS e suas metáforas, São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

 

1 Presenças do outro, São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 69.

2 Disposição topológica que tecnicamente podemos chamar de “semi-simbólica”. Cf. J.-M. Floch et F. Thürlemann, verbete “semi-symbolique”, in A.J. Greimas et J. Courtés (orgs.), Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage II, Paris, Hachette, 1986, pp. 203-206 ; e J.-M. Floch, Petites Mythologies de l’œil et de l’esprit, Paris-Amsterdam, Hadès-Benjamin, 1985, p. 79.

3 Sobre a noção de presença contagiosa, cf. E. Landowski, Além ou aquém das estratégias, a presença contagiosa, São Paulo, Ediçoes CPS, 2005.

4 J. Guimarães Rosa, Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001.

5 Cf. José Antonio Pagola, Para católicos, assistir à missa não é o mesmo que participar dela, https://domtotal.com/noticia/1452298/2020/06/para-catolicos-assistir-a-missa-nao-e-o-mesmo-que-participar-dela/.

6 Greimas fala de significação dessemantizada. Cf. Da Imperfeição, São Paulo, Hacker, 2002, pp. 23-30.

7 Cf. “Pour l’habitude”, Passions sans nom, op. cit., pp. 149-158.

8 Ibid., p. 157.

9 Compêndio do Vaticano II, Petrópolis, Vozes, 1968 (29ª edição), p. 279 (grifos nossos).

10 Por razoes óbvias, a comunhão, esse momento da transmissão do corpo do Cristo aos fieis, constitui por natureza o momento mais crítico do ponto de vista das transmissões midiáticas da missa. Contrariamente ao que pode advir na ficção literária, a hóstia não pode passar “do outro lado da tela” ! É também neste ponto que a Igreja se posiciona contrariamente à possibilidade de participação na missa por meio dos meios de comunicação — falta o que é mais central no rito, ou seja, a comunhão de fato entre fiel e Deus por meio do consumir a eucaristia.

11 Sobre a diferença entre significação e sentido, cf. E. Landowski, Antes da interação, a ligação, São Paulo, Edições CPS (Documentos de Estudo, 8), 2019, p. 25.

12 Da Imperfeição, op. cit., p. 87.

13 Cf. A. Schilson. “A missa na televisão e na rádio”, in M. Brouard (org.), Eucharistia : Enciclopédia eucarística, São Paulo, Editora Paulus, 2006, p. 726. (Grifo nosso).

14 Ibid., p. 726.

15 Seria tema igualmente relevante, e que aqui deixaremos de lado, uma reflexão a partir do ponto de vista do padre celebrante. No lugar dos fieis, o que ele tem sob os olhos a não ser, no meio de uma igreja vazia, somente uma câmera e uns técnicos ? Nem sequer a imagem de três ou quatro interlocutores numa tela de computador, como acontece com o professor dando um curso a distância. Não apenas pelos fieis mas pelo padre também, portanto, se coloca essa questão : como rezar em tais condições ?

16 Ana Claudia de Oliveira propõe homologar os regimes de sentido e risco de Landowski a interações que se manifestam já no nível discursivo do percurso gerativo de sentido. Ela divide essas interações entre intransitivas (sem possibilidade de intercâmbio das funções de enunciador e enunciatário) e transitivas (em que enunciador e enunciatário trocam de papéis numa dinâmica em ato). Cf. A.C. de Oliveira, “As interações discursivas”, in id. (org.), As interações sensíveis. Ensaios de sociossemiótica a partir da obra de Eric Landowski, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2013, pp. 235-249.

17 Documento “Igreja e internet”, do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, 22 de fevereiro de 2002 (https://cutt.ly/XjwRe7g). (Grifos nossos).

18 “As interações discursivas”, art. cit., p. 235.

19 E. Landowski, Interações arriscadas (2005), São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2014, pp. 246-260.

20 Cf. E. Landowski, “La politique-spectacle revisitée : manipuler par contagion”, Versus, 107, 2008.

22 Disponível em https://cutt.ly/8h64r77.

23 Trata-se, na verdade, de um conjunto de dicas organizado pela Diocese de Jundiaí, interior do Estado de São Paulo, republicado pelo site da CNBB. Cf. https://cutt.ly/bjqr4m1.

24 Cf. Y. Fechine, Televisão e presença. Uma abordagem semiótica da transmissão direta, São Paulo, Estação das Letras e Cores-CPS, 2008 ; id., “Ainda faz sentido assistir à programação da TV ? Uma discussão sobre os regimes de fruição na televisão”, in A.C. de Oliveira (org.), As interações sensíveis, op. cit. ; “Interações discursivas em manifestações transmídias”, in Y. Fechine et al. (orgs.), Semiótica nas práticas sociais. Comunicação, artes, educação, São Paulo, Estação das Letras e Cores/CPS, 2014.

25 Sobre os protomártires, ver https://cutt.ly/qjqenZ5.

26 Sobre “leitor modelo”, cf. U. Eco, Lector in fabula (1979), São Paulo, Perspectiva, 1988.

27 Vídeo disponível em https://cutt.ly/yjwSx2b.

28 Exemplo dessa utilização pode ser verificado na transmissão da missa da capela do Colégio La Salle São João, em Porto Alegre (https://cutt.ly/FjwC2Ei) e, também, na transmissão da missa de encerramento do acampamento promovido pela Associação Missionária Amanhecer na cidade de Gravatá, no Pernambuco (https://cutt.ly/9jtiu6P).

29 Vídeo da transmissão disponível em https://cutt.ly/ZjrnT1j.

30 Em “Retrospectiva 2020”, edição de 27 de dezembro de 2020, Caderno Especial, p. A.

31 Texto completo do discurso disponível em https://cutt.ly/Fg5AdWE.

32 Expressão usada pelo próprio Papa quando precisou, no início de março, mudar seus compromissos na praça para o formato de videoconferências transmitidas a partir da biblioteca do Palácio Apostólico. Ver em https://cutt.ly/zjrWVod.

33 Sobre a prática de conceder indulgências na Igreja Católica, ver Catecismo da Igreja Católica, São Paulo, Edições Loyola, 2000, parágrafos 1.471-1.484.

34 2020 foi um ano de momentos excepcionais. No dia 5 de abril, a rainha Elizabeth fez circular sua quinta “mensagem extraordinária” em 68 anos de reinado. Assim como a benção do Papa, tal discurso figurativiza as rupturas que a pandemia causou nas narrativas do mundo.

35 Cf. Eric Landowski, “Modos de presença do visível”, in A.C. de Oliveira (org.), Semiótica Plástica, São Paulo, Hacker, 2004, pp. 111-112.

36 L. Brustolin, “Eucaristia na era digital : a questão da presença e da participação”, Telecomunicação, 42, 2, 2012.

37 O texto da homilia pode ser lido em https://cutt.ly/LjrHtAE.

38 Cf. S. Sontag, Doença como metáfora. AIDS e suas metáforas, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 11.

39 Expressão de F. Dubet em O tempo das paixões tristes, São Paulo, Vestígio, 2020.

40 Como, por exemplo, as banalizações das mortes causadas pela pandemia protagonizadas pelos presidentes do Brasil e dos EUA. Franciscu Sedda analisa comparativamente o semantismo da linguagem do Papa Francisco em relação a de políticos italianos, no texto “Imprevedibile Franciscus”, in A.M. Lorusso e P. Peverini (orgs.), Il racconto di Francesco. La comunicazione del Papa nell’era della connessione globale, Roma, Luiss University Press, 2017, p. 51.

41 Comunicado da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, 15 de agosto de 2020 (https://cutt.ly/tjtiex7).

 

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Palavras chave : estesia, midiatização, pandemia, presença, redes sociais, rezar.

Mots clefs : esthésie, médiatisation, pandémie, présence, prier, réseaux sociaux.

Auteurs cités : Leomar Brustolin, François Dubet, Umberto Eco, Yvana Fechine, Jean-Marie Floch, Algirdas J. Greimas, Eric Landowski, Ana Claudia de Oliveira, Arno Schilson, Franciscu Sedda, Susan Sontag.


Plan :

Introdução

1. A missa como experiência estésica

2. A missa midiatizada

3. A benção na praça vazia

Conclusão

 

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